População desconfia do “semipresidencialismo”

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Foto: Felipe Menezes/Metrópoles

Diante as crises políticas e institucionais enfrentadas no país, há quem defenda que o modelo do presidencialismo de coalizão, que vigora hoje, é ineficaz. Nessa terça-feira (18/10), um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados aprovou a instalação de um plebiscito para que o sistema de semipresidencialismo seja discutido e avance. Especialistas, no entanto, ressaltam que a medida pode ser nova e até mesmo não convincente, desanimadora e até causar desconfiança na maioria da população.

A instalação da nova ordem é defendida pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que já demonstrou interesse em pautar o projeto em plenário para as eleições de 2030. Segundo Lira, o projeto servirá para diminuir a “instabilidade crônica” que, segundo ele, o país enfrenta há muito tempo. A adoção desse sistema é defendida por nomes relevantes da política nacional, como é o caso do ex-presidente da República Michel Temer (MDB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.

De acordo com o cientista político Magno Karl será necessário um trabalho de esclarecimento por parte do Legislativo e defensores da medida para que a mesma seja adotada pela sociedade.

“Os defensores do semipresidencialismo precisarão fazer um trabalho de esclarecimento e convencimento para que a vitória da mudança do sistema político seja viável em caso de consulta à população. Há um risco real de o semipresidencialismo ser visto como um processo elitista, que retira poderes de decisão, da escolha direta do chefe de governo, por exemplo, das mãos da população”, justifica Karl.
A proposta aprovada nesta terça (18/10) prevê que seja feito um plebiscito por meio de decreto legislativo. Desta forma, caberia ao TSE, nos seis meses que antecedem a consulta, divulgar os principais pontos do semipresidencialismo nos veículos de comunicação: eleição popular do presidente, primeiro-ministro com apoio de maioria parlamentar e distinção entre chefia de Estado e de governo.

O doutor em Direito do Estado pela PUC-SP, Guilherme Amorim, alega que a proposta é “inconstitucional”: “Ela pode ser considerada inconstitucional porque ela abala o núcleo do artigo segundo da constituição brasileira, que deve preservar a harmonia e independência entre os poderes”.

“A partir do momento em que você diz que um presidente eleito pode indicar o novo primeiro-ministro para ser referendado pelo Congresso Nacional para formar um novo gabinete de acordo com o parlamento, você está deixando claro que o Congresso, ou seja, o parlamento passa a participar mais ativamente dos negócios da decisão do Poder Executivo. Então, a harmonia e independência entre os poderes, tal como originariamente previsto na Constituição Federal, sofre uma mudança importante”, explica.

Ainda segundo Karl, seria necessário um plano de longo prazo para conseguir mais protagonismo político. Isso porque, um sistema semipresidencialista daria mais poder ao Congresso. O poder Executivo não teria apenas o presidente da República tomando decisões. Ele dividiria o poder com um primeiro-ministro, indicado pelo presidente, que seria o chefe de governo, com poder de indicar ministros e chefiá-los.

“O Congresso, que recentemente tem adquirido mais poderes e mais centralidade, por exemplo, na execução orçamentária, pode capturar um pouco mais de espaço que hoje é cativo do Poder Executivo. As eleições para o Legislativo também deverão receber mais atenção e importância do que recebem hoje e é provável que as plataformas partidárias também passassem a ser mais centrais no debate público do que são atualmente”, avalia Magno.

Amorim cita duas proposições que configuram a medida ilegítima:

“O artigo 2º da Constituição Brasileira dispõe que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” e a disposição do artigo 60, §4º, III da Carta reveste o conteúdo do artigo 2º de imutabilidade própria das cláusulas pétreas. Isto significa que há clara vedação material ao legislador constituinte derivado no que diz respeito a propor Projeto de Emenda Constitucional com vistas a alterar a correlação funcional de forças existentes entre os poderes constituídos da República, ainda que com consulta plebiscitária posterior”.

“O constituinte originário, ao formular a Constituição de 1988, previu a realização de plebiscito, em 1993 para que a população definisse a forma (república ou monarquia constitucional) e sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo) conforme previsão do 2º do ADCT. Ocorrido o plebiscito em 1993 e vencido o presidencialismo, a referida norma constitucional teve sua eficácia exaurida, e, portanto, não possui mais aplicabilidade fática”.

O projeto que prevê a adoção de um semipresidencialismo no Brasil foi aprovado em votação simbólica, na terça-feira (18/10), por um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados. O texto, de autoria do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), começa agora a tramitar na Casa, podendo passar por comissões e pelo plenário.

Atualmente, é adotado no país o modelo presidencialista, em que o presidente da República é eleito pelo voto popular e concentra os papéis de chefe de Estado. No semipresidencialismo, essa eleição seria mantida, mas também seria escolhido um primeiro-ministro pelo bloco que formasse a maioria no parlamento. Assim, as duas figuras iriam dividir atribuições.

O modelo ainda permitiria que o presidente sofresse impeachment, e, em uma possível crise no governo, o primeiro-ministro poderia ser substituído pelo mesmo Parlamento que o escolheu. Mas os parlamentares teriam um limite para promover trocas desse tipo.

Metrópoles