Fake news sobre fraude eleitoral explode nas redes
Foto: AFP
O mês de outubro já registrou nas redes sociais picos de disseminação de conteúdos sobre supostas fraudes na eleição. No Telegram – aplicativo de troca de mensagens -, o volume de publicações superou, desde o primeiro turno, o acumulado em setembro. A radicalização também se intensificou – usuários convocam protestos e incitam a violência.
A principal alegação é de que é impossível o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter obtido mais votos do que o candidato à reeleição pelo PL, Jair Bolsonaro, na primeira fase da disputa. O petista chegou à frente, com 48,4%, seguido do atual presidente, com 43,2% dos votos válidos.
Levantamento feito a pedido do Estadão pelo Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD/UFBA), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o InternetLab, mostra que, de 0h de 1.º de outubro até 23h59 de quarta-feira, 5, foram 12.619 mensagens no Telegram. O volume com citações a fraudes supera o recorde de todo o mês anterior, de 12.275. A equipe monitora 464 canais e 173 grupos.
Nesta quinta-feira, 6, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reiterou a segurança das urnas eletrônicas. De acordo com a Corte, o teste solicitado por militares, realizado no dia 2, com 2.044 eleitores, registrou fielmente os votos depositados (mais informações na página ao lado). Apesar das alegações, nunca foi identificado registro de fraude nos aparelhos, diferentemente da época em que a escolha era expressa em cédulas.
Nesta semana, pouco menos de 24 horas após o primeiro turno, bolsonaristas mobilizaram um grupo com mais de 200 mil usuários no Telegram para apontar, sem prova, fraude que teria levado Lula a liderar a disputa.
Organizadores do “Acelera para Jesus”, a principal motociata pró-Bolsonaro em São Paulo, debatem uma manifestação para reivindicar a volta do voto impresso no segundo turno – medida já rejeitada pelo Congresso. Dizem esperar 1 milhão nas ruas para “acabar com a urna eletrônica”.
Em conversas de voz obtidas pelo Estadão, é citado um grupo de caminhoneiros dispostos a “parar o País”. “Eu quero ‘nego’ sangue no olho. Eu quero a extrema direita do meu lado”, diz um usuário. “Eu só quero os cabra macho da peste do meu lado. Não quero saber de gente mole.”
Um homem se identifica como militar de Campina Grande (PB) e diz que o grupo apenas aguarda “um sinal de cima” para entrar em ação. Usuários pedem cautela com o que é dito – em vão. “Temos de estar preparados para arrancar esses vagabundos debaixo de pau deste país”, diz um usuário.
Nas mesmas conversas, usuários falam em atos violentos contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – em especial o também presidente do TSE, Alexandre de Moraes – e contra Lula. Procurado, o Telegram não respondeu.
‘Esforço coletivo’
O pico de engajamento pode ser observado nas demais redes. Pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), João Guilherme dos Santos diz que há sinergia entre plataformas.
“As características de cada uma dessas redes formam uma arma muito potente. Não dá para entender o que acontece no Instagram sem entender que boa parte da alimentação de páginas mantidas por coletivos e grupos que questionam as urnas se dá no Telegram”, afirmou Santos. “Assim como não dá para entender o que acontece no Telegram e no WhatsApp sem entender a circulação de links do YouTube em grupos dessas plataformas”, disse.
De domingo, 1º, até quarta-feira, 5, 3 mil postagens com o termo “fraude” geraram 790,2 mil interações – soma de curtidas, comentários e compartilhamentos – no Facebook. A publicação com maior engajamento recebeu 111,2 mil curtidas, 39 mil comentários e 79,7 mil compartilhamentos. “Houve fraude nas urnas eletrônicas. Vamos agir, população brasileira”, diz a postagem.
No Instagram, ao menos 478 postagens geraram 1 milhão de interações. “Olha que apuração mais corrupta e programada???? Inacreditável o nível da fraude!”, publicou o pastor André Valadão, que tem 5,3 milhões de seguidores. Ele mostra um gráfico em que Bolsonaro sai na frente na apuração e depois é ultrapassado por Lula – o que é verdade, mas não há fraude.
A publicação foi removida. Procurado, Valadão não respondeu. A Meta afirma que lançou um novo rótulo para conteúdos publicados no Facebook e no Instagram sobre urnas eletrônicas. A mensagem reforça que o voto eletrônico é seguro e auditável.
A live mais popular sobre fraude eleitoral no YouTube ficou no ar por 23 horas, entre a noite de domingo e a noite de segunda-feira, 3, apontam dados da Novelo Data, e teve mais de 2 milhões de visualizações. O vídeo foi então removido. A empresa afirma punir conteúdos que usem de práticas enganosas, discurso de ódio e desinformação eleitoral.
Usuários do Twitter compartilham conteúdos falsos que circulam no Telegram. Influenciadores especulam que houve manipulação eleitoral. “Fraude”, escreveu Valadão. A publicação tem 39,9 mil curtidas. O Twitter diz que, desde abril, passou a tomar medidas sobre afirmações falsas ou enganosas. A punição pode levar até a remoção da conta.