Lula preferia não abordar religião na campanha
Foto: Ricardo Stuckert
A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou, ontem, o manifesto aos evangélicos, em uma tentativa de avançar no segmento do eleitorado dominado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). No evento, em um hotel de São Paulo, o petista disse estar cansado de ter de rebater rotineiramente as mentiras que o opositor propaga contra ele nestas eleições. Ressaltou, também, que “Jesus teve de se explicar a vida inteira”.
As declarações de Lula demonstram a resistência em entrar no tema religião, que, segundo fontes ouvidas pela reportagem, o ex-presidente considera sagrado. Na avaliação do candidato, após seus dois mandatos, em que aprovou leis em prol da liberdade religiosa, não seria necessário se envolver nessa seara.
No evento, o presidenciável comentou a notícia falsa de que pretende, em um eventual novo mandato, instituir o “banheiro unissex”. Disse que tem filhas, netas e que, agora, vai ter bisnetas. A mentira, segundo ele, “só pode ter saído de satanás”. O comentário arrancou aplausos da plateia.
Lula sustentou que considera família “coisa sagrada” e se emocionou ao lembrar das três sogras que teve, em especial da mãe de sua atual esposa, a socióloga Rosângela Lula da Silva. A mãe de Janja morreu em 2020, em decorrência da covid-19.
Na carta direcionada ao “povo evangélico”, Lula ressalta o seu compromisso de defender as conquistas do segmento. Aponta a prioridade de auxiliar os mais pobres e cita o trecho bíblico “a verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades”.
“Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das igrejas enquanto fui presidente. Pelo contrário. Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento, e até tiveram condições de enviar missionários para outros países”, diz um trecho. “Não há por que acreditar que agora seria diferente. Posso lhes assegurar, portanto, que meu governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de culto e de pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos templos.”
O candidato também reitera ser pessoalmente contra o aborto, mas lembra que essa discussão não é do presidente da República e, sim, do Congresso Nacional.
O manifesto, porém, foi considerado tardio por integrantes da campanha, que já buscavam convencer o petista, há tempos, da necessidade de elaborar o documento centrado em rebater mentiras divulgadas contra o candidato.
Em conversa com jornalistas, o ex-ministro Gilberto Carvalho afirmou que a carta foi escrita por Lula, mas teve a colaboração de lideranças evangélicas que apoiam a campanha. A expectativa, segundo ele, é interromper a ofensiva de notícias falsas nesse público.
Carvalho enfatizou que, mesmo após a carta, o ex-presidente não irá a nenhuma igreja, nem evangélica nem católica. “Lula acha que isso é uma profanação, um desrespeito. Não quer misturar as coisas. Aqui é o nosso limite de dizer as coisas com clareza”, acrescentou.
Quanto ao convencimento do ex-presidente para elaborar o documento, Carvalho relatou que “foi exatamente essa ofensiva absurda que o levou (Lula) a tomar medidas que ele não gostaria de tomar”. “Para Lula, é tão óbvio que ele sempre teve uma relação adequada com as igrejas que não caberia ficar se justificando. Acha isso quase que uma ofensa a ele. Mas, diante do ataque que está havendo e da confusão, achou por bem formalizar a posição”, enfatizou.
Participaram do evento lideranças evangélicas como o Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ), eleito deputado, e a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ); o vice na chapa, Geraldo Alckmin (PSB); o candidato ao governo paulista Fernando Haddad (PT); e a candidata a vice-governadora Lúcia França (PSB) e seu marido, o ex-governador Márcio França (PSB).