Pesquisas sempre acertam mais no 2o turno
Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
A taxa de correspondência entre as pesquisas de intenções de voto e os resultados aferidos nas urnas é historicamente maior no segundo turno do que no primeiro. As sondagens de opinião pública não têm como objetivo prever o que vai acontecer, mas, na maioria das vezes, são capazes de coincidir com os dados da apuração em eleições que têm uma segunda rodada de votação. As razões passam pelo aumento do grau de consolidação das escolhas dos eleitores e por ajustes feitos pelos próprios institutos após o primeiro turno.
Datafolha e Ipec (ex-Ibope), por exemplo, apontaram todos os placares para o segundo turno das eleições presidenciais desde 2002, considerando as margens de erro. Na véspera da votação de 2018 entre Jair Bolsonaro (então no PSL, hoje no PL) e Fernando Haddad (PT), o Datafolha indicava 55% dos votos válidos para Bolsonaro, contra 45% do candidato petista. Foi exatamente o resultado anunciado no dia seguinte pela Justiça Eleitoral. O Ibope registrava na véspera 54% dos votos válidos para o agora candidato à reeleição e 46% para o ex-prefeito de São Paulo.
Em 20 anos, a maior divergência entre os percentuais de uma pesquisa presidencial e o resultado do segundo turno foi de apenas três pontos percentuais. Aconteceu com o Datafolha divulgado no dia anterior à disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra (PSDB), em 2002. O instituto indicava 64% dos votos para o petista, que teve 61% nas urnas. A pesquisa da véspera registrou 36% das intenções de voto no tucano, que teve 39% na votação oficial. Pela margem de erro, de dois pontos percentuais para mais ou menos, mesmo nesse caso o saldo da apuração ficou dentro do cenário estimado pelo Datafolha.
De acordo com o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe, uma das razões para haver no segundo turno uma menor discrepância entre as pesquisas e os resultados da apuração é o fato de que os eleitores chegam a essa etapa final da eleição já com uma bagagem maior de informações, o que contribui para uma ideia mais consolidada sobre os dois finalistas.
— Há uma simplificação do processo decisório no segundo turno, já que a disputa passa a ter uma lógica binária. Deixa de existir aquela possibilidade de voto útil ou voto estratégico de quando existem várias opções, como no primeiro turno. Mesmo aqueles que votaram em candidatos que ficaram fora da disputa final, eles em grande medida já chegam às vésperas do pleito com uma ideia bem definida, é um processo muito mais estável — diz Lavareda.
Os institutos também passam a ter maior capacidade de controlar suas amostras e a efetuar eventuais ponderações depois do primeiro turno. As empresas avaliam, por exemplo, a taxa de abstenção verificada na primeira votação para tentar evitar um quadro irreal em seus novos levantamentos.
O próprio resultado da primeira votação torna-se o principal filtro de qualidade para as pesquisas. Se as respostas sobre o voto no primeiro turno não coincidirem com o que de fato foi aferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), liga-se um alerta de que a amostra não está devidamente balanceada.
As empresas que fazem pesquisas adotam outros filtros antes do primeiro turno, como a correspondência das respostas obtidas a respeito da votação anterior — no caso, a de 2018. Mas nem todos se lembram em quem votaram quatro anos atrás, ou mentem sobre terem ido às urnas quando na verdade faltaram à seção eleitoral, como destaca Raphael Nishimura, diretor de amostragem da Universidade de Michigan.
— Há uma correlação maior entre as respostas de agora com o voto no primeiro turno da mesma eleição. Quando se compara com uma eleição passada, pode haver um certo erro de mensuração porque nem sempre as pessoas reportam comportamentos que refletem o que de fato aconteceu. Além dos que se esquecem em quem votaram, há uma tendência de as pessoas super-reportarem votos no candidato que venceu. E também há os que mentem sobre terem ido votar, porque há um viés de desejabilidade social nesse ponto. As pessoas têm dificuldades para admitir que deixaram de cumprir com o dever cívico de ir votar — explica Nishimura, que é integrante da Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (AAPOR).
A taxa de correspondência entre as respostas dadas a pesquisadores e os votos depositados nas urnas no segundo turno também é alta para as eleições estaduais. Nas votações decisivas de 2018, por exemplo, Datafolha e Ipec indicaram corretamente as vitórias de Wilson Witzel (ex-PSC), Romeu Zema (Novo) e Ibaneis Rocha (MDB) no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Distrito Federal, respectivamente.
Para a eleição de São Paulo, que teve como adversários João Doria (ex-PSDB) e Márcio França (PSB), os institutos também indicaram corretamente que havia uma disputa apertada. Ambos registraram cenário de empate técnico na véspera: Doria tinha 49% no Datafolha e 50% no Ipec, enquanto França marcava 51% e 50%, respectivamente. No dia seguinte, os eleitores paulistas elegeram Doria com 52% dos votos válidos, contra 48% do adversário. Os percentuais ficaram dentro da margem de erro estimada pelos institutos de pesquisas.
As empresas de opinião pública foram contestadas neste ano depois de os resultados divulgados nas vésperas do primeiro turno se distanciarem dos números registrados nas urnas eletrônicas. As divergências se deram especialmente em relação à votação do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro. O Ipec dava 37% dos votos válidos para o atual presidente, enquanto o Datafolha indicava 36%. Bolsonaro teve 43,2% dos votos válidos no dia 2 de outubro.
Representantes do Ipec e do Datafolha depois avaliaram que decisões de última hora e a migração de eleitores de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) no dia da votação podem ter influenciado na mudança de cenário. A análise converge com a do professor da Universidade de Bristol e cientista político Lucas de Abreu Maia, que pesquisou as discrepâncias entre pesquisas eleitorais e os resultados oficiais em todos os pleitos desde a redemocratização:
— As pesquisas de primeiro turno tendem a superestimar o primeiro colocado e a subestimar o segundo. Isso acontece, aparentemente, porque o terceiro colocado tende a ‘murchar’ na hora que o eleitor de fato vai à urna. No segundo turno não há um terceiro nome, então fica muito mais fácil de medir a preferência do eleitor, para quem também fica mais fácil de decidir.
Sob alegações de que os institutos “erraram“, foi desencadeada uma série de atos contra as pesquisas eleitorais depois do primeiro turno. A Câmara aprovou urgência para votar projetos que propõem a criminalização dos levantamentos, o que pode provocar um ‘apagão’ de dados. Foram também pedidas investigações contra as empresas, iniciativas que depois foram barradas pelo TSE.
Para Raphael Nishimura, uma das consequências dessa ofensiva contra os institutos pode ser a de cada vez menos pessoas se disporem a responder a sondagens de opinião pública. Nesse sentido, o risco é maior entre os eleitores de Bolsonaro, um dos principais patrocinadores da campanha contra as pesquisas.