Cientista político quer que TSE divulgue votos totais
Foto: Cristiano Mariz
O dia a dia dos placares eleitorais das pesquisas sempre é divulgado em votos totais, ou seja, o percentual de cada candidato é calculado dentro do universo completo de eleitores que podem também anular seus votos, faltar no dia ou ainda demonstrar indecisão. Na última pesquisa, no entanto, o número divulgado historicamente costuma mudar: para acertar os ponteiros com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que anuncia as proporções de cada concorrente excluindo brancos, nulos e abstenções, as empresas de pesquisa publicam seus dados em votos válidos. Neste ano, no entanto, a discrepância entre os institutos e a apuração da Justiça Eleitoral, especialmente em relação aos votos obtidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), levantou um debate recorrente entre pesquisadores e empresas do setor: afinal, qual dos dois “votos” deve ter mais peso na hora H?
Ninguém sério da área discorda da existência desse problema de comunicação. Em entrevista ao Pulso na semana passada, o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda defendeu que as pesquisas fossem lidas por meio dos votos totais, e não dos válidos, para uma comparação com resultados recalculados do TSE também em totais. À frente do Ipespe, Lavareda argumenta que o TSE calcula os votos válidos a partir do número de eleitores que foram votar, enquanto os institutos consideram o universo total de eleitores, que são mais de 156 milhões. Portanto, não seria correto compará-los. Segundo o seu argumento, divulgar votos válidos induz o leitor ao erro.
Lavareda também alerta para o fato de os votos válidos às vezes distorcerem a percepção dos resultados. Ele cita que pesquisas hipotéticas apontando 20% de intenção de voto para o candidato e 40% para o mesmo candidato podem apresentar o “mesmo percentual” em “votos válidos”. Veja o quadro abaixo:
Lavareda, que primeiro chamou atenção para o fato no dia seguinte ao primeiro turno, acrescenta que independente da questão das pesquisas, a sociedade não pode naturalizar o fato de termos dezenas de milhões de cidadãos majoritariamente pobres afastados da participação eleitoral, e que isso fragiliza nossa democracia.
Márcia Cavallari, CEO do Ipec, explica ao Pulso que a grande questão para calcular os votos válidos é que os indecisos e os que declaram intenção de votar em branco são excluídos da equação. E isso pode terminar significando um erro.
— Quando calculamos os votos válidos, excluímos a proporção das pessoas que estão ainda indecisas e as que declaram intenção de votar branco. Quando fazemos isso, a premissa que está por trás é a de que os indecisos vão se comportar como os já decididos. Nem sempre isso é verdade. É comum vermos os segundos e às vezes os terceiros colocados terem mais votos do que as pesquisas apontavam — afirma a CEO do instituto que sucedeu o Ibope.
Há, ainda, um outro grande problema que vem sendo levantado por especialistas desde o início da eleição: a dificuldade de as pesquisas estimarem com eficiência as abstenções. Raphael Nishimura, diretor de amostragem na Universidade de Michigan e integrante da Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (AAPOR), bateu nessa tecla ainda em junho, durante entrevista ao Pulso na qual defendeu que os institutos brasileiros adotassem um modelo para identificar quem de fato vai votar.
— Nos EUA, as pesquisas pré-eleitorais utilizam uma abordagem denominada de “likely voter model”, (modelos de eleitores prováveis em uma tradução livre), que utiliza-se de métodos mais robustos, normalmente envolvendo modelos estatísticos, para identificar quais eleitores irão ou não comparecer às urnas — afirma Nishimura.
Pesquisas como a do Datafolha já tentaram investigar o tamanho da abstenção nestas eleições, mas sempre acabam chegando a números inferiores ao que realmente vai acontecer, sem possibilidade de estimar quantos realmente vão faltar. Assim, os levantamentos acabam invariavelmente incluindo as opiniões de respondentes que possivelmente não vão votar. As estratégias para ponderar as amostras antevendo possíveis abstenções ainda é pouco exitosa por um fenômeno amplamente estudado na literatura internacional de opinião pública conhecido como “viés de desejabilidade social” — quando o entrevistado oculta a verdade de suas opiniões ou atitudes por receio de reprovação social. Como o voto é obrigatório no Brasil, há menos chances de pessoas assumirem, sem vergonha, que decidiram não comparecer às suas respectivas zonas eleitorais.
Se a abstenção não é calculada, então como pode aparecer nos votos válidos divulgados? Na prática, acaba “saindo” dos votos dos próprios candidatos. Nas eleições deste ano, mais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo perfil de eleitor coincide com aqueles que mais faltam: pessoas com baixa escolaridade. Portanto, uma das grandes perguntas do segundo turno é se a proporção de abstenções continuará ao redor de 20,95%, como visto no segundo turno, ou se um contingente significativo de novos eleitores vai se somar aos 32,7 milhões que já faltaram no último dia 2. Em artigo ao Pulso, Maurício Moura, do Ideia, discute essas possibilidades.
Por mais que cada empresa elabore um modelo para “controlar” ao máximo o universo de eleitores votantes em suas amostras, essas questões ainda não são satisfatoriamente respondidas pelas pesquisas eleitorais do Brasil. Por isso, é preciso ler o conjunto de dados dos resultados de cada levantamento, que incluem votos totais, válidos e também os números da pesquisa espontânea, que investiga as opiniões mais consolidadas ao perguntar em quem cada eleitor irá votar sem mostrar uma lista de nomes.
E, por mais que o TSE só divulgue seus resultados em votos válidos, também é importante o exercício de recalcular os resultados oficiais para transformá-los em votos totais, ou seja, a proporção de cada candidato aparece em relação ao total de eleitores, incluindo os que efetivamente faltaram ou anularam. Assim, é possível verificar eventuais coincidências e também discrepâncias com os resultados, em votos totais, das pesquisas da véspera.