Ministros de Bolsonaro param de trabalhar para fazer campanha

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Foto: Cristiano Mariz

A presença de ministros do presidente Jair Bolsonaro (PL) em eventos e nas reuniões de coordenação de sua campanha dele é cada vez mais frequente, mesmo em horário de expediente. Alguns adotam discursos com tom eleitoral inclusive em compromissos oficiais do governo, embora sem pedir votos explicitamente.

A atuação dos ministros na campanha acontece principalmente no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, que virou uma espécie de quartel-general da candidatura à reeleição. A lei não permite que servidores públicos atuem em “comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante horário de expediente normal, salvo se o empregado estiver licenciado” ou de férias. A limitação consta da cartilha da Advocacia Geral da União (AGU) elaborada neste ano para orientar os atos de agentes públicos federais no período eleitoral. No entanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em decisão de 2014, entendeu que ministros “não se sujeitam a expediente fixo ou ao cumprimento da carga horária”.

Na segunda, por exemplo, Bolsonaro recebeu apoio de cantores sertanejos, com direito a pedido de voto e vídeo para propaganda eleitoral. Na cena, é possível ver o ministro Célio Faria (Secretaria de Governo). Paulo Guedes (Economia) até discutiu estratégias eleitorais com os sertanejos:

— Hora de eleição é emoção, são vocês, a bola tá com vocês. Se eu for fazer discurso aí vou conseguir três, quatro votos. Falando de economia, ah desemprego, isso é conversa para trabalho.

No mesmo dia, outros ministros foram vistos no Alvorada: Fabio Faria (Comunicações), Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública) e Carlos Brito (Turismo). Anteontem, Bolsonaro voltou a receber ministros na residência oficial. Em reunião com prefeitos e outras lideranças municipais, estavam presentes Célio Faria, Paulo Guedes e Marcelo Queiroga, da Saúde.

No dia 4, um dos primeiros apoios recebidos por Bolsonaro foi o do governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Ao lado dos dois governantes estava, mais uma vez, Célio Faria, além dos ministros Joaquim Leite (Meio Ambiente) e Marcelo Sampaio (Infraestrutura). No dia seguinte, Anderson Torres acompanhou a manifestação de apoio do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e Fábio Faria, Joaquim Leite e Marcelo Queiroga (Saúde) observaram a declaração do governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD).

Em nenhum desses casos os ministros colocaram os compromissos em suas agendas, com exceção de Célio Faria, que registrou ter tido “compromissos não oficiais” nos horários correspondentes. A Secretaria de Governo afirmou que, além do entendimento de 2014 do TSE, entre as atribuições do cargo estão as “ações de assistência direta ao Presidente da República, em quaisquer circunstâncias”.

Em nota, o ministério do Meio Ambiente afirmou que o titular da pasta esteve no Alvorada para tratar com Zema do acordo sobre a tragédia ambiental de Mariana. E falou sobre licenciamento ambiental de uma rodovia com Ratinho Junior. O ministro da Infraestrutura informou por sua assessoria que conversou sobre projetos rodoviários com Zema na mesma ocasião. As assessorias dos outros ministros e da campanha de Bolsonaro não se manifestaram.

Fabio Faria e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fazem parte oficialmente do comitê de campanha de reeleição de Bolsonaro. É comum a participação deles em eventos de campanha e reuniões da equipe para traçar estratégias. Também integram a comitiva que acompanha o presidente aos debates na TV. Fabio Faria também já foi visto na mansão alugada pelo PL no Lago Sul, área nobre da capital do país, para servir de QG exclusivo para a equipe de campanha.

Renato Ribeiro de Almeida, advogado e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, explica que ministros, assim como qualquer funcionário público, precisa cumprir o expediente e executar as atividades do cargo em qualquer período do ano. O não afastamento do funcionário e sua atuação em campanha pode até mesmo configurar abuso de poder político.

– Entendo que isso constitui a conduta vedada dos agentes públicos. O ministro de Estado, já que optou por não se licenciar, não ser exonerado, tem que cumprir expediente, fazer os trabalhos. Portanto, não pode ficar participando de ato exclusivamente de campanha o tempo todo e tem que agir como os outros funcionários públicos. Isso pode, além da conduta vedada, configurar abuso do poder político.

No dia 14 de setembro, uma quarta-feira, ainda durante o primeiro turno, Bolsonaro desembarcou em Natal para eventos de campanha. No aeroporto, foi recepcionado por Fábio Faria. O estado é reduto eleitoral do ministro. Neste dia, Bolsonaro participou de motociatas e subiu pelo menos em dois palanques ao lado do ministro para pedir votos. Em um dos discursos, seu trabalho à frente da pasta chegou a ser enaltecido pelo chefe do Executivo.

A agenda cumprida neste dia ao lado do presidente foi compartilhada nas redes sociais do ministro. Nos registros, é possível ver Bolsonaro discursando nos dois palanques ao lado de Faria. A agenda oficial do ministro, no entanto, registra apenas uma entrevista como compromisso para a data. No dia seguinte, ele participou de um seminário sobre o 5G, um dos principais ativos de sua pasta.

No dia 19 de setembro do mesmo mês, foi a vez do ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, participar de uma agenda de campanha. Dessa vez, estava acompanhado do candidato a vice-presidente de Bolsonaro, Braga Netto.

Pelas redes sociais, o candidato compartilhou uma foto ao lado do ministro na Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base e afirmou que os dois conversaram com representantes do setor sobre “demandas, oportunidades e possibilidades de aperfeiçoamento das políticas de incremento do setor, previstas no plano de governo” para um eventual segundo mandato. O encontro consta na agenda oficial do ministro.

Somente nesta semana, em ao menos dois eventos da pasta, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, abordou temas em alta na campanha eleitoral.

Na segunda-feira, durante evento sobre o Dia Nacional de Vacinação, sem relação com o tema, Queiroga afirmou que era importante afirmar que o governo é contra o aborto. Nesta quarta, o ministro voltou a tocar no assunto durante o lançamento de uma iniciativa da pasta para ampliar o acesso à reconstrução mamária para mulheres com diagnóstico de câncer.

— Se o governo tem compromisso com as famílias, significa que o governo tem compromisso com a vida. E o compromisso com a vida começa desde a concepção. Aproveitamos sempre para deixar bem claro e para que ninguém tenha dúvida que esse governo é contra o aborto — afirmou.

Após o evento ao ser questionado sobre se suas declarações podem descumprir leis eleitorais, Queiroga minimizou:

— Essa questão de vedação eleitoral é com a Justiça Eleitoral. O que nós estamos fazendo aqui é anunciar políticas públicas do interesse da população brasileira.

No mesmo dia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em evento do setor de portos, o Brasil Export, também tocou em assuntos ligados à campanha eleitoral. Mencionou, por exemplo, que falar de “picanha e cerveja” é falta de “noção do que aconteceu”. A fala é uma referência a declarações do ex-presidente Lula (PT).

— Fica aí falando de picanha e cerveja, não tem noção do que aconteceu (…) Tem gente sonhando com a mediocridade anterior.

O Globo