Bolsonaro reduz verba para tratar Aids

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: EVARISTO SA / AFP

O corte de verbas do Ministério da Saúde, promovido pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para reservar dinheiro ao orçamento secreto, em 2023, atingiu 12 programas da pasta, entre eles o que distribui medicamentos para tratamento de aids, infecções sexualmente transmissíveis e hepatites virais. Somente nesta frente o ministério perdeu R$ 407 milhões, quando comparados os orçamentos propostos para 2022 e o ano que vem. Se somadas, as perdas de recursos nos 12 programas chegam a R$ 3,3 bilhões (veja lista abaixo).

O tamanho da tesourada varia, como indica o Boletim de Monitoramento do Orçamento da Saúde. O documento é preparado pela equipe do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da associação filantrópica Umane. No custeio de bolsas para residentes em medicina “Pró-Residência Médica e em Área Multiprofissional”, por exemplo, o impacto foi de R$ 922 milhões.

A prática do orçamento secreto foi revelada pelo Estadão em uma série de reportagens. Com verbas distribuídas a redutos eleitorais de parlamentares, Bolsonaro espera agora o apoio de deputados e senadores na disputa do segundo turno contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O “Atendimento à População para Prevenção, Controle e Tratamento de HIV/AIDS, outras Infecções Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais Total” faz parte da assistência farmacêutica no SUS. O dinheiro banca a compra, a produção e distribuição de medicamentos voltados para o tratamento de pessoas com HIV, como antirretrovirais, e demais doenças.

Desde os anos 1980, o País nunca conseguiu acabar com a epidemia causada pelo HIV. Houve registro de 1.045.355 casos de aids, sendo 13.501 no ano passado. Em 2020, 10.417 pessoas morreram da doença e o número total de vítimas chegou a 291.695. Os dados são do Boletim Epidemiológico Especial HIV/Aids de 2021, do governo federal.

Segundo o documento, especialistas do ministério afirmam que há uma diminuição de casos nos últimos anos. Suspeitam, porém, que exista subnotificação, ligada ao direcionamento de profissionais da saúde para atuar no combate à pandemia de covid-19.

O “Pró-Residência” é um programa de financiamento de bolsas de residência médica, etapa em que profissionais recém-formados passam por especialização. Os recursos auxiliam a interiorizar a formação de especialistas e a atuação destes profissionais em áreas remotas ou com baixo provimento de médicos. A verba permite o custeio e a abertura de novas vagas, em parceria com secretarias de Saúde municipais, estaduais e entidades filantrópicas. A redução orçamentária, portanto, implica na diminuição de bolsas e da formação de médicos e profissionais de saúde especialistas.

O estudo incluiu alguns cortes já revelados pelo Estadão, como as verbas do Médicos Pelo Brasil, sucessor do Mais Médicos; da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Atenção à Saúde de Populações Ribeirinhas e de Áreas Remotas na Amazônia, uma parceria com o Exército e a Marinha. A reportagem também identificou cortes no Farmácia Popular e nas verbas para equipar e reformar hospitais especializados no tratamento de câncer, entre outros.

Para Victor Nobre, responsável pelo levantamento no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, a tesourada nas verbas destinadas a indígenas e ribeirinhos na região amazônica “pode deteriorar ainda mais a situação dessas populações, que já se encontram fragilizadas”.

O pesquisador também criticou a retirada de dinheiro público para pesquisa e desenvolvimento de tecnologia. “Tendo em vista o aumento da incidência de doenças crônicas não-transmissíveis e o envelhecimento da população brasileira, desenvolvimento tecnológico e inovação em saúde são condicionantes imprescindíveis para gerarmos eficiência e equidade no SUS”, argumentou Nobre. “O corte, somado a uma conjuntura em que cada vez menos recursos são investidos em pesquisa e desenvolvimento, torna o cenário cada vez mais desafiador e de maiores dificuldades na resolutividade dos indicadores epidemiológicos do País, especialmente em um contexto pós-pandemia.”

O boletim afirma que, se os cortes não forem revertidos, “poderão gerar agravos a ações fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS)”. De acordo com as entidades, houve cortes em outras áreas do ministério, mas o foco da pesquisa foi naqueles que apresentaram as maiores reduções, com impacto nas políticas públicas de saúde.

Questionado pelo Estadão sobre as rubricas prejudicadas, o Ministério da Saúde informou que está “atento às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias na proposta orçamentária para 2023?. A votação da Lei Orçamentária Anual de 2023 deve ocorrer até dezembro, quando o próximo presidente da República já estará eleito.

Veja a lista de perdas motivada pelo corte:

Implementação de Políticas de Promoção à Saúde e Atenção a Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) – R$ 3,8 milhões

Programa Médicos pelo Brasil – R$ 366 milhões

Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação em Saúde – R$ 297 milhões

Alimentação e Nutrição para a Saúde – R$ 43 milhões

Educação e Formação em Saúde – R$ 76 milhões

Pró-Residência Médica e em Área Multiprofissional – R$ 922 milhões

Sistemas de Tecnologia de Informação e Comunicação para a Saúde (e-Saúde) – R$ 206 milhões

Implantação e Funcionamento da Saúde Digital e Telessaúde no SUS – R$ 26 milhões

Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena e Estruturação de Unidades de Saúde e Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) para Atendimento à População Indígena – R$ 910 milhões

Atenção à Saúde de Populações Ribeirinhas e de Áreas Remotas da Região Amazônica – R$ 10 milhões

Atendimento à População para Prevenção, Controle e Tratamento de HIV/AIDS, outras Infecções Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais Total – R$ 407 milhões

Implementação de Políticas para a Rede Cegonha e Implementação de Políticas para Rede de Atenção Materno Infantil – R$ 28 milhões

Fonte: Boletim de Monitoramento do Orçamento da Saúde, produzido pela equipe do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da associação filantrópica Umane

Correio Braziliense