PT se divide sobre carta a evangélicos
Foto: Ricardo Stuckert
A proposta de divulgar uma versão da famosa Carta aos Brasileiros de 2003, só que voltada para o público evangélico, ganhou força nos últimos dias no QG da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência.
Ao contrário do que Lula disse na última quinta-feira (6) – quando declarou que o PT “não precisa ficar fazendo carta” a diferentes setores da sociedade –, o documento já tem até rascunho.
No documento, o petista vai apresentar seus compromissos com o segmento, de forma a tentar diminuir a rejeição dessa fatia do eleitorado.
A coordenação da campanha de Lula, no entanto, ainda tem dúvidas sobre o melhor timing para divulgar o documento.
Parte dos aliados do ex-presidente considera que divulgar a carta logo no início do segundo turno pode ser muito prematuro e poderia perder impacto até o final do segundo turno, em 30 de outubro.
Segundo essa tese, o ideal seria liberar o documento o mais próximo possível do dia da votação, para que a mensagem não se perca e repercuta mais num momento decisivo na formação da convicção de voto.
O movimento ainda ajudaria a neutralizar um eventual recrudescimento das fake news contra Lula, que costumam ganhar mais força perto do dia a eleição, segundo levantamentos internos da campanha petista.
Outra ala, da qual participam integrantes do núcleo evangélico, defende que a divulgação de um documento assumindo compromissos com o segmento deveria ocorrer o quanto antes.
Para esse grupo, qualquer momento já será tarde, porque isso deveria ter sido feito ainda na primeira rodada. Lula não venceu no último domingo por apenas 1,57 ponto percentual.
Um pastor com influência sobre a campanha petista afirmou à equipe do blog que o resultado inesperado do primeiro turno “chacoalhou” a equipe de Lula, que agora tenta recuperar o tempo perdido.
Segundo integrantes da campanha lulista, a carta aos evangélicos vai incluir a promessa de que um eventual governo petista não vai defender a “pauta de costumes”.
Ou seja, o PT não vai propor nenhuma mudança na legislação sobre drogas e aborto, porque vai priorizar a agenda econômica, com aumento de renda e geração de emprego para os brasileiros.
A campanha de Lula também pretende destacar no documento que foi o ex-presidente sancionou o Dia Nacional do Evangélico (comemorado em 30 de novembro) e criou o Dia Nacional da Marcha Para Jesus.
Em setembro de 2009, Lula sancionou o dia da Marcha para Jesus em uma cerimônia que reuniu representantes da Igreja Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra e Igreja Batista.
A carta aos evangélicos deve destacar que o número de igrejas evangélicas se multiplicou entre 2003 e 2016, nos governos Lula e Dilma.
Dirá, ainda, que foi a diplomacia de seus governos que possibilitou a expansão de denominações evangélicas como a Universal no exterior, em países como Angola e África do Sul.
Sobre isso, já há até um vídeo gravado em que Lula conta ajudou na expansão dessas igrejas no exterior. O maior exemplo dessa internacionalização foi a Universal, que teve pastores expulsos de Angola sob a acusação de lavar dinheiro no país africano, como mostramos em julho de 2021.
Outra pauta que interlocutores do segmento evangélico e membros do PT querem ver incluída no documento é a promessa de não intervenção do Estado na criação de crianças pelos seus responsáveis. O tema é levantado constantemente por pastores bolsonaristas como uma ameaça em um eventual governo Lula.
Esses pastores recorrem frequentemente a fake news como a de que um governo petista ajudaria a disseminar a chamada “ideologia de gênero” ou implementar banheiros unissex em escolas.
Durante o primeiro turno, a campanha do candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad (PT), assinou uma carta similar à articulada agora pela campanha de Lula, em que o candidato garantia que não incluiria garantia de não interferir na liberdade de criação de crianças.
Apesar de todo o esforço para aproximar Lula do segmento evangélico, os aliados de Lula não aprovaram a divulgação de um vídeo de campanha gravado durante uma agenda de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), com pastores em São Gonçalo (RJ), no início de setembro.
No vídeo, lideranças e fiéis argumentam que Lula é o candidato mais próximo aos valores cristãos.
Porém, a forma como a peça foi divulgada não fez parte de um aceno planejado aos evangélicos, e sim de uma reação apressada de defesa de Lula, após uma fake news disseminada por bolsonaristas que o relacionava ao satanismo.
Redes lulistas também retrucaram ligando Jair Bolsonaro à maçonaria, organização muitas vezes retratada como satânica ou incompatível com a fé por pentecostais e neopentecostais.
“Essa estratégia do PT de não acenar ao evangélico e se concentrar na pauta econômica é um equívoco. Não vão sensibilizar esse eleitor. A agenda do bolsonarismo e as igrejas evangélicas que o apoiam são quase que complementares”, critica uma articuladora do PT para o segmento evangélico. “Está faltando os estudiosos do PT entenderem que o Brasil está transicionando para uma nação evangélica”.
Atualmente, a campanha de Jair Bolsonaro trabalha com a estimativa de que os evangélicos já compõem quase 40% da população brasileira, em torno de 85 milhões de pessoas. Lideranças aliadas ao PT compartilham da mesma projeção. No último censo do IBGE, divulgado em 2010, eram 42 milhões, ou 22% dos brasileiros.