Ex-embaixador alemão vê 2o turno “brutal”

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Foto: Silvia Zamboni/Valor

“Acredito que agora haverá uma campanha bem forte, talvez até brutal. Os dois candidatos têm que mobilizar todo o eleitorado porque a diferença entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula é só de 5%. É uma margem bem apertada”, diz o ex-embaixador da Alemanha no Brasil Georg Witschel. “Tenho algum receio que a polarização, que já existe, se aprofunde mais. Por outro lado, tenho confiança no sistema eleitoral do Brasil e nas instituições.”

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O diplomata chegou ao Brasil em 2016, nos dias do impeachment da presidente Dilma Rousseff, passou pelo governo Temer, assistiu à eleição de Jair Bolsonaro e voltou a Berlim no auge da pandemia, em 2020. O Brasil foi o último posto antes da aposentadoria. Witschel reconhece que nem sempre foi fácil a relação com o atual governo, principalmente na questão ambiental. “Alemanha e Brasil têm uma parceria estratégica ”, diz. “Esses laços são maiores que dois governos federais”.

Witschel acredita que a cooperação irá seguir e pode se fortalecer tanto em um governo Bolsonaro como em um governo Lula. Depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, a maior economia da zona do euro se vê às voltas com a grave crise energética e busca novos aliados. O Brasil, diz o advogado, tem enorme potencial em renováveis, em hidrogênio e é uma democracia.

O alemão viveu de perto a crise do Fundo Amazônia, o mais estruturado mecanismo global de compensação pelos esforços de contenção ao desmatamento e de apoio a projetos na região, desmantelado pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. A Noruega era o maior doador, seguido pela Alemanha. “Quem matou o Fundo Amazônia não foi a Noruega nem a Alemanha, tivemos que suspender o financiamento por uma razão bem simples: não há nenhuma confiança”, diz. Lembra que em 2023 o Fundo tem que ser renegociado. No caso de um governo Bolsonaro, se o desmatamento for reduzido, há chance, acredita o diplomata, de voltar a operar. Será mais fácil em um governo Lula, contudo, já que o ex-presidente se comprometeu com o combate ao desmatamento, a crise do clima e as queimadas. “Teremos que checar os fatos e não somente as promessas”, diz ele.

Witschel, que ministra um curso para diplomatas estrangeiros sobre clima, segurança e Paz no âmbito do Ministério das Relações Exteriores alemão, falou ao Valor sobre as eleições no Brasil, a má imagem do país no exterior, a chance de o Acordo UE-Mercosul em eventual reeleição de Jair Bolsonaro ou em um governo Lula. “A taxa do desmatamento e os incêndios são indicadores muito importantes e bem visíveis. Reduzir o desmatamento ajudará muito a consertar a imagem do Brasil no mundo”, opina. A seguir, trechos da entrevista que concedeu desde sua casa, em Berlim:

Valor: O senhor esperava um resultado do primeiro turno como tivemos no domingo?

Georg Witschel: Não foi uma surpresa, ao contrário. Tive confiança nas pesquisas com relação aos votos de Lula, mas não confiei nas pesquisas que falavam sobre o desempenho de Bolsonaro porque nas eleições de 2018 foi o mesmo fenômeno, com um salto de Bolsonaro. Desta vez, as pesquisas falavam em 33% das intenções de votos, mas foram 43% nos resultados. Sei também que existe um voto envergonhado. São muitas pessoas que não declaram voto a favor de Bolsonaro nas pesquisas, mas fazem isso na urna. Falei com colegas na Embaixada e aqui no Ministério e temos todos a mesma opinião. Bolsonaro é muito mais forte do que as pesquisas indicavam.

Valor: Pesquisas não conseguiram capturar o voto envergonhado em Bolsonaro. O que pensa disso?

Witschel: Acho que os institutos de pesquisa farão alguma análise para verificar as razões dessa diferença enorme de 10%. É algo que escapou muito à margem de erro.

A Alemanha precisa de um Brasil forte, precisamos de uma relação mais forte entre os dois países

Valor: Como vê o período do segundo turno? Qual a expectativa?

Witschel: Acredito que agora haverá uma campanha bem forte, talvez até brutal. Os dois candidatos têm que mobilizar todo o eleitorado porque a diferença entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula é só de 5%. É uma margem bem apertada. Tenho receio que a polarização, que já existe, se aprofunde. Por outro lado, tenho confiança no sistema eleitoral do Brasil e nas instituições. Acredito em uma campanha forte, até brutal, mas, por outro lado, não muito diferente das campanhas em outros países. É uma democracia, com dois candidatos, um da direita e outro da esquerda. Será duro. Mas isso faz parte da democracia.

Valor: Como vê a relação bilateral Brasil e Alemanha em uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro?

Witschel: Há que se dizer que os últimos anos não foram sempre fáceis. Por outro lado, sempre houve uma relação forte e intensa entre os dois governos. Houve várias visitas de ministros de um lado ao outro lado, como o ex-ministro de Assuntos Exteriores Heiko Maas, que veio ao Brasil. Mas tivemos duas grandes exceções, se pensarmos no escalão dos encontros.

Valor: O que quer dizer?

Witschel: Alemanha e Brasil têm uma parceria estratégica. A Alemanha tem isso com apenas 10 ou 12 países no mundo. Nesse contexto, houve apenas um encontro de cúpula, com a nossa ex-chefe de Estado Ângela Merkel e a ex-presidente Dilma Rousseff. Depois disso, nada. A razão era que, para Merkel, ou seja, para o lado alemão, não era fácil convidar Bolsonaro e seu gabinete para uma visita na Alemanha. Então faltou este elemento da diplomacia, uma cúpula. O outro ponto difícil é o meio ambiente. Por outro lado, havia boa cooperação nas Nações Unidas e em muitas áreas. Os laços entre Alemanha e Brasil são maiores que dois governos federais.

Valor: E o que pode acontecer em um segundo mandato Bolsonaro?

Witschel: Para mim, a indicação é que não só vamos continuar essas boas relações, mas temos, na Alemanha, forte interesse de intensificar. O mundo ficou diferente depois de 24 de fevereiro, dia da invasão da Rússia na Ucrânia. A Alemanha precisa de um Brasil forte, precisamos de uma relação mais forte entre os dois países. Mesmo com Bolsonaro eleito tenho certeza que a relação será intensificada apesar das dificuldades que temos em várias áreas.

Valor: Como o senhor vê a relação Brasil-Alemanha no caso da eleição do ex-presidente Lula?

Witschel: Acho que será mais fácil, por várias razões. Uma delas é que na Alemanha muitas forças políticas, os partidos, a sociedade civil, consideram Lula uma pessoa muito positiva. É quase Lula um Deus e Bolsonaro, o diabo. Não falo sobe a minha opinião ou a do governo alemão, mas do sentimento na sociedade civil, quase maniqueísta. Por isso, com Lula será mais fácil. Também existem razões bem fundamentadas. Lula declarou que a proteção do meio ambiente e da floresta terão alta prioridade em seu governo. Então, com ele, temos expectativa que a situação da floresta amazônica melhore. A redução do desmatamento e dos incêndios ajudará muito nesta relação. Facilitará um encontro entre os chefes de Estado, facilitará visitas bilaterais. Mas há um porém.

Valor: Qual?

Witschel: Entre 2002 até 2005, ou seja, durante o governo Lula, havia promessas de proteger o ambiente e os indígenas. Mas foram anos com taxas muito altas de desmatamento, e os incêndios eram parecidos com os níveis do governo Bolsonaro. É importante que Lula cumpra as promessas e não as faça, somente. O importante é que o desmatamento seja reduzido, e não só ter uma redução anunciada. Teremos que checar os fatos e não somente as promessas.

A luta contra a mudança climática continuará sendo uma prioridade absoluta na nossa política
Valor: O que quer dizer quando menciona que a Alemanha precisa intensificar as relações com o Brasil depois da guerra na Ucrânia?

Witschel: O Brasil tem enormes problemas com pobreza, orçamento e outros, mas tem abundância de recursos naturais. A Alemanha era muito dependente das importações de gás natural da Rússia e agora temos zero vindo de lá. Para mim, a situação mudou um pouco. Agora a Alemanha precisa mais do Brasil, talvez, do que o Brasil da Alemanha. Por isso vejo boas chances de uma parceria em pé de igualdade e útil para ambos os lados. O que nós esperamos do Brasil é uma cooperação sobre energia eólica, solar, hidrogênio verde e também a redução do desmatamento. A Amazônia é parte do Brasil, tem soberania brasileira. Porém, sabemos que com desmatamento há o perigo muito real de uma catástrofe climática no Brasil com menos chuva no Centro Oeste e em São Paulo, o que seria um desastre para a agricultura brasileira. E, em consequência, catástrofe pra a Europa e a Alemanha. Temos um interesse comum de proteger a Amazônia e o Cerrado. Temos que fazer tudo para proteger a floresta.

Valor: E o hidrogênio verde?

Witschel: É um desafio e uma chance que temos juntos, algo para daqui a cinco ou 10 anos, não para amanhã. Mas não existe no mundo outro país que tenha o mesmo clima e situação geográfica do Brasil. O Nordeste tem 24 horas de vento ao dia e muitas horas de Sol. É uma situação absolutamente ideal para produzir hidrogênio verde e exportar para a Alemanha e outros países. É dinheiro para o Brasil e, para a Alemanha, energia limpa de um país democrático que não invade outros. Nós precisamos do Brasil e o contrário é verdadeiro. Estamos entre os maiores investidores do Brasil, temos tecnologia, universidades, recursos e nunca seremos uma ameaça à soberania brasileira.

Valor: A Alemanha é um dos principais parceiros ambientais do Brasil e foi um dos doadores do Fundo Amazônia, com a Noruega.

Witschel: Um dos maiores problemas com o governo Bolsonaro era e é o meio ambiente, e neste âmbito também o Fundo Amazônia. Quem matou o Fundo Amazônia não foi a Noruega nem a Alemanha, nós tivemos que suspender o financiamento por uma razão bem simples: não há nenhuma confiança. Não havia nenhuma confiança no ex ministro Ricardo Salles, zero, e ainda não temos confiança que o governo Bolsonaro, queira, de maneira séria, reduzir o desmatamento. Muito triste esta história, mas com Salles foi completamente impossível cooperar de maneira honesta e baseada na confiança. Às vezes existem interesses divergentes, mas é possível fechar algum acordo. Mas sem confiança isso não é possível.

Valor: Como vê o futuro do Fundo Amazônia?

Witschel: Em um futuro governo Bolsonaro acho que temos uma chance de renovar o Fundo Amazônia, mas só, e repito, só, se o futuro governo, com toda sinceridade, quiser reduzir o desmatamento. Não há sentido de reviver o Fundo se não houver compromisso verdadeiro de um futuro governo Bolsonaro. Dinheiro não é problema. O Fundo Amazônia deve ser renegociado em 2023 porque seu período de duração é 2013-2023. No ano que vem será preciso discutir se haverá ou não o Fundo Amazônia 2. Há chance com um governo que tenha desejo verdadeiro de reduzir o desmatamento. Tudo é possível, se a situação mudar. É triste porque perdemos três anos, e três anos é muito dinheiro, e neste período em vez de reduzir o desmatamento foram anos perdidos. Se for um governo Bolsonaro ou um governo Lula, oxalá possamos reviver o Fundo Amazônia e, finalmente, reduzir o desmatamento.

Valor: A Alemanha vive forte crise energética e se prepara para o inverno. O país está preocupado com o desdobramento da guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, depois dos anos Bolsonaro, a cooperação internacional é urgente para o Brasil, até porque foi um período devastador em termos socioambientais. Haverá dinheiro para o Brasil?

Witschel: Sim. Apesar das dificuldades econômicas que nós temos e da necessidade de financiar a Ucrânia, com certeza temos recursos para projetos ambientais. O nosso governo deixou bem claro que a luta contra a mudança climática continuará sendo prioridade absoluta. A guerra é uma situação terrível e temos que apoiar a Ucrânia. Mas a mudança do clima continua, os impactos são mais fortes a cada dia. Temos que seguir fortalecendo a luta contra a crise do clima, não temos opção. Creio que sim, haverá dinheiro para isso.

Valor: Como vê a imagem internacional do Brasil nesse momento?

Witschel: Na Alemanha é bem crítica e negativa. Isso tem a ver com os arroubos de Bolsonaro, com a política dele na Amazônia, com o Fundo Amazônia, com o desmatamento, com o respeito aos povos indígenas e outros pontos. A imagem é bem negativa. Por outro lado, tenho que confessar que muitos alemães não sabem nada sobre o Brasil. Sabem que existe Bolsonaro e Lula, povos indígenas e floresta. Mas não sabem nada sobre o sistema eleitoral brasileiro ou o fato que um presidente do Brasil sempre é um presidente de coalizão e que não tem o poder de um Donald Trump ou Viktor Orbán (o líder radical da extrema direita da Hungria) ou Putin.

Valor: Isso dificulta investidores a se sentirem atraídos pelo Brasil?

Witschel: Esta política ambiental e os arroubos de Bolsonaro não ajudam a promover investimentos. O Brasil, contudo, é bastante estável no mundo financeiro econômico e isso é atraente para investidores. Os leilões de energia são transparentes e honestos, por exemplo. Existem alguns fatores que são positivos. Por outro lado, temos mais investidores que consideram riscos climáticos e investimentos verdes. Nesse contexto, partes da política do governo Bolsonaro são bem negativos e, sobretudo, seus arroubos.

Contudo, se houvesse redução do desmatamento em 2023, digamos uma volta aos patamares de 2016 – não falo dos índices bem mais baixos do passado, mas de um declínio e de uma correção da rota -, isso ajudaria muito na imagem do Brasil no mundo. A taxa do desmatamento e os incêndios são indicadores muito importantes e bem visíveis. Reduzir o desmatamento ajudará muito a consertar a imagem do Brasil no mundo.

Valor: A composição do Congresso brasileiro será ainda mais conservadora. Há projetos de lei socioambientais controversos e que podem ser votados ainda este ano. O que o senhor pensa disso?

Witschel: Se Bolsonaro for eleito, parece que terá cerca de 190 deputados ao lado dele no Congresso. Por outro lado, se Lula for eleito, serão cerca de 110. No Congresso, a situação parece ser muto mais favorável para Bolsonaro que para Lula. No final do dia, o presidente do Brasil terá que governar com o Congresso, fazer compromissos com os deputados.

Valor: No caso de um governo Lula, pode ser um governo difícil?

Witschel: Acredito que será um governo difícil. O presidente Lula terá que negociar com os vários partidos para construir uma base forte e ampla.

Valor: O que se espera do Brasil, Congresso incluído, no quesito ambiental? O que a Alemanha espera?

Witschel: Bem, que os parlamentares entendam que temos um interesse comum em proteger o meio ambiente. Se Lula for eleito e cumprir as promessas sobre a proteção do meio ambiente e da floresta, e tiver liderança, tenho esperança que o novo Congresso aprove leis que protejam a floresta e não leis que promovam mais desmatamento. Mesmo no agronegócio há muitos que não querem mais desmatamento. Desmatamento tem consequência política negativa nos mercados da Europa, que não querem comprar produtos do Brasil. Isso é um grande problema para muitos consumidores europeus. Se houver progresso na luta contra o desmatamento será mais fácil exportar produtos alimentícios para a Europa. É uma questão de “win-win” ou “loose-loose”. Vamos ver. Não será fácil, porque os interesses são divergentes e é preciso uma liderança forte. Talvez com Lula seria uma mudança total porque até agora Bolsonaro sempre falou em favor do garimpo e do desmatamento. Com ele tenho quase zero esperança que haverá um novo impacto na luta contra o desmatamento e a mudança climática. Com Lula tenho mais expectativas.

Valor: Como o senhor vê as chances do Acordo UE-Mercosul avançar com estes dois governos?

Witschel: Bolsonaro sempre diz que quer fechar o Acordo. Neste caso é o lado europeu que é mais difícil, por várias razões. Há até o medo de produtores europeus de não sobreviver às importações do Brasil. Lula, por sua vez, prometeu de fechar o Acordo dentro de seis meses, porém ele também diz que é preciso reindustrializar o país. Então não tenho certeza se Lula quer renegociar partes do tratado ou não. Bolsonaro não quer, mas são os europeus que têm dúvidas de fechar um acordo com um governo que continua a desmatar a floresta e por isso creio que os europeus vão insistir em reabrir o texto e aumentar alguns capítulos sobre meio ambiente e desmatamento.

Valor: O senhor acha possível, no caso de o ex-presidente Lula ganhar a eleição, de acontecer muito tumulto? De o adversário não reconheçer a eleição e não entregar o governo ao novo presidente?

Witschel: Francamente, não sei. Havia observações de Bolsonaro dizendo que ele não tem confiança nas urnas eletrônicas, que ele ganhará com certeza, e se não for assim será por fraude do outro lado. Também li que em uma entrevista, ele diz que se não ganhar, entregará a faixa presidencial. Então, não sei. Acho que haverá uma campanha forte e intensa, mas espero que os dois aceitem os resultados em quatro semanas.

Valor: Existe muita expectativa sobre esta eleição na Alemanha?

Witschel: Muita. O Brasil está muito na mídia. É o povo do Brasil que elege o presidente e nós na Alemanha vamos simplesmente aceitar o resultado e cooperar com um governo Lula ou com um governo Bolsonaro. Temos nossos interesses que, com

frequência, são comuns, como mais comércio, mais cooperação científica, mais intercâmbio cultural e também proteção do meio ambiente. O que não podemos aceitar é violência e atos que não são democráticos, mas oxalá isso não vai acontecer.

Valor Econômico