Condomínios têm guerra de imagens de Lula e Bolsonaro

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Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

A rivalidade entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) chegou às janelas e fachadas. O embate de bandeiras e toalhas tem movimentado condomínios, criado inimizades entre vizinhos e já virou, inclusive, caso de polícia.

Em Pernambuco, a Polícia Civil investiga o caso de um morador de Recife que teve sua janela alvejada por dois tiros após pendurar uma bandeira do PT em sua janela. Os disparos foram efetuados durante a madruga e outras três balas atingiram apartamentos próximos. O caso está sendo investigado pela delegacia do bairro Casa Amarela.

Já em São José dos Campos, no interior de São Paulo, uma moradora que preferiu não se identificar, por medo de retaliações, vem acompanhando o embate de bandeiras entre dois vizinhos. A “desavença” começou quando o primeiro pendurou uma toalha de Lula na varanda. A resposta foi uma faixa com a palavra “ladrão” e uma seta apontando para a imagem do candidato petista no apartamento de cima. O contragolpe veio com o vizinho trocando a bandeira de Lula por uma com o rosto de Bolsonaro e o adversário tirando a seta de seu cartaz. No final, a bandeira do petista voltou para a varanda, acompanhada uma faixa com os dizeres “viva o gado”, se referindo aos eleitores do atual presidente.

Em Laranjeiras, na Zona Sul do Rio de Janeiro, reduto de eleitores de esquerda, o rosto do Lula é presença constante. Na rua Pires de Almeida, o ex-presidente se faz presente em quase todas as janelas. Na Rua das Laranjeiras, no entanto, reduto de esquerda, um prédio foge à regra. E um mar de janelas com bandeiras do Brasil, só é possível identificar uma faixa de apoio a Lula. Já na Barra da Tijuca, bairro onde Bolsonaro teve mais votos, a preferência pelo atual presidente se reflete também nas janelas. Bandeiras do Brasil são maioria em janelas e varandas, contrastando com poucas referências ao candidato do PT.

Na comunidade da Rocinha, em São Conrado, são poucas as casas com adereços relacionados à eleição, mas ainda há possível achar apoiadores de Lula e Bolsonaro que fazem questão de demonstrar suas preferências políticas. O estoquista Edimilson José de Oliveira, de 61 anos, hasteou uma bandeira do Partido dos Trabalhadores na cobertura de sua casa.

— Fiz questão de pôr a bandeira para mostrar para os moradores da Rocinha que o Partidos dos Trabalhadores vai ajudar gente aqui. Chega do povo levar a elite nas costas. Tudo que o atual governo faz é para proteger os ricos e quem tem que ser protegido nesse país são as classes e pobres — avalia.

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Próximos geograficamente, mas em lados opostos nessa eleição, o aposentado Manuel Alves de Souza, de 70 anos, garante que a bandeira do Brasil vai continuar em sua janela mesmo depois da eleição.

— Eu que sou das antigas, sei bem o quão ruim foi o governo do PT. Apoio o candidato que sei que é melhor e coloquei a bandeira para conquistar mais votos para Jair Bolsonaro. Tenho certeza que ele vai ganhar e vou deixá-la lá também depois para a Copa do Mundo — garante.

Em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, um condomínio está rachado, com quatro varandas na parte de cima estampando imagens do atual presidente contra quatro na parte de baixo com tolhas pró-Lula.

As manifestações políticas têm gerado conflitos entre os vizinhos. No Condomínio Caribbean Village, no bairro do Recreio, moradores foram surpreendidos com um comunicado informando que o síndico aplicará uma multa de até dez salários mínimos aos moradores que exibirem anúncios, inscrições ou quaisquer outros letreiros em suas casas. A medida, no entanto, não se aplica para bandeiras do Brasil. Segundo a gerente administrativa do prédio, Marília Macedo, não há qualquer conotação política no informativo.

— O condomínio não tem partido. Inicialmente enviamos um documento pedindo que não fossem penduradas bandeiras e imagens de nenhum partido. Mas após questionamentos dos próprios moradores alegando que havia uma lei que autorizava a exibição de bandeiras do Brasil, decidimos consultar o jurídico. Foi só após a orientação deles que fizemos esse novo comunicado — justifica.

A medida é controversa e conta com apoiadores e críticos. Uma moradora que não quis se identificar elogiou o posicionamento, alegando que a bandeira nacional pode ser usada por todos e representa todos os brasileiros. Já a nutricionista Karoline Ferraz, de 23 anos, discorda do comunicado por achar que ela favorece apenas um grupo de eleitores.

— Eu não concordo. Até colocaria na minha janela uma bandeira do Brasil, mas defendo o direito do meu vizinho de colocar na janela dela a bandeira do candidato que ele quiser. O importante é só manter o respeito entre os moradores — pontua.

Em Santos, no litoral de São Paulo, Gustavo Abreu foi notificado pela síndica do prédio depois de pendurar uma toalha de Lula em sua janela. A reclamação veio após dois meses do pano exposto, após outra moradora alegar que a exibição ia contra as normas do condomínio.

— Preferi tirar pra evitar quaisquer intrigas ou “encheção” de saco. Mas depois resolvi pendurá-la no varal, que fica em outra janela do apartamento. Me proibiram de pendurar a toalha na janela, mas não iam me proibir de pendurar uma toalha no varal — contou Abreu, que pretende deixar o objeto no local até o fim do segundo turno.

Em Santa Catarina, uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro contou, por sua vez, ter recebido reclamações do condomínio por pendurar do lado de sua janela uma bandeira do Brasil.

“Tenho minha bandeira do Brasil na janela do meu apartamento, pendurada por dentro do vidro. Condomínio enviou aviso que, segundo regras internas, não pode. E aí? E aí não vou retirar”, escreveu Regina Moro no Twitter.

Segundo Marcio Rachkorsky, advogado especialista em condomínios e colunista do CBN Morar Bem, o respeito à fachada dos imóveis é o fator mais importante nesses casos.

— Nesse momento de polarização política, as pessoas estão confundindo e dizendo que tem direito de colocar a bandeira por ser um símbolo nacional. Da mesma forma que não pode pendurar um lençol, não pode colocar a bandeira do Brasil, independente se a pessoa é Lula ou Bolsonaro. A fachada do prédio não é lugar para manifestar o patriotismo, as regras de condomínio são claras e de âmbito coletivo. O que se protege aqui é a harmonia estética do prédio, da fachada. Nessa linha penso que o síndico pode proibir que se pendure bandeiras vermelhas, do Brasil ou qualquer outra — diz o advogado.

Ele pontua ainda que o assunto de exibição de bandeiras em imóveis nunca foi um grande problema condominial e que eventualmente surgia em discussões relacionadas a jogos de futebol.

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— Este assunto sempre foi muito tranquilo nos condomínios, a discussão só surgia quando tinha, por exemplo, uma final de campeonato, a cada quatro anos uma Copa do Mundo. Era só isso. Um tema simples de resolver porque ficava muito mais ali na paixão do futebol — lembra.

Segundo André Neres, sócio de Arbitragem e Mediação do PDK Advogados, não há um concesso sobre o caso.

— Há argumento autorizando o hasteamento de bandeiras e faixas e outros que proíbem. O código civil brasileiro, em um de seus artigos, proíbe qualquer alteração na fachada dos prédios. E alguns condomínios, nas suas convenções e regulamentos internos também, podendo, inclusive, prever penalidades em caso de descumprimento. Por outro lado, existem argumentos que autorizam especificamente a bandeira brasileira, uma lei da década de 70. Deve ser analisado caso a caso — explica.

Vice-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-Rio), Leonardo Schneider relata um aumento de problemas entre vizinhos por conta das eleições:

– Em alguns casos, já existe uma reticência em relação ao vizinho e aí vem o conflito no meio dessa tensão política, que se reflete dentro dos condomínios. Na maioria das vezes, o bom senso se sobressai, mas, eventualmente, há aqueles condôminos mais agressivos na maneira de lidar, o que pode gerar alguma situação. Mas maioria consegue administrar isso com o síndico e as partes ou no conselho condominial, na base da conversa.

Para o síndico profissional Rafael Avallone, o diálogo é sempre a melhor opção para solucionar os embates entre os vizinhos. Defensor do direito à livre manifestação política, o administrador de oito prédios conta que todas as vezes que recebeu alguma reclamação de um morador sobre a exibição de toalhas ou bandeiras, argumentou que, não desrespeitando nenhum outro condômino, não via problemas na permanência do objeto.

— Todos têm direito à expressão e vivemos em um período democrático. Nós que somos gestores de propriedade urbanas e gestores de pessoas temos o dever de garantir a defender e a democracia para todos — avalia.

O Globo