Objetivo das pesquisas não é acertar números

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Foto: Leo Martins

Como é de costume ao final de toda eleição, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgar os resultados do pleito eleitoral, haverá um exército de analistas destrinchando todos os números para verificar quais institutos “acertaram” os resultados e quais foram os “erros”. Mas se pesquisas são um retrato do momento, faz sentido ou, até mesmo, é adequado comparar estimativas de pesquisas pré-eleitorais com resultados da eleição?

Essa é uma pergunta importante de se considerar pois muitas pessoas avaliam as empresas fazendo esse tipo de comparação. Essa questão torna-se ainda mais relevante quando tivemos uma proposta, aprovada na Câmara mas rejeitada no Senado, exigindo que os institutos divulguem uma “taxa de acerto”, e mais recentemente o presidente da Câmara, Arthur Lira, sugerindo que fossem tomadas medidas legais para que se punam institutos que “errem” demasiadamente.

Para responder essa pergunta precisamos recorrer à abordagem estatística utilizada em pesquisas eleitorais, denominada “inferência para populações finitas”. Nessa abordagem, o objetivo é estimar características de uma população muito bem definida no tempo. Por exemplo, pesquisas censitárias sempre utilizam uma data de referência na definição da população. No caso do Censo 2022, que está atualmente em condução pelo IBGE, essa data é definida entre os dias 31 de julho de 2022 e 1° de agosto de 2022. No caso de levantamentos eleitorais, normalmente define-se a população como o eleitorado durante o período de coleta dos dados. Logo, toda inferência estatística em pesquisas pré-eleitorais se restringe aos eleitores nesse marco temporal muito bem estabelecido.

Se a intenção de voto de parte do eleitorado mudar depois da coleta de dados dessas pesquisas, elas não conseguirão captar essas mudanças. Mesmo com pesquisas conduzidas às vésperas da eleição, se uma proporção considerável dos eleitores mudar ou decidir seu voto entre o período do levantamento e o momento em que apertarem o botão de “confirma” na urna eletrônica, as estimativas dessas pesquisas muito provavelmente diferirão dos resultados das urnas.

Dessa forma, do ponto de vista estatístico, pesquisas pré-eleitorais não “erram”, nem “acertam” resultados de eleições, pois apesar de se tratar do mesmo eleitorado, ele se dá em momentos distintos e, portanto, tecnicamente, são populações diferentes. Ou seja, não são necessariamente equiparáveis. Comparar a intenção de voto na pesquisa e o comportamento do voto nas urnas seria como comparar bananas com maçãs, ou melhor, uma banana verde com essa mesma banana já madura. A única exceção são as pesquisas boca de urna, uma vez que elas são realizadas no próprio dia da eleição com eleitores que já foram às urnas votar.

Para que esse tipo de comparação seja tecnicamente adequada, teríamos que assumir que o eleitorado não muda substancialmente suas decisões entre a realização da pesquisa e o momento em que votam na eleição. Sob certas condições, isso pode até ser razoável para eleições presidenciais. Mas para cargos como deputado, senador e mesmo governador, há razões para se acreditar que não seja, pois uma parte do eleitorado acaba decidindo o voto para esses cargos apenas no dia anterior ou mesmo no próprio dia da eleição. No entanto, dificilmente conseguimos quantificar ou mesmo verificar empiricamente se essa suposição é verdadeira. Por isso, não me parece adequado avaliar os institutos, ou até mesmo puni-los, com base nesse critério de comparação entre as estimativas de suas pesquisas pré-eleitorais e os resultados das urnas, mesmo considerando-se a margem de erro amostral.

Uma forma mais adequada para se fazer previsões futuras é utilizando modelos estatísticos de predição, que fazem certas suposições sobre o comportamento do eleitorado para que, a partir dos dados das pesquisas, possam fazer projeções estatísticas dos votos de cada candidato no dia da eleição. Entretanto, nenhum dos institutos de pesquisa no Brasil atualmente faz uso de tais modelos preditivos na publicação dos resultados de suas pesquisas. Por outro lado, alguns agregadores de pesquisa utilizam uma série de levantamentos eleitorais junto a dados populacionais demográficos e resultados históricos para fazer previsões eleitorais com modelos estatísticos.

Um dos papéis principais das pesquisas pré-eleitorais é apresentar as preferências e opiniões do eleitorado num determinado momento de forma clara e objetiva por meio de métodos científicos. Isso nos permite ter uma compreensão melhor e mais ampla dos eleitores, inclusive fora de nossas próprias bolhas. Além disso, por meio de sucessivas pesquisas realizadas ao longo do tempo, como é feito por diversos institutos, é possível traçar, retrospectivamente, certas tendências do eleitorado, que podem ajudar a entender como determinados eventos impactaram a opinião dos eleitores. Isso não significa que essas tendências se manterão depois do período em que a pesquisa foi feita, mesmo porque o eleitorado é dinâmico e sujeito a mudanças mediante a novos acontecimentos e informações. Mas um importante primeiro passo para compreender melhor o presente e vislumbrar o futuro é entender o passado. É para isso que servem as pesquisas pré-eleitorais.

O Globo