Novo vai expulsar Amoedo por apoiar Lula

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Foto: Alexandre Cassiano/O Globo

Fundador do Novo e ex-candidato a Presidente da República pelo partido, o empresário João Amoêdo está prestes a ser expulso da legenda que criou.

Embora oficialmente o Novo se coloque como oposição a Bolsonaro, o partido suspendeu a filiação de Amoêdo nesta quinta-feira, como punição por ele ter declarado apoio a Luiz Inácio Lula da Silva neste segundo turno.

Para Amoêdo, a medida desrespeita o próprio estatuto do partido e demonstra que a sigla se tornou linha auxiliar de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Em entrevista à equipe do blog, o ex-presidenciável, que vem acumulando divergências com lideranças da legenda, acusa o correligionário e governador reeleito de Minas Gerais Romeu Zema de colocar seus interesses à frente dos valores do Novo.

“Zema fez muito mais por Bolsonaro neste segundo turno do que pelo (presidenciável do Novo) Felipe D’Ávila e os candidatos do Novo no primeiro. Como um governador de Minas Gerais reeleito no primeiro turno não elege um deputado?”, dispara Amoêdo.

Leia abaixo a entrevista completa.

O senhor teve a filiação suspensa pelo Novo e está ameaçado de expulsão por declarar voto em Lula no domingo, embora o partido tenha liberado os filiados no segundo turno. Por quê?

É uma situação muito ruim. O estatuto do Novo prevê a defesa do Estado de Direito, a liberdade de expressão e a defesa da democracia. Tão logo terminou o primeiro turno, o partido divulgou uma nota afirmando que não se posicionaria pelo PT contrariar os valores do Novo, mas ressaltou que os filiados poderiam fazer seu voto conforme sua consciência. E eu, obviamente, declarei meu voto. Expliquei que não concordo com as ideias e práticas do PT, mas que achava muito importante nesse momento a defesa da democracia.

Como se chegou a esse ponto?

Houve uma reação muito grande do presidente do Novo (Eduardo Ribeiro) contra mim. Nessa última semana, incluíram três integrantes novos na Comissão de Ética Partidária, que passou de quatro para sete membros, e avaliaram a denúncia com esses membros que haviam acabado de entrar. Três dos quatro votos contra mim foram desses membros que acabaram de tomar posse. Havia uma ordem da parte dos mandatários que essa decisão fosse tomada antes de domingo. Ou seja, antes da eleição.

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E por quê?

No meu entender, é claro que o objetivo é constranger os outros filiados do Novo que votarão no Lula e gostariam de declarar seu voto, e não vão fazê-lo porque o partido mostrou que quem declarar voto será perseguido, terá sua filiação suspensa. Quando fundamos o Novo, seria inadmissível imaginar um filiado expulso ou suspenso por se posicionar em um segundo turno polarizado, sem um candidato da legenda. O estatuto prevê que a posição do partido não pode ser obrigatória para todos os membros, apenas para candidatos e dirigentes partidários, o que não é o meu caso.

Ou seja, mesmo se o partido tivesse apoiado Bolsonaro formalmente um membro do Novo não poderia ser expulso se declarasse voto em Lula?

Exatamente, desde que não fosse um candidato ou dirigente. Aliás, o Novo tem uma resolução em vigor desde 2021 na qual se posicionou como oposição a Bolsonaro, e fui suspenso por declarar um voto de oposição a ele. Mas o governador Zema, um dos que assinaram o pedido pelo meu afastamento e expulsão, foi nomeado coordenador da campanha do Bolsonaro em Minas. E o partido não encontrou nenhuma irregularidade nisso, apesar da resolução e de ele ter sido candidato nesta eleição.

Em entrevista ao Estadão nesta semana, Zema declarou que o senhor se assemelha muito mais ao PT do que ao Novo.

Nessa mesma entrevista ele disse que o Novo não se tornou bolsonarista, mas infelizmente a realidade está demonstrando o contrário. Estamos vendo membros do Novo, como o prefeito de Joinville (Adriano Silva), colocando o número 22 no peito e fazendo campanha pesada pelo Bolsonaro. Não só, mas também não aceitando que haja filiados que pensem de forma diferente. Infelizmente, o desenho de hoje é que o Novo se tornou uma linha auxiliar do bolsonarismo.

Em todo o primeiro turno, Zema sempre disse apoiar o candidato do Novo, Felipe D’Ávila.

O Zema fez muito mais por Bolsonaro neste segundo turno do que pelo Felipe D’Ávila e os candidatos do Novo no primeiro turno. Prova disso é que o partido não elegeu nenhum deputado federal em Minas. O Felipe foi usado para criar uma sensação de neutralidade, para que o Zema pudesse angariar votos de lulistas e bolsonaristas e pudesse mergulhar de cabeça na campanha do Bolsonaro no segundo turno.

Por que você acha que um governador de Minas Gerais reeleito no primeiro turno não elege um deputado? É porque ele não associa a imagem dele à instituição, isso está muito claro. O Novo perdeu 60% da bancada, tanto no nível federal quanto estadual, mesmo com a participação nos debates para presidente e governador e tempo de TV, o que não tivemos em 2018. Só outro partido teve uma perda acima de 50%: o PTB. Isso deveria ser um alerta para a direção partidária entender que algo precisa ser revisto.

Lula recebeu voto crítico de liberais renomados como Armínio Fraga, Pérsio Arida, Henrique Meirelles e Elena Landau. O que a reação do partido ao seu posicionamento diz sobre o Novo de 2022?

Acho que os interesses eleitorais de mandatários do Novo, entre eles o Zema, passaram a preponderar sobre a atuação ideológica e partidária do partido. Como fundador do Novo, minha preocupação sempre foi defender os pilares e a imagem da sigla como instituição. E isso acabava sendo um obstáculo a quem queria ter no Novo apenas uma legenda. Esse processo vem acontecendo há dois anos e fez com que o partido perdesse eleitores, filiados e sua própria identidade.

Por isso desisti da candidatura no ano passado. Identifiquei no Novo que não havia interesse de mandatários e do presidente do partido de ter uma candidatura competitiva.

Em 2018, quando o senhor disputou a presidência, Zema teve uma ascensão meteórica nas pesquisas na reta final do primeiro turno após pedir voto em Bolsonaro no debate da Globo. Foi o ovo da serpente?

Em 2018, tudo era muito corrido na campanha, mas fiquei sabendo que o pessoal (do partido em Minas) publicava “aqui em Minas, 17:30”, como se fosse cinco e meia da tarde, mas era 17 (número do PSL, então partido de Bolsonaro) para presidente e 30 (número do Novo) para governador. Em nome da instituição, depois que o Zema foi eleito, fui várias vezes a Minas ajudá-lo para que ele pudesse ter o melhor time técnico possível.

Há quatro anos, o senhor também declarou voto em Bolsonaro, mas no segundo turno. Também reiterou o apoio ao governo antes da pandemia. Diante de um ambiente tão conflagrado no partido, o que lhe motivou a declarar voto em Lula?

A pauta mudou. Em 2018, era contra a corrupção, em defesa da ética. Naquele cenário era inadmissível votar no PT. Eu votei contra o PT. O Paulo Guedes tinha uma proposta de governo mais liberal. Embora considerasse difícil que o Bolsonaro comprasse a pauta liberal, achava justo que se fizesse essa aposta. Em 2020, Bolsonaro escancarou seu negacionismo e o aparelhamento da máquina pública, o que foi denunciado pelo (Sérgio) Moro. Em abril daquele ano eu já defendia o impeachment do Bolsonaro.

Neste ano, eu quero um campo democrático para defender minhas diferenças, o que eu acho que não haverá com Bolsonaro. Nesse quadro, migrei de um voto nulo para um voto no PT. Prefiro ter Lula, de quem discordo frontalmente, eleito do que alguém autoritário, que impõe suas vontades acima das instituições. Tenho várias críticas, mas Lula é uma pessoa de instituição. Integrou um sindicato, montou um partido político ao qual está filiado até hoje. Claro que é bom ser bem acompanhado nesta decisão. Ajuda ver os pais do plano Real, economistas respeitados na mesma linha. Mas faria de qualquer forma esse posicionamento.

O senhor menciona a defesa da democracia como ponto crucial para não anular o voto. Nesta semana, o deputado Vinicius Poit, que concorreu ao governo paulista pelo Novo, foi acusado de golpismo por defender o adiamento do segundo turno. O que o senhor achou disso?

Um completo absurdo. Em um primeiro momento, evitei fazer uma crítica clara a ele porque sempre sou acusado de criticar mandatários. No momento em que já podíamos imaginar que a denúncia do Bolsonaro quanto às inserções de rádio seguia o mesmo roteiro da tese de fraude das urnas eletrônicas e serviria apenas para desviar a atenção do caso Roberto Jefferson, esse posicionamento ou é muita inocência e ignorância ou má fé. Qualquer uma das hipóteses para quem ocupou a posição que teve, concorrendo ao governo de São Paulo pelo partido, é inaceitável.

O Globo