Vítimas administrativas e políticas de Bolsonaro se candidatam com esse mote
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Ex-integrantes do governo Jair Bolsonaro (PL) e servidores federais que já viveram atritos com o mandatário agora buscam a eleição para o Congresso com uma plataforma crítica ao atual presidente.
Entre aqueles que aderiram à política partidária depois de protagonizarem embates com Bolsonaro estão servidores ligados à defesa do meio ambiente e também ex-ministros, como Luiz Henrique Mandetta (União Brasil) e Abraham Weintraub (PMB).
O grupo ambiental inclui servidores demitidos ou que perderam suas funções após contrariarem o presidente, como o ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Ricardo Galvão (Rede-SP), o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva (PSB-RJ) e os fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) Roberto Cabral Borges (Rede-DF) e José Augusto Morelli (Rede-DF).
Quem viveu a gestão Bolsonaro por dentro e foi alvo de retaliação quer usar a campanha para denunciar o uso político das instituições e órgãos federais.
Nesta eleição, 344 candidatos (1,18% do total) descreveram sua ocupação como servidor público federal, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O PL lidera, com 32 servidores candidatos, seguido de PSOL (30).
Há mais servidores candidatos no bloco de dez partidos que apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que na coligação que sustenta Bolsonaro, formada por PL, Progressistas e Republicanos —109 contra 63.
Candidatos que ganharam projeção ao enfrentarem o presidente afirmam à Folha que almejam uma cadeira no Legislativo para intensificarem sua agenda de oposição ao bolsonarismo.
Estreante na política, Galvão se filiou à Rede Sustentabilidade em março e tentará uma vaga na Câmara dos Deputados por São Paulo. O cientista e professor da USP foi demitido pelo governo de Bolsonaro em agosto de 2019, acusado pelo presidente de apresentar dados mentirosos a respeito do desmatamento na Amazônia.
Após o Inpe apontar o aumento do desmate, Bolsonaro insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.
Galvão tem três pilares em sua campanha: “lutar contra o bolsonarismo e o negacionismo a ele associado”; atuar pela recuperação dos sistemas de educação e de ciência e tecnologia e “sua integração à formulação de políticas públicas”; e, por fim, trabalhar pelo meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, “em particular pelo fim do desmatamento na Amazônia”.
Ele diz que não considerava entrar na política, mas que a visibilidade gerada pelo seu conflito com Bolsonaro levou colegas da academia a sugerirem que ele se candidatasse “para defender a ciência”.
Partiu da ex-ministra Marina Silva (Rede-SP) o convite para que ele se filiasse à legenda e disputasse a eleição —ela também concorre ao cargo de deputada federal por São Paulo.
Outro que entrou em confronto com o governo Bolsonaro em temas relacionados ao meio ambiente é Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. O delegado esteve à frente da operação Handroanthus, tida como a maior apreensão de madeira ilegal da história.
Ele perdeu o cargo em abril de 2021, um dia depois de enviar ao STF (Supremo Tribunal Federal) uma notícia-crime contra Ricardo Salles (PL-SP), indicando que o então ministro do Meio Ambiente agiu para atrapalhar a fiscalização. Tanto Saraiva quanto Salles estão concorrendo à Câmara dos Deputados.
Saraiva diz que tampouco tinha pretensões de se candidatar, mas que isso mudou quando teve que defender seu trabalho na corporação. Ele afirma ainda que Bolsonaro “criou um precedente perigosíssimo” e que o chefe do Executivo “aparelhou a Polícia Federal”.
“O que precisamos é criar um arcabouço legal que garanta a essas instituições independência para funcionar. Achávamos que tínhamos independência, e esse governo mostrou que era uma ilusão.”
Saraiva diz que irá pregar, na campanha e em eventual mandato, a segurança pública, o combate à corrupção e a defesa do meio ambiente e da ciência.
“O bolsonarismo é uma coisa tão absurda que temos que ter um pensamento pró-civilização. Não se pode usar esse governo como parâmetro para nada. Ele é obscurantismo, negacionismo. É tudo de ruim. A gente não precisa ser anti-Bolsonaro, mas só a favor da civilização, da vida”, completa.
Saraiva afirma que abriu mão do fundo eleitoral e que não está aceitando doações —ele diz que usará recursos próprios para financiar a campanha.
Para Morelli, o destaque que obteve ao se tornar desafeto de Bolsonaro também é “o motor principal do projeto de candidatura”. Servidor do Ibama, ele multou Bolsonaro por pesca irregular, em 2012, em Angra dos Reis (RJ).
Em março de 2019, três meses depois que Bolsonaro assumiu a Presidência, Morelli foi retirado de uma posição de chefia e colocado em funções menos relevantes.
“Meus amigos falavam que essa projeção e o simbolismo do meu caso poderiam ser uma alavanca para uma iniciativa política. Abracei essa ideia”, afirma. Morelli pondera que, por outro lado, a fama o torna alvo de ataques de bolsonaristas.
A candidatura a deputado distrital do DF pela Rede foi gestada no curso de formação política RenovaBR e também foi incentivada por Marina Silva.
Com a proposta de “transformar o DF em um laboratório de iniciativas ambientais”, Morelli diz querer “contribuir diante dessa situação de retrocessos e de assédio institucional, em que instituições foram sequestradas”.
Novatos na política, os servidores pontuam diferenças entre sua situação e a de outros membros do governo que também protagonizaram atritos com Bolsonaro, como o ex-ministro Mandetta, que já tinha uma carreira na Câmara dos Deputados.
Candidato ao Senado por Mato Grosso do Sul, Mandetta foi demitido do Ministério da Saúde em abril de 2020 por se opor à atitude negacionista de Bolsonaro.
O episódio é explorado pelo ex-ministro em sua propaganda, que lembra a pandemia e prega respeito aos mortos e à vacina. O colete do SUS, símbolo de Mandetta, foi apropriado pela campanha.
Mesmo no campo da direita, ex-aliados de Bolsonaro que fizeram parte de sua gestão se lançaram na eleição após rompimento. É o caso de Weintraub, candidato à Câmara por São Paulo, que, apesar de atuar no campo conservador, critica o presidente por ter, segundo ele, se corrompido.
O ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) deixou o governo em abril de 2020, acusando Bolsonaro de tentar intervir na PF. Ele tentou ser candidato a presidente, mas acabou concorrendo ao Senado no Paraná.
Moro, no entanto, não embarcou no tom oposicionista adotado na campanha dos demais antagonistas de Bolsonaro. Em busca do eleitorado de direita, ele tem evitado fazer críticas ao presidente e reforçado os ataques a Lula, ao PT e à corrupção.
Na sexta (16), ele chegou a publicar em suas redes sociais uma propaganda contra Lula exibida na televisão pela campanha do presidente.