Militância de Lula sofreu durante apuração

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Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress

Gritos engasgados, choro de emoção e de alívio e o estrondo de fogos de artifício irromperam às 20h deste domingo (30) em três redutos de eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quando foi anunciada a vitória sobre Jair Bolsonaro (PL), na disputa presidencial mais acirrada desde a redemocratização.

O medo e a ansiedade que acompanharam apoiadores do petista nas últimas semanas deram lugar a abraços entre quem seguiu a apuração com o celular numa mão e o L, com indicador e polegar, na outra.

Uma catarse ao som de batuques de torcida organizada, de “olê, olê, olá” e de cantorias do hino consagrado nessa apuração: o hit que diz “tá na hora de o Jair já ir embora”, de Tiago Doidão e Juliano Maderada. Ninguém ficou parado.

Quando as urnas foram fechadas em todo o país, às 17h, o clima era de ansiedade e de confusão na concentração que começava a se formar na quadra do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

Uma mistura de medo e euforia tomava conta do local, berço da trajetória política do líder petista. “Haja coração”, exclamava uma apoiadora, abanando-se com uma bandeirola, com um olho no celular e outro no telão que começava a transmitir a apuração.

O sindicato foi presidido por Lula nos anos 1970. Lá, ele teve refúgio quando o então juiz Sergio Moro expediu o mandado de prisão que consagraria o impedimento da sua candidatura nas eleições presidenciais de 2018.

Lula deixou o sindicato para se entregar à Polícia Federal, em 7 de abril de 2018, nos braços de milhares de apoiadores que faziam ali uma vigília. Depois de 580 dias preso, retornou ao sindicato para seu primeiro discurso em liberdade.

Com camiseta Lula Livre, broche Ele Não, boné vermelho e bandeira do arco-íris com a imagem da vereadora assassinada Marielle Franco amarrada ao corpo, o analista financeiro Arthur França, 28, trabalhador sindicalizado, caminha no pátio da entidade, entre o som de bateria que dava ritmo às canções e às palavras de ordem e os estardalhaços de fogos de artifício.

“O coração está a mil. Tenho medo, mas tenho esperança também”, afirmou. Ele diz ter dormido mal nos últimos dias com receio de uma vitória de Bolsonaro e conta ter vestido roupas brancas para comparecer a sua zona eleitoral, levando na mochila camiseta e bandeiras identificadas com a campanha petista.

“Como um homem gay assumido e de esquerda, tenho medo”, disse ele. “Mas agora temos a esperança de ter o mínimo. Saiu um peso das costas, apesar de o país sair dessas eleições dividido”, desabafa, com o onipresente som do hit “Tá na Hora do Jair Já Ir Embora” ao fundo.

Era essa a música tocada em modo repetição na caixa de som que Daiane Araújo, 26, puxava sobre rodinhas no galpão do Armazém do Povo, loja do Movimento Sem Terra (MST), no centro de São Paulo.

Militante do Levante Popular da Juventude, Araújo diz que estava “ansiosa, mas muito esperançosa” com o pleito, mesmo quando Lula estava atrás na contagem. No momento em que o petista ultrapassou Bolsonaro, a jovem e amigos aumentaram o som na caixa e dançaram. O clima era de já ganhou.

Apesar das comemorações no reduto do MST, por onde passaram cerca de 2.000 pessoas, havia ainda um receio. “Com um resultado tão apertado, a possibilidade de um terceiro turno continuado é real”, avalia Gilmar Mauro, dirigente nacional do movimento.

Ele descreve um Brasil com dois polos. “De um lado, uma frente ampla de defesa da democracia. De outro, a extrema direita como uma força política organizada. Já imaginou a gente perder mesmo com a maior liderança popular do país?”

Muita gente imaginou, sim. “Meu coração ficou disparado o dia todo”, afirma a professora aposentada Ivonete dos Santos, 58, que trabalha na cozinha da Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro (MTSC), na região central de São Paulo.

Ao longo da tarde, foi servida rabada com polenta, prato preferido de Lula, para centenas de pessoas no local, e Santos, conhecida no local como Vovozona, terminou o expediente dançando a vitória pela qual ansiava. “Torci muito. E, quando Lula ganhou, foi uma loucura. Todo mundo se abraçando.”

Rouca “de choro e de comoção” e vestida com uma camiseta com a palavra “coragem”, a fundadora do MTSC Carmem Silva (PSB) circulava pela ocupação aliviada. “Ai, que alívio”, dizia também a atriz Thalma de Freitas. “Não consegui mais parar de chorar. E agora recomeça a luta.”

Folha