Pesquisadores estão sendo hostilizados nas ruas

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Foto: Alexandre Cassiano

Pesquisadores de institutos que fazem sondagens de opinião pública têm enfrentado episódios de hostilidade e até agressões durante o período eleitoral. Há notícias de casos de violência ou intimidação contra funcionários do Datafolha, do Ipec e da Quaest, os três principais institutos que fazem pesquisas presenciais. Também contra estudantes que integram o “Monitor do debate político”, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

Equipes do Ipec têm relatado dificuldades para acessar áreas controladas por grupos paramilitares no Rio de Janeiro. Uma das pesquisadoras do instituto, fundado por ex-executivos do Ibope, foi perseguida por um homem que tentou arrancar seu crachá durante um estudo na capital fluminense. A funcionária registrou boletim de ocorrência.

Em São Paulo, um aluno da USP que entrevistaria apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante manifestação no feriado de 7 de Setembro sofreu agressão. O coordenador do grupo de pesquisas, Márcio Moretto, conta que o estudante desistiu de participar do estudo por causa do episódio:

— Logo a primeira pessoa que esse aluno foi entrevistar já ficou questionando por que ele não estava de verde e amarelo. Ele disse que vestia roupas pretas porque estava trabalhando. Mas então essa pessoa começou a filmar e a instigar outros apoiadores contra o aluno. Chegou a empurrá-lo e a tentar amarrar uma bandeira do Brasil em torno do pescoço desse estudante.

O “Monitor do debate político” acompanha manifestações desde 2015. Os integrantes do grupo passaram a usar um broche com a bandeira do Brasil em atos que reúnem apoiadores de Bolsonaro depois de terem vivenciado episódios de hostilidade em maio de 2019. O adereço não foi suficiente para evitar o caso de agressão na Avenida Paulista.

O presidente Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, já criticou institutos de pesquisa e contestou a legitimidade dos levantamentos em diversas ocasiões. Essa desconfiança ecoa em grupos de apoiadores do presidente nas redes sociais e aplicativos de mensagens, onde são comuns publicações que exaltam atos hostis contra pesquisadores.

— Vários alunos relataram casos de hostilidade no 7 de Setembro, o que não é comum. A gente está acostumado a ver pessoas se negarem a responder, mas não com esse tipo de atitude, chamando os pesquisadores de “esquerdistas” ou tentando intimidar — diz Moretto.

Pesquisadores do Datafolha já sofreram intimidações em oito estados, segundo reportou o jornal “Folha de S.Paulo”. Os casos foram registrados em São Paulo, Minas Gerais, Alagoas, Maranhão, Goiás, Pará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Entre os funcionários contratados pela Quaest, os relatos de ameaças e agressões são mais comuns entre as mulheres. Uma entrevistadora foi abordada em Santa Catarina por um homem que insistia para ser ouvido, o que não é aceito pelos critérios adotados pelo instituto. O homem ameaçou seguir a pesquisadora que, por medo, não continuou a trabalhar naquele dia.

Outra funcionária da Quaest foi alvo de xingamentos durante uma entrevista realizada no interior do Mato Grosso para a pesquisa mais recente do instituto, divulgada nesta quarta-feira. Ela também encerrou o expediente naquele momento.

Recenseadores contratados pelo IBGE para refazer o Censo Demográfico também têm reportado violência durante os trabalhos em campo. Ao menos 6.550 funcionários desistiram de participar da pesquisa até o fim do mês passado, de acordo com o instituto.

A defensora pública Fernanda Balera foi quem deu suporte ao pesquisador da USP vítima de violência na Avenida Paulista. Ela recomenda o registro de boletim de ocorrência nesses casos.

— Havia um temor muito grande no 7 de Setembro devido ao clima de polarização. A gente pede para que a pessoa vítima de violência registre o boletim de ocorrência ou procure a Defensoria Pública, que irá encaminhar a denúncia para os órgãos responsáveis. Se possível, a gente orienta a pessoa a gravar o agressor, seja por vídeo ou por áudio, para que seja possível fazer a responsabilização — diz Balera, que integra o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas (Abep) informou que está atenta à escalada de casos de atos hostis contra pesquisadores e que divulgará uma nota oficial a respeito do assunto em breve.

O Globo