Marcelo Tas vai de Lula

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Foto: Nathalie Bohm/Divulgação

Marcelo Tristão Athayde de Souza, o Marcelo Tas, nasceu em Ituverava, interior de São Paulo, no dia 10 de novembro de 1959. Ainda muito jovem, Tas deixou sua terra natal e migrou para a capital paulistana com o objetivo de estudar Engenharia Civil na Escola Politécnica da USP. Indeciso em relação à carreira que deveria seguir, matriculou-se na Escola de Comunicação e Artes da USP e começou o curso de Rádio e TV. Ali, naquele ambiente efervescente e transgressor — que configurava a USP dos anos 80 — Tas iniciou sua trajetória no universo da comunicação.

Na produtora Olhar Eletrônico – que fundou com seus amigos Fernando Meirelles, Paulo Morelli, Marcelo Machado, Dário Vizeu, Tonico Mello e Renato Barbieri — Marcelo Tas interpretou pela primeira vez o Ernesto Varella, repórter ficcional que fazia perguntas capciosas e engraçadas às principais personalidades do mundo político da época. Com o tempo, Tas foi conquistando o seu espaço e se tornando conhecido do público. Entre o final da década de 80 e início dos anos 90, participou de alguns programas, entre os quais, Video Show da Rede Globo e El Turista da TVE. Apesar de suas boas façanhas nesses trabalhos, o seu grande reconhecimento veio por parte do público infantil, primeiro em resposta ao personagem Professor Tibúrcio de Rá-Tim-Bum e, posteriormente, em razão do disruptivo Telekid do Castelo Rá-Tim-Bum.

De 2008 a 2014, Tas esteve à frente do Custe o que Custar (CQC), da Band, que se tornou um dos programas mais icônicos da televisão brasileira. Atualmente, é apresentador do Provoca da TV Cultura e comentarista do Jornal da Cultura.

Conversei com Marcelo Tas para a série de entrevistas que estamos empreendendo na coluna. Quis saber do comunicador o que ele pensa sobre temas espinhosos, como a participação dos evangélicos na política, regulação da mídia e a disputada do pleito entre Lula e Bolsonaro. Sobre o último tema, ele considera a possibilidade da reeleição de Bolsonaro uma ameaça ao princípio da laicidade do Estado. “Quem é ele para determinar qual deus deve iluminar a nação?”, questiona.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Rodolfo Capler — A espiritualidade ocupa algum espaço na sua vida diária?

Marcelo Tas — Ocupa um espaço enorme. Eu nasci num ambiente católico, porém, há 30 anos encontrei a minha espiritualidade no hinduísmo. Diariamente, eu pratico meditação.

Rodolfo Capler — Hoje os evangélicos representam 31% da população brasileira e, cada vez mais, se encontram envolvidos com a processo eleitoral. Além da existência da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional (Bancada Evangélica) — que até 2019, possuía 203 parlamentares ligados à sua base — um número maior de candidatos evangélicos está pleiteando a vida pública (com o aumento de 11% de candidaturas religiosas neste ano em relação às eleições de 2018). Como o senhor enxerga esse processo de “evangelicalização” da política brasileira?

Marcelo Tas — Eu não vejo o processo desta forma. Quando falamos dos evangélicos como se eles fossem uma coisa só, estamos pisando numa casca de banana, porque há uma grande diversidade entre eles. Se por um lado há muitos fiéis evangélicos profundos em suas práticas de fé, por outro, há muitos pilantras e picaretas. Infelizmente, os evangélicos receberam um pejorativo carimbo como consequência do comportamento de uma pequena parcela deles.

Rodolfo Capler — Mas, o senhor reconhece a existência de um processo de “evangelicalização da política” no Brasil?

Marcelo Tas — Eu reconheço esse processo. Entretanto, ao mesmo tempo, eu vejo a existência de instrumentalizações para fins políticos, em outros campos da sociedade. Por exemplo, identifico a ocorrência disso no mundo acadêmico e no espaço da comunicação. Todos nós estamos sujeitos à manipulação por algum viés.

Rodolfo Capler — Desde as jornadas de junho de 2013 o chamado “jornalismo alternativo” vem sendo praticado de forma mais consistente no Brasil. Essa nova modalidade de jornalismo, além de estabelecer uma implacável concorrência com a imprensa tradicional, também a descredibiliza, acusando-a de carecer de Accountability. No seu entendimento, em face disso, os tradicionais jornais e revistas no Brasil perderão a sua hegemonia ou descobrirão novas formas de continuar configurando a esfera pública?

Marcelo Tas — Eu prevejo que em algum momento não falaremos mais em “veículos tradicionais”, porque eles não mais existirão. Aliás, penso que eles já pararam de existir há algum tempo, pois, todos nós experimentamos transformações. Eu me considero um ser de um veículo tradicional chamado televisão. A TV foi o ambiente que, profissionalmente, me gerou. Reconheço que a televisão foi muito lenta na adoção dessa nova gramática comunicacional que está em vigor no mundo. Eu sempre fui muito precoce e compreendi rapidamente as mudanças nas comunicações, por conta da minha formação (ou deformação). Estudei Engenharia Civil, antes de cursar Comunicação. Assim, me considero um engenheiro da comunicação, pois, os limites tecnológicos impostos ao escopo comunicacional sempre me interessaram. No período em que eu estudei Rádio e TV, comecei a utilizar uma ferramenta disruptiva, que era o vídeo. Na época muita gente não entendia a maneira como eu e meus amigos fazíamos televisão. Por isso, penso que nos dias de hoje é um erro fazer a distinção entre veículos “tradicionais” de comunicação e veículos “alternativos”. Para mim, por exemplo, não existe a VEJA tradicional e a VEJA online. É tudo uma coisa só. Em relação à televisão, digo a mesma coisa. Inclusive, sempre falo ao meu pessoal que devemos parar de chamar a TV de emissora de televisão (risos). Não existem mais emissoras; todo mundo hoje é uma emissora. A televisão ainda é refratária a essa mudança e, por essa razão, está perdendo esse momentum da comunicação no mundo.

Rodolfo Capler — Existe jornalismo isento na atual conjuntura política brasileira?

Marcelo Tas — Quem decide se há ou não há isenção é o público, pois, todo jornalismo tem um viés. Não há nenhum problema nisso. O que é nocivo é não ter consciência de que os veículos de comunicação são enviesados, ou seja, desconhecer que eles atendem a um jeito de recortar a realidade. Para mim, a grande tarefa do jornalismo hoje é a transparência. Isto é, não se pode subestimar a inteligência do público. As pessoas têm condições de te rastrear, inclusive, em eras glaciais passadas (risos). Há pessoas que printam tweets meus de dez anos atrás e me cobram (risos).

Rodolfo Capler — Em sua grande obra “Mudança estrutural da esfera pública (1962)”, Jürgen Habermas afirma que a esfera pública — que segundo ele é a própria comunicação — estabelece a chamada opinião pública. Visto que os grandes veículos de comunicação que dominam a comunicação pública no Brasil são de ordem privada, a “opinião pública”, não passaria de um mito?

Marcelo Tas — Se os veículos de comunicação não fossem privados, haveria opinião pública? Isso acontece, por exemplo, na Coreia do Norte, na China e em Cuba. Não ter o domínio privado não significa imunidade à censura. Em Cuba, por exemplo, os veículos de comunicação privados são censurados e as TVs estatais não contam tudo ao público. O que quero dizer é que a existência de interesses privados na comunicação não significa, necessariamente, algum tipo mancha na democracia. Numa sociedade de mercado o público decide as suas fontes de informação.

Rodolfo Capler — Na edição do dia 18/08/2020 do programa Roda Viva da TV Cultura, o senhor disse ao humorista Marcelo Adnet – que estava no centro da roda – que o “humorista não deveria nunca se declarar de esquerda ou direita”, porque abrir o jogo seria “induzir um viés e contaminar a mensagem”. O mesmo juízo pode ser aplicado a jornalistas que se declaram de esquerda ou de direita?

Marcelo Tas — Naquela ocasião, o que eu pretendi comunicar foi o seguinte: o humor quando toma um lado fica com a faca menos afiada. Essa é apenas uma opinião minha. Na época da “polêmica” com o Adnet, eu falei com muito carinho com ele. Estávamos no programa Roda Viva da TV Cultura. Quando o Adnet se posicionou declarando ser um humorista de esquerda, eu apenas dei uma sugestão a ele. Compartilhei a minha percepção de que o fio da navalha dele ficaria menos cortante. Um exemplo disso são os humoristas que perderam o fio da navalha ao se posicionaram publicamente à direita. O Danilo Gentili (por quem tenho grande carinho e admiração), levantou a bandeira do Bolsonaro e durante um tempo foi bolsonarista (risos). Depois, percebeu a cilada e retrocedeu. Quando um humorista como ele se posiciona de maneira fanática parecendo um torcedor de político, a decepção sempre é maior. O humorista é o cara que critica o poder. Se ele toma um lado publicamente, de que forma colocará o dedo na cara do poder? Enfim, a vida do artista ou é livre, ou inexiste. Em relação aos jornalistas, não vejo problema com o posicionamento público que muitos tomam. Alguns até se dedicam a isso. Não creio haver desonestidade nessa postura. Alguns veículos de comunicação se posicionam politicamente de forma muito escancarada, como a Jovem Pan, que é majoritariamente bolsonarista. Só acho muito estranho jornalistas defenderem o Bolsonaro, o qual é uma pessoa bruta e perversa. Quando isso acontece, quem perde é o público. A minha crítica ao atual jornalismo é que as coisas estão muito planas. Na maioria dos veículos, quase todos têm as mesmas opiniões. Isso além de esquisito, não é bom para o veículo, pois, as pessoas estão sedentas por diversidade. Aproveito a oportunidade para elogiar a TV Cultura, que estabeleceu um padrão de independência e diversidade. Retornando à questão da polêmica com o Adnet, eu apenas compartilhei com ele esse meu entendimento. Inclusive, tivemos uma conversa privada depois do ocorrido. Está tudo certo entre nós (risos).

Rodolfo Capler — Os ataques a jornalistas se tornaram cada vez mais frequentes no Brasil. O atual presidente Jair Bolsonaro é conhecido por agredir jornalistas — sobretudo mulheres — como ficou evidenciado nos casos envolvendo as jornalistas Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães. Com a nova formação do congresso, que está mais conservador — e com uma eventual reeleição de Bolsonaro — a cultura de violência contra jornalistas tende a crescer?

Marcelo Tas — Antes de comentar esta questão, acho importante dizer que apesar das decepções que tivemos no primeiro turno das eleições, muitas pessoas decentes foram eleitas. Vide as eleições de Marina Silva, Tabata do Amaral e Erika Hilton (a qual é uma mulher trans). Em relação à cultura de violência contra jornalistas, não podemos admitir que isso cresça. No caso envolvendo a Vera Magalhães, eu estava há poucos metros do ocorrido e vi o deputado bolsonarista Douglas Garcia importunando-a. Acho importante dizer que esse método de violência transcende o bolsonarismo. O MBL, por exemplo, lança mão disso o todo tempo. Eles até fecharam exposições de arte, em pleno século XXI (risos). É inegável que o Bolsonaro deu um up grade nesse tipo de violência. Para se ter uma ideia, ele é um cara que maltrata a própria família. Por isso, os filhos dele são todos assustados. Agora, caso a população brasileira reeleja Bolsonaro, as agressões a jornalistas tendem a aumentar. O Jair tem mania de tentar amedrontar a imprensa. Por mais esdrúxulo que pareça, há uma lista de jornalistas processados por ele. Antes das eleições de 2018, ele me processou em razão de uma crítica que eu havia feito a ele. O objetivo dele foi me intimidar com uma multa de alto valor financeiro. É bom dizer que eu ganhei o processo. O Bolsonaro me deve R$ 2.000,00 (risos). Da mesma forma, a Patrícia Campos Mello — que foi gravemente agredida por ele — ganhou o processo. A justiça, que é muito lenta no Brasil, deu ganho de causa à democracia.

Rodolfo Capler — O candidato Lula, em sua pré-campanha à presidência da República, manifestou o interesse em regular a mídia, caso eleito. Um “novo marco regulatório dos meios de comunicação” é algo perigoso para a democracia? Como o senhor enxerga esta questão?

Marcelo Tas — Depende de como isso vai ser debatido pela sociedade. O governo Lula criou a TV Brasil para ser uma espécie de BBC. O que a TV Brasil virou? Ela virou um canal chapa-branca caríssimo. O Bolsonaro, que na campanha de 2018 declarava que iria acabar com a TV Brasil, assim que subisse ao poder, a manteve e fez dela a “TV Bolsonaro” (risos). A minha preocupação com uso da expressão “regulação da mídia” quando ela sai da boca do Lula, me vem desse passado. Será que o Lula já compreendeu o erro que cometeu, quando criou um canal que se tornou agência de propagandas dos governos eleitos? Se o Lula se refere a um modelo BBC, eu concordo. Para mim, é o melhor modelo de TV pública que existe no mundo. Aqui no Brasil — modestamente — há um canal que funciona dessa forma; me refiro a TV Cultura. Embora, a Cultura tenha sido um canal chapa-branca na época do Paulo Maluf e do Orestes Quércia e, tenha defeitos e limitações, ela mantém uma liberdade editorial, a duras penas. No período daqueles governos a TV Cultura era obsoleta. Para se ter uma ideia, ela cobria inaugurações de pontes (risos). Somente quando a Cultura começou a voltar os seus olhos ao público, ela passou a ganhar relevância. Sabe qual é a maior cilada na qual os políticos caem? A de desejarem transformar uma TV pública em TV estatal. Quando isso acontece, a audiência vai lá embaixo. Voltando à questão da regulação da mídia, precisamos entender que todas as emissoras de televisão abertas — a rigor — são concessões públicas e, por essa razão, devem responder à sociedade. Para encerrar, penso que é necessário compreender que regular a mídia pode não significar censurar a mídia. Eu tenho acompanhado essa discussão nos Estados Unidos e na Europa. Por conta das mídias digitais, como Facebook, Instagram, WathsApp, Twitter, TikTok… deve haver algum tipo de regulação nos meios de comunicação, pois, ninguém sabe direito como os algoritmos funcionam. Regular a mídia não é arbitrar, como incorretamente faz o Supremo Tribunal Federal, que define o que é o que não é Fakes News. É possível regular a mídia, sem cercear a liberdade.

Rodolfo Capler — No dia 30 de outubro haverá o 2º turno das eleições com Lula e Bolsonaro disputando a presidência da República. Na sua opinião, o Brasil ganha mais com a eleição de Lula ou com a reeleição de Bolsonaro?

Marcelo Tas — Sem dúvida, o país ganha mais com a eleição de Lula. Com todas as críticas que cabem ao Lula, vale a pena ressaltar que ele é alguém que nasceu da democracia, disputou várias eleições e soube respeitar o jogo democrático. Quando se tornou presidente, Lula fez coisas interessantes, que são inegáveis. Além de fazer políticas públicas que promoveram inclusão, ele valorizou a educação, coisa principal. Reconheço muitas falhas e limitações na política educacional dos governos Lula, porém, ele realmente governou para os menos favorecidos nesse sentido. Ao contrário do presidente Bolsonaro, Lula não ataca a democracia. Por exemplo, o atual presidente se arvora no direito de escolher qual deus é o melhor para a população. Num país com tanta diversidade cultural, étnica e religiosa como o Brasil, a atitude de Bolsonaro é totalitária, arrogante e antidemocrática. Quem é ele para determinar qual deus deve iluminar a nação?

Rodolfo Capler — Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para o eleitor brasileiro?

Marcelo Tas — Respire bem, antes de votar no seu candidato. Dedique um tempo para olhar as coisas longe de quaisquer manipulações. Estou dizendo isso especialmente aos bolsonaristas.

* Rodolfo Capler é teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP

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