Violência muda hábitos dos brasileiros

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Foto: Rio de Paz / Divulgação

Nos últimos quatro anos, brasileiros passaram a se preocupar menos com a própria segurança. Pesquisa feita pelo Ipec para O GLOBO revela que a porcentagem das pessoas que consideram a segurança pública um dos três problemas mais graves do Brasil despencou: passou de 38% em 2018 para apenas 17% em julho de 2022 — ou seja, caiu mais do que a metade. No ranking de prioridades, o tema saiu dos cinco mais mencionados pela população: passou de quarto para sexto, e foi ultrapassado por inflação e educação. No entanto, apesar da queda, a insegurança segue impactando o cotidiano da maioria das pessoas: 79% dos entrevistados afirmaram que deixam de fazer alguma atividade, como sair à noite, andar com dinheiro e usar o transporte público, por medo da violência.

A preocupação com a segurança no Brasil tem uma clara variação geográfica. O Nordeste, que tem a maior taxa de assassinatos entre todas as regiões do país (35,5 por 100 mil habitantes em 2021 segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública), também apresentou a maior porcentagem de menções ao tema: 22% dos entrevistados nordestinos consideram a segurança um dos problemas mais graves. Em 2018, haviam sido 40%. Já entre os moradores do Sudeste — cuja taxa de assassinatos foi de 13,4 em 2021, a menor do Brasil —, somente 13% mencionaram a violência como um dos três problemas mais urgentes, a menor porcentagem entre as regiões. O Sudeste também registrou a maior queda nas menções em relação à pesquisa de 2018 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com a mesma metodologia, quando 38% dos moradores citaram a insegurança como prioridade.

Outra mudança registrada pela pesquisa foi no perfil dos municípios mais impactados pelo tema. Em 2018, a violência foi mencionada como prioridade por 44% dos moradores de cidades na periferia das regiões metropolitanas dos estados — porcentagem mais alta do que nas capitais (41%) e no interior dos estados (35%). Na pesquisa atual, contudo, somente 14% das pessoas que vivem em periferias consideram a violência um dos três maiores problemas do país. Entrevistados das capitais foram os que mencionaram mais vezes a insegurança (22%), seguidos dos moradores de cidades do interior (15%).

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, os resultados da pesquisa dialogam com os principais indicadores criminais do Brasil nos últimos quatro anos. O Brasil registrou 47.503 mortes violentas em 2021, 16% a menos do que em 2018. A taxa de assassinatos por 100 mil habitantes passou de 27,6 para 22,3 no período.

— Em 2017, tivemos o ápice da guerra entre as duas maiores facções do tráfico do país, com consequências mais graves no Norte e no Nordeste do país. De lá para cá, os conflitos se acomodaram. Além disso, há duas décadas os homicídios estão caindo no Brasil. A queda se nacionalizou em 2018, mas vários estados já registravam diminuições desde 2006. Essa queda tem uma série de causas: a lógica empresarial do mercado do crime, a modernização das polícias, a diminuição na quantidade de jovens na população. Mas, juntos, esses fatores ajudam a explicar por que outros temas passaram a se fazer mais presentes e a segurança ficou em segundo plano — explica Lima.

Para o pesquisador, a pesquisa de 2018 foi diretamente impactada pela guerra entre as duas maiores facções do país, uma carioca e outra paulista, pelo controle da fronteira com o Paraguai, que começou em meados de 2016 e, no ano seguinte, levou a massacres em presídios das regiões Norte e Nordeste. A estabilização do conflito ao longo dos últimos quatro anos e o posterior predomínio de uma nova lógica interna dos grupos criminosos, mais voltada para um modelo empresarial de venda de drogas, levou a mudanças no perfil da violência urbana: as periferias passaram a registrar menos homicídios e o controle dos territórios pelo crime não tem mais a mesma ostensividade armada.

O medo da violência, entretanto, ainda impacta os hábitos da maioria dos brasileiros. Se quase oito em cada dez afirmaram que deixam de realizar alguma atividade devido à insegurança, a porcentagem aumenta para 85% nas capitais, para 83% somente entre os nordestinos e para 82% entre as mulheres. As atividades mais afetadas pela violência são andar a pé na rua durante a noite (mencionado por 55% dos entrevistados), andar na rua com dinheiro (50%) e até sair de casa à noite (44%). As porcentagens aumentam ainda mais quando os entrevistados têm mais de 60 anos: nessa faixa etária, 66% deixaram de caminhar de noite e 57% não andam com dinheiro fora de casa.

Leia aqui os outros temas da série Tem Solução, que investiga os principais problemas do país a partir de dois levantamentos inéditos do Ipec. A primeira pesquisa foi feita de forma presencial com 2 mil eleitores com 16 anos ou mais, entre 1 e 5 de julho em 128 cidades brasileiras. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos. A segunda, feita com 2 mil pessoas na internet com 16 anos ou mais das classes A, B e C, entre 20 e 27 de julho, com margem a mesma margem de erro em um intervalo de confiança de 95%.

O Globo