TSE suspeita de proposta de militares de “apuração paralela”

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Foto: PR

A discussão travada internamente pelas Forças Armadas a respeito de uma “apuração paralela” dos votos das eleições a partir dos boletins de urnas causou estranheza entre ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Integrantes da Corte ouvidos sob reserva pelo GLOBO apontam que a totalização a partir destes documentos é algo que já pode ser feito desde 2002, e minimizam a eficácia estatística da medida.

Para um integrante da cúpula do TSE, “todo mundo pode ir em 300 urnas e somar os boletins de urnas”. Uma proposta que vem sendo estudada por militares consiste em colocar integrantes das Forças em seções eleitorais espalhadas pelo país para tirar e enviar fotos do QR Code dos boletins de urna para o Comando de Defesa Cibernética do Exército, em Brasília, que faria a contagem dos votos.

A ideia em discussão é que os militares analisem os resultados de cerca de 380 urnas, do universo de 577 mil equipamentos que serão usados em todo o Brasil. A possibilidade de conferir os boletins de urna é concedida a qualquer cidadão, sem qualquer privilégio de uma categoria ou outra. Isso já era possível em eleições anteriores e continuará sendo possível agora, mas de forma mais facilitada. Antes, os boletins eram afixados nas sessões de votação. Agora, também estarão disponíveis na internet.

Na avaliação de ministros do TSE, a ideia da contagem paralela pelos militares não significa qualquer “acordo” com a Corte. Esses magistrados ressaltam que, apesar da possibilidade concedida a qualquer pessoa, não é função da caserna fazer apuração de votos.

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, que presidiu o TSE quando as urnas eletrônicas foram adotadas nas eleições brasileiras, criticou a medida em discussão pelas Forças Armadas.

— Qualquer um pode fazer uma apuração paralela, porque são expedidos boletins. É estranho que as Forças Armadas queiram intervir numa eleição, quando a Justiça Eleitoral tem conduzido as eleições há 25 anos com urnas eletrônicas sem nenhuma contestação, sem nenhuma evidência de fraude, de modo que as Forças Armadas fazerem uma apuração paralela parece surpreendente a esta altura — disse Velloso.

O advogado eleitoral Antonio Ribeiro Júnior, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), disse ver com estranheza a ideia de as Forças Armadas fazerem uma apuração paralela. Ele entende que isso extrapola as atribuições listadas na Constituição:

— Apesar de em alguns momentos termos palavras ou conceitos jurídicos indeterminados como defesa do Estado, segurança da nação, o que em uma análise muito forçosa se poderia chegar a conclusão de que às Forças Armadas compete também a proteção do sistema eleitoral, entendo que não é esse o caso — disse Ribeiro Júnior, concluindo: — Sobretudo pelo realismo político que estamos vivendo, no qual claramente as Forças Armadas compõem uma gestão e são instrumento da administração e, como tal, estão sendo utilizadas para o propósito que o candidato que está no governo entende como o melhor para construção e manutenção de suas bases ideológicas.

Coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil, que fez uma apuração paralela nas eleições de 2020, Ana Claudia Santano afirma que jamais foram encontradas inconsistências nos resultados eleitorais e nos boletins de urnas.

— Em 2020, a Transparência Eleitoral Brasil conferiu dezenas de boletins de urnas pelo país e não encontramos inconsistências. Este ano, estes dados estarão disponíveis logo depois do encerramento da votação. Os boletins já foram usados anteriormente para se realizar apurações paralelas, como é o caso de cidades pequenas — afirma ela.

Nesta segunda-feira, por meio de nota, o TSE informou que as Forças Armadas não terão “acesso diferenciado em tempo real” aos dados da apuração dos votos na eleição deste ano. A nota foi divulgada após a publicação, pelo jornal “Folha de S.Paulo”, de detalhes sobre como os militares pretendem fazer uma checagem própria da apuração em tempo real usando o acesso franqueado pela Justiça Eleitoral aos boletins de urna.

“O TSE reitera informação amplamente divulgada em junho passado sobre a contagem de votos, a partir da somatória dos BUs, ser possível há várias eleições e que para o pleito deste ano, foi implementada a novidade de publicação dos boletins de urnas pela rede mundial de computadores, após o encerramento da votação para acesso amplo e irrestrito de todas as entidades fiscalizadoras e do público em geral”, diz o TSE em nota.

Procurado, o Ministério da Defesa não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

O Globo