Abílio Diniz agora aposta no governo Lula

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Foto: Ana Paula Paiva/Valor

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já fez dois gols de placa desde que ganhou as eleições. O primeiro foi indicar o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), para comandar a equipe de transição do governo petista. E, o outro, foi nesta semana, ao entrar em campo pessoalmente para colocar o Brasil de volta ao protagonismo das discussões ambientais na COP27, no Egito. “Não há dúvida nenhuma que a questão climática é prioridade mundial. Acho que o Lula fez um golaço agora indo para essa conferência no Egito”, diz o empresário Abilio Diniz, um dos maiores acionistas globais da rede varejista francesa Carrefour e fundador da gestora Península.

Abilio Diniz vê o ambiente pós-eleição ainda tenso, com os atos golpistas nas ruas e as discussões para a aprovação da PEC da Transição.

“Com o tempo, a tensão [nas ruas] vai diminuir. É preciso tocar as questões mais positivas do que negativas. A [discussão] da PEC tem de ser resolvida”, afirma. Ele acredita que a equipe de transição do governo petista chegará a um acordo com o Congresso sobre o tema.

Assim como o mercado financeiro, Abilio Diniz também está atento aos futuros nomes que deverão ocupar os ministérios, sobretudo o da Economia.

“Que período do PT vem agora? Isso assusta muita gente porque teve uma fase muito ruim [do governo petista]. Mas tenho certeza absoluta que o Lula não vai cometer os mesmos erros”, afirma o empresário, referindo-se à política econômica adotada pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Ele entende que o futuro governo terá uma agenda mais voltada para os programas sociais, mas acredita que Lula respeitará o compromisso fiscal. “Não existe incompatibilidade entre econômico e o social”, diz.

O empresário, que não declarou seu voto, evita fazer críticas à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Para ele, contudo, o presidente petista vai melhorar a gestão nas áreas de educação, meio ambiente e relações exteriores, além de avançar nos programas de saúde pública. “Aprendi ao longo da vida que não se briga com o governo. Desde a redemocratização, sempre ajudei todos os presidentes.”

Abilio Diniz também evita falar sobre a atual polêmica da viagem de Lula ao Egito, que pegou carona no jato do empresário José Seripieri Filho, dono da empresa QSaúde. “Não quero fazer julgamentos.”

Para o fundador da gestora Península, os investidores estrangeiros vão voltar a fazer investimentos no país e o Brasil continuará na rota de crescimento em 2023. “Sou muito otimista. Acho que a pandemia, apesar de todo o sofrimento com as mortes, trouxe uma lição para o mundo, que é a solidariedade, e colocou em foco as questões sociais.”

No fim de julho, o empresário sofreu um forte baque com a morte de seu filho João Paulo Diniz, aos 58 anos. “Eu não podia imaginar que, nesta vida, existisse uma dor tão forte.” A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Quais são suas expectativas para o governo Lula?

Abilio Diniz: Com o novo governo, não tenho dúvida que eles vão fazer algumas coisas que ficaram para trás na atual gestão. Acredito que haverá melhorias nas áreas de educação, meio ambiente, relações exteriores e avanços na saúde. Acredito na importância de reforçar o ensino básico e fundamental. Os jovens precisam começar a se alfabetizar bem na base. Também é preciso cuidar da capacitação dos professores. Temos de discutir questões climáticas com empenho. Na saúde, demos um show na pandemia com o Sistema Único de Saúde (SUS), mas tem coisas que precisam ser melhoradas ainda.

Valor: O senhor está otimista em relação ao crescimento econômico em 2023?

Abilio: Apesar do nosso economista sênior da O3 [gestora da Península] dizer que um otimista é um pessimista mal informado, eu continuo otimista com o Brasil. Quando se fala em economia atualmente, o Brasil tem surpreendido o mundo. Nós caímos pouco na pandemia em 2020, subimos razoavelmente em 2021 e vamos crescer este ano ao redor de 3%. É preciso comparar o Brasil com o resto do mundo. Se olharmos para outros países em três blocos, vemos a China ainda incerta, lutando muito com a questão da covid-19 e “lockdowns”, uma Europa muito estagnada, com um grande medo de recessão, com uma inflação extremamente alta e subindo a taxa de juros, e os Estados Unidos também subindo taxa de juros, com inflação alta e medo da recessão. Nós aqui no Brasil devemos fechar o ano com uma inflação de 6%, ainda com taxa de juros alta, mas com um crescimento de 3%. Portanto, nós estamos bem na área econômica. Quando eu olho para o Brasil, vejo uma base muito boa para o novo governo fazer o país crescer.

“O mercado tem uma fixação pela questão fiscal. O Lula sabe disso. Mas tem um problema muito maior, que é a inflação”

Valor: Mesmo com o cenário externo negativo?

Abilio: Eu posso estar mais pessimista com o mundo pelas razões que já descrevi. Mas o que me faz ficar mais otimista é que, considerando a pandemia que o mundo inteiro enfrentou, com muita gente morrendo, ficou uma mensagem muito importante: o mundo se tornou muito mais solidário. E, com isso, é preciso um olhar para o social mais forte. E isso bate com as ideias do Lula, que terá o país preparado para o crescimento. Não vejo incompatibilidade entre as agendas social e fiscal.

Valor: E dá para conciliar essas duas agendas ao mesmo tempo?

Abilio: O que também me deixa animado, com todo esse tempo que eu tenho na estrada, é que não tenho direito de ser ingênuo. Mas eu tenho uma ideia de que o Lula, no novo governo, talvez pelo sofrimento que ele tenha passado [com a prisão em decorrência dos processos da Lava-Jato], traga uma visão mais importante de como são as coisas, do que ele precisa fazer. No encontro que tivemos com o Lula antes das eleições do primeiro turno [organizado pelo grupo Esfera], eu tive oportunidade de falar depois da fala do [ex-ministro] Aloizio Mercadante, que fez um discurso sobre a área econômica. Eu perguntei se ele tinha virado um liberal. Foi uma fala diferente do que a gente sempre ouviu.

Valor: Como o senhor avalia a escolha da equipe de transição de economia do futuro governo?

Abilio: O Lula ter indicado Geraldo Alckmin para comandar a equipe de transição foi um gol de placa. Estou vendo o Geraldo vivendo os melhores momentos de sua vida. Ele tem uma habilidade política extraordinária. Ele tem sido um grande articulador nesta transição e está indo muito bem. Um dos economistas da equipe de transição, Persio Arida, defende a ideia de mais abertura do Brasil. À medida que o país se abre para importações, diminui tarifas e automaticamente tem maior facilidade para exportar. Podemos ter uma relação com o restante do mundo muito melhor e compensar esse contexto externo que não é favorável.

Valor: Com a vitória de Lula, os investidores internacionais colocarão mais dinheiro no país?

Abilio: Não tem dúvida nenhuma que a questão climática é prioridade mundial. Acho que o Lula fez um golaço agora indo para essa conferência da COP27, no Egito. Ter um melhor ambiente externo, claro que ajuda. Mas no final do dia, o capital é capital e olha retorno. O Brasil é extremamente atraente para investimentos. Também precisamos de segurança política e jurídica, além da reforma tributária urgente, e da reforma administrativa para tornar o Brasil mais eficiente. Neste momento, contudo, é preciso diminuir essa tensão [atos golpistas e discussão da PEC da Transição].

Valor: Como essas questões deveriam ser conduzidas?

Abilio: Com o tempo, essa tensão [nas ruas] vai diminuir. É preciso tocar em questões mais positivas do que negativas. O próprio Lula tem de falar que é o presidente de todos os brasileiros. O que também diminuiria a tensão é definir a PEC da Transição, que trata dos gastos do governo. Essa PEC tem de ser resolvida.

Valor: O mercado tem reagido mal nos últimos dias, com a bolsa em queda e dólar em alta.

Abilio: O mercado tem uma fixação pela questão fiscal. O Lula sabe disso. Mas tem um problema muito maior, que é a inflação. Posso estar errado, mas acredito que a discussão da PEC terminará logo, de maneira equilibrada, o que vai dar para o governo Lula uma certa tranquilidade.

Valor: Mas há uma preocupação sobre os nomes que vão compor a equipe do governo e um temor sobre a indicação de quadros históricos do PT para cargos-chave.

Abilio: Não só o mercado, mas todos estão atentos para o que acontece no Brasil, inclusive eu. O que vem agora? Que período do PT [vai compor o futuro governo]? E isso assusta muita gente porque teve um período muito ruim, mas não acredito que vão cometer os erros do passado. Tenho certeza absoluta que o Lula não vai repetir. Não existe incompatibilidade entre econômico e o social.

Valor: Quais foram os erros do passado?

Abilio: Tivemos 14 anos de gestão do PT, com dois mandatos do Lula e quase seis anos da presidente Dilma Rousseff, que não foram homogêneos. Tem muita coisa boa, principalmente no primeiro mandato de Lula, e tem coisas ruins. Os anos de 2015 e 2016 foram muito ruins. Houve momentos em que o PT errou na direção da política econômica, principalmente. Tivemos dois anos de recessão muito forte e demoramos muito tempo para sair dela.

“Todos querem saber quem serão os nomes da Economia, mas o mercado precisa saber que ninguém faz nada sozinho”

Valor: Na campanha eleitoral, o presidente Bolsonaro bateu fortemente na gestão petista, abordando os temas de corrupção e intervenção do governo petista na política de preços da Petrobras.

Abilio: Não vou entrar nas discussões de campanha nem de um nem de outro. O meu partido é o Brasil. Eu sempre, desde a redemocratização do país, tenho estado junto de todos os governos. Eu passei dez anos no Conselho Monetário Nacional (CMN), voltado mais para Brasília do que para os meus negócios, e também aprendi que não se briga com o governo. Se quiser colaborar, ajude quem está lá. Se você ficar brigando durante quatro anos ou oito anos, você não faz nada pelo país. Não vou entrar nesta questão de campanha e corrupção porque não quero fazer julgamento. Eu escolho as minhas brigas. Mesmo durante o governo Bolsonaro, eu procurei ajudar na área econômica, discutindo com o ministro Paulo Guedes no que eu poderia ajudar. Não entrei em discussões sobre o meio ambiente e educação, por exemplo.

Valor: Como tem sido sua reaproximação com o Lula?

Abilio: Eu conheço o Lula há 40 anos. Eu o acompanhei no governo dele, o ajudei na eleição de Dilma. Eu tenho falado com ele, não tanto quanto eu gostaria, mas tenho falado. Acho que ele tem tudo para fazer um bom governo. Acho que a economia e o social não são incompatíveis. Isso é fundamental. Terminada a discussão da PEC, que está gerando tensão, vão surgir os nomes dos ministérios. Espero que Lula componha os quadros não só com a Frente Ampla que o apoiou, mas que contemple todos os setores da política brasileira e da sociedade, que dê conforto, mas que seja equilibrado. Está todo mundo querendo saber quem serão os nomes da Economia, mas o mercado precisa saber que ninguém faz nada sozinho. A gente sabe que o governo vai precisar da ajuda do Congresso.

Valor: O setor agrícola ainda está muito resistente ao governo petista.

Abilio: Eu estive durante cinco anos e meio no agronegócio como presidente do conselho de administração da BRF. Aprendi muito e conheci regiões do Brasil que eu não conhecia. Tenho muito orgulho do agronegócio brasileiro, que é eficiente, moderno, extraordinário. Não vamos perder a eficiência no agro. Eu tenho certeza de que ninguém do governo vai querer matar a galinha dos ovos de ouro. Vai ser dada a atenção para o setor Não vejo a necessidade de desmatar para crescer. Não há necessidade disso. Há espaço para crescer. Inclusive, meu filho Pedro Paulo está estudando muito a questão da agrofloresta. Eu não vejo preocupação. O que precisa é um diálogo. Que as pessoas do agronegócio se coloquem na discussão. Eles precisam do governo e o governo também precisa deles.

Valor: Nos últimos dias, os ministros do Supremo Tribunal Federal foram alvo de bolsonaristas. Como o senhor avalia o papel do Judiciário e essas críticas?

Abilio: O Judiciário é o Judiciário. Eles que têm de julgar. Espero que eles julguem pela balança, pelo livro, não por questões políticas.

Valor: O presidente Lula também foi alvo de críticas por pegar carona no jato do empresário José Seripieri Filho para ir para o Egito. Como o senhor avalia essa questão?

Abilio: É difícil. Eu não gosto de fazer julgamentos.

Valor: A Península vai manter os investimentos em 2023?

Abilio: Nós não somos uma fábrica, somos uma empresa financeira, de investimentos. Estou fazendo um programa na CNN Brasil e tenho falado com empresários e banqueiros. Tudo mundo é esperançoso. O Brasil está barato. Temos ativos não só em bolsa, mas de capital fechado, com preços atraentes. A Península está olhando para isso. Crise é sinal de oportunidade.

Valor: Quais os setores que vocês estão avaliando?

Abilio: Nós não temos um foco muito específico. Temos expertise em varejo, somos o principal acionista do Carrefour global. Uma coisa importante da minha característica é que eu sempre pensei que a principal função do empresário é tocar bem a sua empresa, gerar receita e empregos, além, de pagar seus impostos. Quando sai do Grupo Pão de Açúcar (GPA) [empresa fundada pela família do empresário], a gente tinha 160 mil pessoas trabalhando. No Carrefour, temos 150 mil pessoas. O foco é gerar cada vez mais emprego para os brasileiros. O que olhamos para investir com mais atenção são os setores de varejo, tecnologia, saúde e educação.

Valor: A Península tem interesse em fazer investimentos no GPA?

Abilio: Todo mundo me faz essa pergunta. O GPA é um ativo muito importante, mas estou no Carrefour e sou um dos maiores acionistas globais. Não posso colocar o pé em duas canoas. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também não permitiria. No Carrefour, eu tenho uma visão não só do Brasil, mas também global. Saímos da China e Taiwan, estamos nos concentrando na Europa. Temos uma visão clara da Europa. A preocupação das empresas e pessoas lá é com energia, os custos aumentaram depois da guerra da Ucrânia. Enquanto estiver aqui, quero aprender. Estou muito feliz no Carrefour.

Valor: O senhor passou por um momento muito delicado, que foi a perda de seu filho recentemente. Como tem superado essa fase difícil de sua vida?

Abilio: Eu não podia imaginar que nesta vida existisse uma dor tão forte. Nunca. Morrer faz parte da vida. Mas ter uma inversão da curva, onde os mais velhos não são os primeiros… Ele não era só o meu filho, era meu melhor amigo e companheiro. Ele tinha filhos da idade dos meus pequenos. Foi um baque muito forte. Em um primeiro momento, você quer arrumar um cantinho e sentar lá. Tenho cinco filhos – os dois menores têm 13 e 16 anos. Acho que é uma covardia eu parar de existir. Eu tenho de ser forte e continuar. E quero continuar e fazer coisas pelo meu país. O João Paulo fazia muita coisa pelo esporte. Eu preciso me reinventar, faltou um pedaço de mim. Mesmo sem esse pedaço, eu tenho de continuar.

Valor: Como o senhor tem acompanhado as discussões atuais sobre etarismo?

Abilio: Um dos meus propósitos é a longevidade. Eu gosto do que eu faço, gosto da minha vida. Eu tive essa pancada. Se Deus quiser, vou conseguir superar. Também gosto dos meus negócios. Eu quero viver enquanto eu puder. Por isso, faço esporte e cuido da minha cabeça. Sou cobaia de mim mesmo.

Valor: O senhor também tem sido muito ativo nas redes sociais.

Abilio: Nem sempre o propósito da gente é o mesmo a vida inteira. Há muitos anos, contudo, meu objetivo é ser feliz, aprender e compartilhar. Já escrevi dois livros, faço muita palestra. Durante a pandemia, fiz mais de 70 “lives”. Dou aula na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e tenho um programa na CNN Brasil. Com meu aprendizado, dá para passar adiante a minha experiência. E um dos meus valores é a disciplina.

Valor Econômico