Bolsonaro conta com abstenção para derrotar Lula
Foto: Werther Santana/Estadão
Nas apostas da campanha de Jair Bolsonaro (PL) para uma vitória nas urnas no segundo turno da eleição presidencial tem destaque um possível aumento do índice de abstenção em Estados onde a eleição já foi decidida, principalmente no Nordeste – base eleitoral mais fiel do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Numa votação que se projeta acirrada, o número de eleitores que não comparecem às urnas se tornou preocupação latente da campanha petista.
Com a surpresa de ter de enfrentar um segundo turno mais renhido do que o esperado, o combate à abstenção esteve presente nas manifestações de quase todos os governadores presentes na quarta-feira na reunião em que declararam apoio a Lula, em São Paulo.
No caso de Bolsonaro, um dos principais esforços da campanha está concentrado em aumentar a presença de votantes nos 12 Estados em que o presidente venceu e, ao mesmo tempo, confiar na desmobilização da máquina de candidatos às Assembleias Legislativas, Congresso e governos estaduais nas “áreas vermelhas”, com eleitores mais pobres, o que ajudaria a desestimular o comparecimento.
Um estudo estatístico desenvolvido por Örjan Olsén, diretor da Analítica Consultoria, verificou qual seria o possível impacto da abstenção no total de votos dos dois candidatos no segundo turno. No modelo mais favorável a Bolsonaro, o peso do não comparecimento, isoladamente, poderia significar uma diferença de 0,5% dos votos válidos em favor do presidente – o que só definiria uma eleição em um cenário de acirramento da disputa, com a vitória sendo definida por uma margem pequena de votos, menor ainda do que aquela registrada entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), em 2014. Naquele ano, a petista obteve 51,64% dos votos e o tucano, 48,36%. Em um caso assim, a abstenção pode ser decisiva.
Um dos coordenadores da campanha de reeleição de Bolsonaro, Fábio Faria, ministro das Comunicações, disse ao Estadão que a campanha tem a expectativa de uma abstenção maior no segundo turno justamente nos Estados do Nordeste. “O voto útil foi 100% para o Lula. Na nossa conta o Lula vai ter, só de abstenção, menos 3,6% – diferença da abstenção do Bolsonaro para Lula”, afirmou.
O não comparecimento dos eleitores nas unidades da Federação em que a disputa para governador já se definiu no primeiro turno impõe também um desafio aos bolsonaristas. O Rio, onde o governador Claudio Castro (PL) se elegeu no primeiro turno, por exemplo, deu a vitória a Bolsonaro.
O estudo feito por Olsén mostra que um crescimento hipotético de 5% na abstenção nos 14 Estados onde Lula venceu – ao mesmo tempo que houvesse uma redução na mesma proporção nas unidades onde Bolsonaro foi vitorioso – daria ao presidente 856 mil votos válidos a mais e retiraria 219 mil do petista.
“É que a queda da abstenção nos Estados onde Bolsonaro venceu também traria votos novos a Lula, pois em nenhuma das outras regiões a vantagem do presidente foi tão grande quanto a registrada em favor de Lula na Região Nordeste”, afirmou Olsén, que é doutor em Comunicação Pública pela Syracuse University, em Nova York.
A queda da abstenção nos Estados onde Bolsonaro venceu também traria votos novos a Lula, pois em nenhuma das outras regiões a vantagem do presidente foi tão grande quanto a registrada em favor de Lula no Nordeste
Örjan Olsén, diretor da Analítica Consultoria
Seu modelo estatístico mostra que se pode ganhar até 0,5% de votos válidos por meio da aposta no crescimento da abstenção. Esta dificilmente ultrapassa um aumento de 3% de um turno para outro. Ou seja, se Bolsonaro pretende vencer a eleição, terá de lutar pela virada de votos dos eleitores que pretendem votar em Lula.
Um dos principais apoiadores do presidente, o governador reeleito de Minas, Romeu Zema (Novo), aposta na virada de votos, no convencimento de quem optou por Lula no primeiro turno. O político anunciou seu apoio a Bolsonaro na semana passada, dois dias após a votação em primeira etapa, e foi o anfitrião de um evento de campanha com o presidente da República na sede da Federação das Indústrias de Minas (Fiemg).
Ao Estadão, Zema disse que pretende mobilizar a Associação Mineira dos Municípios (AMM) para garantir a capilaridade da campanha no segundo turno da disputa presidencial. A entidade representativa dos chefes dos Executivos municipais mineiros congrega 820 das 853 prefeituras do Estado, o segundo maior colégio eleitoral do País. “Os prefeitos de Minas comeram o pão e a rosca que o diabo amassou com a gestão do PT (no Estado)”, disse o governador reeleito.
Zema passou também a usar suas redes sociais para convencer conterrâneos que deram a vitória a Lula no Estado no primeiro turno por uma diferença de 560 mil votos.
O problema das pesquisas e das campanhas é que nem sempre é possível detectar quem vai se abster. No primeiro turno, o eleitor de Lula se absteve mais do que o de Bolsonaro, conforme pesquisa Genial/Quaest: 45% dos que deixaram de votar pretendiam eleger o petista, enquanto só 25% queriam reeleger o presidente.
Esse dado mostra por que o combate à abstenção virou uma obsessão para o comando da campanha petista já no primeiro turno, quando a equipe de Bolsonaro chegou a questionar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o passe livre garantido no transporte público por prefeitos de diversos Estados.
Na opinião do cientista político Antonio Lavareda, a abstenção compulsória, aquela que leva o eleitor mais pobre a deixar de votar por falta de dinheiro ou por necessidade de trabalhar no dia da eleição, prejudica mais o candidato petista. Do ponto de vista da campanha de Lula, esse deveria ser o principal foco no segundo turno: levar o eleitor que faltou ao primeiro turno a votar agora.
“Acredito que é possível ampliar a votação em todas as regiões do Brasil, diminuindo até os votos brancos e nulos”, afirmou o senador eleito pelo Piauí, Wellington Dias (PT), um dos coordenadores da campanha do ex-presidente. “Sou do Nordeste, e vamos trabalhar lá para o crescimento.”
O governador eleito do Amapá, Clésio Luis, do Solidariedade, foi ainda mais direto. “Nos Estados em que a eleição já terminou (caso do Amapá) temos uma tarefa que é não deixar que a abstenção seja alta. Na medida em que os cargos locais já foram preenchidos temos uma tarefa de fazer o povo entender que nós somos todos Brasil”, afirmou.
Apostar na manutenção do transporte público e, principalmente, no passe livre, se transformou em um mantra entre os petistas, como o senador Jaques Wagner (PT-BA). Mas não só.
“Onde estão os votos que a gente pode conquistar? Eles estão na abstenção, nos do Ciro (Gomes) e nos da Simone (Tebet). Nós vamos correr atrás. Vamos fazer um apelo aos filiados de cada partido para correr atrás dos votos. Temos condição de aumentar muito os votos. Nós temos um problema de transporte, que vai ser um grande desafio, principalmente no Nordeste, que tem uma grande zona rural”, declarou a governadora do Piauí, Regina Sousa (PT).
Apesar da ação da campanha de Bolsonaro, o passe livre para eleitores no dia do voto tem defensores até entre seus apoiadores. É o caso de Zema. “Sou totalmente favorável. Qualquer obstáculo ao eleitor não é bem-vindo e, para as pessoas mais humildes, o preço do transporte público pode ser um obstáculo.”
Manifestações como essas, feitas pelas duas campanhas, mostram por que a logística pode ter um peso tão grande em uma eleição cada vez mais acirrada e polarizada, como a de 2022.