Cinegrafista denuncia Tarcísio por forjar atentado

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Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Com 30 anos de profissão, o repórter-cinematográfico Marcos Andrade, 49, se viu envolto em uma crise após um integrante da campanha de Tarcísio de Freitas (Republicanos) mandar que ele apagasse imagens de um tiroteio em Paraisópolis.

O caso aconteceu no dia 17, momentos depois de os tiros interromperem uma agenda do candidato ao Governo de São Paulo.

Profissional a serviço da Jovem Pan, com experiência em coberturas difíceis e em áreas de conflito, Andrade foi o único a flagrar os momentos mais tensos do episódio, o que inclui pessoas à paisana atirando após rajadas supostamente disparadas por criminosos.

Ao chegar na base de campanha do candidato, relata ter sido abordado com a ordem para apagar imagens que flagrariam membros da equipe. Desconfiado, gravou a conversa.

O assunto ganhou repercussão e virou munição para o adversário de Tarcísio, Fernando Haddad (PT). A polícia pedirá as imagens para investigação, e o grupo Prerrogativas, formado por juristas e advogados que apoiam a campanha do PT nestas eleições, apresentou nesta quarta (26) uma notícia-crime ao Ministério Público de São Paulo pedindo apuração.

Após o caso ser revelado pela Folha, Andrade diz que seu desligamento foi pedido pela equipe de Tarcísio e que a emissora teria sugerido que ele gravasse um vídeo para o candidato.

Na terça, Tarcísio disse que o “momento de tensão” pode ter levado um integrante da equipe a pedir ao cinegrafista para apagar as imagens para “preservar a identidade de pessoas que fazem parte da nossa segurança” e que “a imprensa passa a ser sensacionalista com isso”.

A campanha de Tarcísio negou qualquer pressão para que o cinegrafista fosse demitido. “No dia do ocorrido, inclusive, ele fez um vídeo emocionado dentro da van, agradecendo o Tarcísio por tê-lo tirado do local do tiroteio. No dia seguinte, na chegada a uma sabatina da Jovem Pan, o próprio cinegrafista fez questão de receber e agradecer Tarcísio mais uma vez, além de tirar fotos e dizer que toda a família estava muita agradecida pelo que havia sido feito por ele”, diz a equipe do candidato em nota.

A Jovem Pan, por meio de nota, afirmou que exibiu todas as imagens feitas durante o tiroteio. “O trabalho do cinegrafista permitiu que a emissora fosse a primeira a noticiar o ocorrido no local. Não houve contato da campanha do candidato Tarcísio com a direção da emissora com o intuito de restringir a exibição das imagens e, por consequência, o trabalho jornalístico.”

O profissional, agora, diz que pretende se desligar da empresa e que teme as consequências do episódio para sua família. Leia trechos de entrevista à Folha:


“Eu começo a escutar uns disparos de arma de fogo, a impressão que eu tinha era umas rajadas de metralhadora. Eu fui para a janela, e olhando para o lado direito eu vi umas motos passando.

Coisa de dez minutos depois as motos deram a volta pelo quarteirão, foram para a rua de cima, e começa o novo tiroteio. Aí eu pego a câmera e vou para janela. Inclusive, todo mundo falava ‘se abaixa’, e houve um pânico generalizado. E eu fui para a janela.

Só que aí eu vejo umas pessoas à paisana na parte de baixo, na porta da escola, disparando arma de fogo no sentido da rua de cima.

Eu vejo o Tarcísio com o pessoal saindo do prédio e indo para o estacionamento. Eu fiz essas imagens, tanto essas como das pessoas embaixo atirando.

Desci. Chego na calçada e vejo lá na esquina, na parte de cima no meio da rua, uma pessoa caída e uma moto no chão.

Eu me abrigo até uma coluna. Quando eu chego para gravar esse corpo e a moto que está no chão, chega uma pessoa falando para eu não gravar.

Na hora que eu vou para a parte de cima, onde o corpo e a moto está caída, eu vejo o rapaz que eu tinha conversado a respeito de pedir reforço. Eu vejo ele armado e com distintivo da Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. E outro rapaz que tenta me impedir também está com distintivo, mas eu não consigo ver bem o que era o distintivo dele.

Vi a minha colega [de trabalho] saindo da escola com uma assessora do Tarcísio e indo para van, e elas me chamam: ‘vamos para van’.

Estou pensado que estão tirando a gente do perigo ali, e no primeiro momento fôssemos desembarcar, mas em nenhum momento parou a van, e fomos embora.

Chegando lá [na base da campanha], nós fomos colocados para dentro, para não ter muito a movimentação, porque acho que nem vizinho sabia que aquilo ali era um escritório da base da campanha.

Chega alguém e fala assim: ‘vamos lá em cima [que querem falar com você]’.

Eu achei esquisito. Ficou uma dúvida, e na dúvida grava. Eu não estou com a câmera na mão. Peguei meu celular e fui gravando áudio com celular na mão.

O cara se apresenta [o homem foi identificado pelo site Intercept Brasil como Fabrício Cardoso de Paiva, um agente licenciado da Abin que foi reconhecido também por Andrade por meio de fotografias]. Aí tem a gravação [em que a voz pergunta sobre o tiroteio e sobre o que havia sido filmado, e manda Andrade apagar as imagens].

Eu achei muito estranho, eu não faria em momento algum por questão da profissão mesmo. Eu não apaguei isso [as imagens já haviam sido enviadas à emissora].

Pode ser que [Tarcísio] estivesse no ambiente, mas não na conversa. A conversa foi de pé de orelha.

Minha opinião [sobre o motivo da ordem] é que alguém que estava lá que não devia estar. É isso.

Tem muita polícia. Só que você não consegue distinguir quem é quem. Quando você olha para o lado e fala assim: tem um federal aqui, um cara da Abin, um militar. Isso é normal?

Eu já fiz várias campanhas. [Candidato ao governo do] estado, praxe, [é ter] policial militar. Você está acompanhando um candidato à Presidência da República, você vê policiais federais. Agora, um candidato ao governo com esse estafe eu nunca vi. Foge da normalidade.

Essas imagens ficaram na câmera, no cartão da câmera. Esse é o procedimento nosso.

Não tenho esse controle [se tudo foi ao ar], né? Porque nós somos captação. Decisão do que vai ao ar, o que vai ficar armazenado, já não compete a nós.

Ontem [terça, quando o áudio foi divulgado pela Folha] foi um dia muito difícil, né? Porque houve comunicação da equipe [do Tarcísio] com a empresa [Jovem Pan] cobrando uma postura da empresa de desligamento.

Até ontem, a hora que eu saí de lá, eles bateram o pé e desligamento zero. Não falaram o que iam fazer, entendeu? Mas me pediram para eu gravar um vídeo para o Tarcísio. Não sei se para usar para campanha, mas é de um jeito para eles ficarem bem com esse pessoal.

Aquela conversa de que seria legal. Em nenhum momento eles me coagiram a gravar nada, a sugestão era essa.

Não me deram o conteúdo [do vídeo pedido].

Eu também estou assustado, porque você não sabe com quem está lidando. Medo não por mim, mas pela minha família, entendeu? Eu estou com minha esposa para ganhar nenê neste próximo mês. A minha preocupação é só essa, da minha família, entendeu, da integridade física de todos.

Eu espero que acabe tudo bem, é a minha esperança, para a minha pessoa, para a minha família. Claro que eu tenho medos.

Eu penso que isso [dar entrevista com detalhes do caso] também eu estou fazendo para me resguardar. Isso vai ter desdobramento e vão atrás de mim. Seja MPF (Ministério Público Federal), seja polícia, os caras vão vir atrás de mim. Então, o que eu estou fazendo é simplesmente para me resguardar.

Eu, como jornalista, não vejo erro. Porque em nenhum momento estou mentindo, estou acrescentando vírgula, estou acrescentando ponto. A meu ver, eu não fiz nada de errado. Se alguém fez alguma coisa de errado, não fui eu.

Folha