Ataques bolsonaristas ao Nordeste vitaminam Lula

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Foto: Nelson Almeida e Evaristo Sá/AFP

Candidatos ao Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) travaram um duro embate, com acusações mútuas, numa disputa pelo eleitorado dos estados do Nordeste. Com estratégias distintas para alcançar o mesmo objetivo, as duas campanhas preparam investidas nos próximos dias para ganhar terreno na região, dominada pela esquerda nas últimas décadas. Enquanto os petistas vão aproveitar o Dia do Nordestino, comemorado amanhã, para tentar colar em Bolsonaro o selo de preconceituoso, o postulante à reeleição convocou aliados a manterem seus comitês abertos e a militância mobilizada para compensar a ausência de palanques naquelas unidades da federação.

O assunto tomou conta do debate depois que o presidente da República relacionou o bom desempenho de Lula na eleição ao analfabetismo do Nordeste, aproximadamente quatro vezes maior do que as taxas do Sul e Sudeste do país. Durante transmissão ao vivo nas redes sociais, anteontem à noite, Bolsonaro afirmou que “outros dados econômicos também são inferiores” porque tais estados “há 20 anos estão sendo governados pelo PT”. O petista rebateu no dia seguinte e subiu o tom ao dizer que os brasileiros com uma “gota de sangue nordestino” não podem votar no atual presidente.

— Lula venceu em nove dos dez estados com maior taxa de analfabetismo. Vocês sabem quais são os estados? No nosso Nordeste. Esses estados estão sendo há 20 anos administrados pelo PT. Onde a esquerda entra leva o analfabetismo, leva a falta de cultura, leva o desemprego, leva a falta de esperança — acusou Bolsonaro.

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O ex-presidente terminou o primeiro turno com cerca de 13 milhões de votos a mais do que Bolsonaro no Nordeste — 67% a 26,8%. A campanha de Bolsonaro acredita que, apesar da diferença, há espaço para crescer na região. Lula, porém, trabalha para ampliar a rejeição ao adversário naqueles estados, intensificando ataques, como fez ontem. Ele se referiu ao candidato do PL como “monstro negacionista”.

— Eu queria pedir a vocês que fizessem um telefonema para os parentes de vocês no Nordeste. Quem tiver uma gota de sangue nordestino não pode votar nesse negacionista monstro que governa esse país — discursou Lula em seu primeiro ato de rua do segundo turno, em seu berço político, São Bernardo do Campo (SP).

Na tentativa de virar o jogo onde perdeu de lavada, Bolsonaro escalou aliados que obtiveram votações representativas para tocar ações em seus estados. O ex-ministros Rogério Marinho (PL), eleito senador, ficou responsável pelo Rio Grande do Norte; João Roma (PL), terceiro colocado na disputa ao governo, pela Bahia; e Gilson Machado, candidato a deputado derrotado, por Pernambuco.

A estratégia bolsonarista no Nordeste passa pela captação do eleitorado feminino e evangélico local. Se entre as mulheres Bolsonaro enfrenta forte rejeição, junto aos religiosos, ele lidera. Nesta quinta-feira, João Roma ciceroneou a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos), assim como a deputada federal reeleita Bia Kicis (PL), ambas do Distrito Federal, numa reunião com mulheres conservadoras em Vitória da Conquista (BA). A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também deverá se empenhar na empreitada.

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— Vamos atrás das pessoas que estão desinformadas. Vou coordenar essa ação no Nordeste junto com Damares e a primeira-dama. Vamos atrás de deputados, prefeitos, lideranças. Vamos falar com todo mundo — afirmou Bia Kicis.

Bolsonaro pediu até a aliados que não disputarão o segundo turno para manter seus comitês abertos com o objetivo de facilitar a distribuição do material gráfico do presidente. As ações vão mirar prioritariamente as capitais em que ele venceu em 2018, na disputa contra Fernando Haddad (PT) — Recife, João Pessoa, Fortaleza e Natal. Há a previsão de que haja uma rodada de atos nessas cidades neste fim de semana, possivelmente com a presença do próprio candidato à reeleição ou de Michelle.

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Dois dados animam a campanha. Nos cálculos dos bolsonaristas, cerca de 30% dos evangélicos ainda não decidiram em quem votar. O trabalho no Nordeste pode conquistar parte desses brasileiros, na avaliação dos aliados do presidente. Eles também apostam que aumentará a abstenção, tradicionalmente maior no segundo turno, o que tende a prejudicar o candidato que está na frente, no caso, Lula (leia matéria na página 9). Por outro lado, Bolsonaro chega ao confronto direto contra o petista sem palanques em grande parte das capitais, como Recife, Salvador e João Pessoa, cidades em que nenhum aliado de primeira hora do Palácio do Planalto chegou ao segundo turno da eleição ao governo estadual.

Lula venceu em todo o Nordeste e, dos quatro governadores já eleitos, no Piauí, Ceará, Maranhão e Rio Grande do Norte, três são petistas e um é filiado ao PSB. A ausência de palanques bolsonaristas é vista como um trunfo determinante pela campanha do ex-presidente. Além da dificuldade de organizar atos na região, o atual titular do Planalto não vai dispor de horário da propaganda de TV local para atacar o adversário, o que poderia surtir efeito entre os eleitores indecisos.

A estratégia petista tem como um dos focos explorar à exaustão declarações de Bolsonaro que soam preconceituosas contra nordestinos, em contraposição a discursos em que Lula elogia e sai em defesa do povo da região. Ele nasceu na cidade Garanhuns, no agreste pernambucano.

O PT prepara uma ação pulverizada para amanhã, quando é comemorado o Dia do Nordestino. O partido vai divulgar peças nas redes sociais para ressaltar o orgulho de ser nordestino, além de reforçar a importância da região e, paralelamente, bater na tecla de que Bolsonaro sempre se comportou como um político que despreza o Nordeste e descrimina reiteradamente os moradores da região. Em diferentes ocasiões, ele já se referiu a nordestinos como “pau de arara” e “cabeça chata”, episódios que geraram desgastes à imagem do presidente. As publicações do PT serão impulsionadas nas unidades da federação do Nordeste, mas também em estados do Sudeste, sobretudo São Paulo, onde moram milhões de nordestinos e filhos de brasileiros naturais da região.

O PT trabalha para a mobilização ganhar as ruas das principais capitais, com apoio de parlamentares do partido. Nos cálculos da campanha petista, se conseguir ampliar a própria vantagem na região, Lula poderá compensar o baixo desempenho que teve nos estados do Centro-Oeste, que têm menor densidade eleitoral.

Aliados de Lula vão apelar à memória afetiva do eleitor relacionada aos dois mandatos do petista. Em outra frente, a intenção é focar em parcela evangélica do eleitorado e desmontar narrativas falsas, como a de que o petista estaria disposto a fechar igrejas ao redor do país.

— O voto de Lula no Nordeste é um voto de gratidão, de quem sabe que não passou fome — pregou o deputado Carlos Veras (PT-PE).

O Globo