Históriador americano lança livro sobre Lula

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Foto: Dida Sampaio

Por sete anos, o americano John French, professor de história da Universidade Duke, no estado da Carolina do Norte, revirou arquivos, consultou documentos, ouviu especialistas, entrevistou pessoas e reconstituiu os principais fatos da carreira do ex-presidente Lula. O resultado é um calhamaço de 687 páginas intitulado Lula e a Política da Astúcia, lançado recentemente pela Editora Expressão Popular em parceria com a Fundação Perseu Abramo, entidade ligada ao PT. É um trabalho interessante para quem ainda desconhece detalhes da vida do migrante que fugiu da fome e da seca, fez carreira no sindicalismo, promoveu greves durante a ditadura, criou um partido político e chegou ao topo ao se eleger presidente da República. Praticamente dois terços da obra são dedicados à análise de como foi forjada a personalidade singular do líder descrito pelo autor como transformador, aberto ao diálogo, lutador quando preciso, permeável às diferenças e reconhecido em todo o mundo — não por acaso exatamente as mesmas virtudes destacadas pela campanha do ex-presidente.

“O atual presidente do país é um ogro fascista de extrema direita, voz arrogante e irresponsável do porão do regime militar, que torturou o irmão de Lula e matou centenas de cidadãos sem piedade”

A segunda parte do livro sobrevoa os oito anos de mandato de Lula, a escolha de Dilma Rousseff para suceder-­lhe, os escândalos durante os governos petistas, a condenação, a prisão e a descondenação do ex-presidente por corrupção (é aqui que a obra começa a desandar). O primeiro mandato do petista é resumido pelo historiador como modesto, com destaque para a implantação do programas de redução da pobreza absoluta, especialmente o Bolsa Família. Já o segundo mandato é classificado como “verdadeiramente surpreendente” em razão dos resultados de políticas sociais que, segundo números reproduzidos pelo autor, geraram 15 milhões de empregos formais, retiraram 23 milhões de brasileiros da linha da pobreza e alçaram outros 30 milhões ao status de classe média baixa. French destaca também o crescimento do PIB, o aumento da renda, a diminuição da desigualdade e a criação de um universo de consumidores ativos — não por acaso fatos que a campanha do ex-presidente também ressalta nos programas eleitorais.

“Lula é um dos políticos mais bem-sucedidos do mundo — o Pelé da política eleitoral presidencial global — e a estrela mais brilhante no céu político do Brasil”

O trabalho do historiador, no entanto, é absolutamente parcial quando se trata da marca mais deletéria dos governos petistas: a corrupção. O mensalão, por exemplo. Em 2005, descobriu-­se que a cúpula do PT estava no comando de um engenhoso esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos. Amigos e auxiliares do então presidente Lula foram condenados e presos por usar recursos roubados para subornar parlamentares e garantir que assuntos de interesse do governo fossem aprovados no Congresso. Um dos envolvidos no escândalo confessou à polícia que Lula sabia das irregularidades. O ex-­presidente, no entanto, nunca foi admoestado. No livro, a palavra mensalão aparece apenas três vezes, duas delas para lembrar que Dilma Rousseff emergiu a partir da queda de José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil e homem de confiança de Lula que comandava o esquema, e outra para lembrar que o caso gerou um “processo sem precedentes de perseguição e prisão de alguns dos principais colaboradores de Lula”.

“Uma operação tão massiva foi designada para fomentar a crença de que a corrupção na Petrobras, que inicialmente estimulou a Lava-Jato, havia se estendido até o ex-presidente do Brasil”

Já com o petrolão, a omissão é ainda mais gritante. O maior caso de corrupção da história identificou um grupo de empreiteiras, partidos políticos que apoiavam o governo, dirigentes do PT e servidores que se uniram num esquema que desviou ao longo de uma década quase 10 bilhões de reais dos cofres da Petrobras. O dinheiro foi usado, entre outras coisas, para custear as campanhas políticas de Lula e de Dilma. Dessa vez, porém, Lula não foi poupado. As investigações da Operação Lava-Jato constataram que o ex-presidente não só se beneficiou politicamente do esquema como recebeu sua parte das empreiteiras. Em 2018, o petista foi condenado e preso. Três anos depois, o Supremo Tribunal Federal anulou a condenação, sob o argumento técnico de que a Justiça do Paraná, onde o processo foi julgado, não era o foro adequado. O caso, portanto, deveria voltar à estaca zero. Lula foi solto em 2019, recuperou os direitos políticos, anunciou sua candidatura à Presidência e hoje lidera a corrida ao Palácio do Planalto. Desde então, o ex-presidente repete que foi inocentado, o que não é verdade, e atribui sua condenação à perseguição pessoal do então juiz Sergio Moro, com o apoio das elites e da mídia. A biografia avaliza essa versão.

“Quando o escândalo de corrupção do mensalão surgiu, em 2005, a muito alardeada crise decapitou a liderança petista e levou a um processo sem precedentes de perseguição e eventual prisão de alguns dos principais colaboradores de Lula”

Claramente enviesado, John French descreve a Lava-Jato como uma “operação massiva para fomentar a crença de que a corrupção na Petrobras havia se estendido até o ex-presidente”. Lula, segundo ele, foi transformado em chefe de uma quadrilha, numa orquestração para evitar que ele voltasse ao poder. O livro não cita que, além de Lula, foram presas outras 294 pessoas e que os criminosos não só confessaram como devolveram 6 bilhões reais do dinheiro roubado. Não cita também que o presidente ganhou 27 milhões de reais ministrando “palestras” pagas pelas empreiteiras envolvidas no escândalo ou a incrível ascensão financeira de um de seus filhos, que de um humilde tratador de animais de zoológico se transformou num bem-sucedido empresário que faturou mais de 100 milhões de reais durante os governos petistas. Para o historiador, nada foi descoberto que incriminasse o ex-presidente. “Promotores e juízes tinham de trabalhar com o que eles tinham: um modesto apartamento no litoral de São Paulo, do qual ele nunca havia sido dono, e uma fazenda cujos donos eram velhos amigos” — referência ao notório tríplex do Guarujá, cuja reforma foi bancada por uma empreiteira envolvida no escândalo, e do sítio de Atibaia, que Lula passou a frequentar depois de deixar a Presidência, também beneficiado com reformas pagas pelas empreiteiras do petrolão.

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