Agentes da PRF dizem que cúpula fez “corpo mole”

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Foto: Fabiano Rocha/O Globo

A demora da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em desmobilizar os bloqueios golpistas em 21 unidades federativas, que travaram diversas rodovias pelo Brasil e já provocaram uma morte, despertou um profundo desconforto dentro da corporação.

Segundo integrantes da instituição ouvidos sob reserva, a alta cúpula da PRF já havia sido informada pelo setor de inteligência de que poderia haver mobilização de bolsonaristas nas estradas em caso de vitória de Lula.

A equipe do blog teve acesso a trocas de mensagens em grupos de policiais da corporação cujo teor indica que uma reação de apoiadores de Bolsonaro era conhecida pelo menos desde a semana passada.

Uma delas reproduz um vídeo que circulou em grupos da PRF no dia 24, seis dias antes do segundo turno, e que trazia a seguinte legenda: “Atenção: caminhoneiros fazem convocação! 30 de outubro 22 (sic) vamos aguardar o resultado na beira das BRs”.

Estas mesmas fontes afirmam que o setor de inteligência da corporação havia identificado a mobilização, que era de conhecimento de boa parte dos agentes às vésperas da eleição.

De acordo com esses depoimentos, a PRF não teria se programado para a crise com a antecedência de praxe, como ocorreu em episódios similares no passado – como por exemplo da greve de caminhoneiros de 2018 ou até mesmo a operação que parou veículos nas estradas brasileiras durante o segundo turno.

A única explicação possível para a falha, que vem sendo extensivamente discutida nos mesmos grupos de policiais nos últimos dias, é a ingerência política na corporação.

A morosidade na desobstrução das vias causou perplexidade em Brasília, a ponto do Supremo Tribunal Federal (STF) determinar que a polícia cumprisse sua função de pôr fim aos bloqueios sob pena de multa e até prisão do diretor-geral, Silvinei Marques, apadrinhado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

O diretor da PRF chegou até a pedir voto para Bolsonaro em suas redes sociais no sábado (29), véspera do segundo turno, mas apagou a publicação após a repercussão na imprensa.

Um dos exemplos práticos de como a ingerência política pode ter afetado a reação aos bloqueios é o fato da tropa de choque da corporação, time crucial em paralisações desta natureza, não ter sido convocada ou mesmo mantida de prontidão.

Nós apuramos que essas equipes recebem treinamentos semestrais, são definidas previamente e mantidas de sobreaviso pela PRF justamente para agir em caso de necessidade, o que não ocorreu nesse caso. Também houve demora na convocação de reforços.

A lentidão contrasta com o aparato de peso observado em rodovias de todo o país, em especial no Nordeste, durante a votação no último domingo para, supostamente, fiscalizar veículos irregulares.

A operação convocou policiais de folga e exigiu uma grande articulação com as superintendências da PRF, ao contrário do que se viu antes do STF entrar em cena.

“Não é corpo mole, é uma verdadeira omissão”, resume um agente em posição de liderança na corporação, sob anonimato.

Por não ter realizado uma ação preventiva, afirmam os críticos, a cúpula da polícia permitiu que os bloqueios causassem grandes aglomerações, tornando difícil a dispersão dos manifestantes.

Operações de campo, como as que apuram as lideranças envolvidas para poder identificar a raiz do movimento e desmobilizá-lo, ficaram prejudicadas..

Com isso, bolsonaristas encontraram um cenário propício para a organização de bloqueios sólidos e com grande capacidade de transtorno.

Como agravante, a falta de uma força de choque e de reforços também expôs agentes da PRF que estavam nas estradas e que se viram em menor número diante de uma multidão revoltada com o resultado eleitoral.

“É nítida a conivência da alta cúpula da PRF com o bloqueio e a negligência na resposta”, se recorda um ex-agente experiente da PF. “A PRF tem know-how (experiência) para esse tipo de situação. Na greve dos caminhoneiros em 2018, o Exército não quis se envolver e a PF se escondeu. A PRF foi fundamental para desbloquear as vias naquela ocasião”.

“Se existe esse know-how, por que nada foi feito? Daí vem a desconfiança de uma total falta de seriedade”.

Diante da dificuldade de conter os bloqueios, os próprios policiais passaram a gravar vídeos relatando a situação, que circularam nos grupos de WhatsApp. Em um deles, um agente no meio da multidão se exaspera e diz: “Presidente Bolsonaro, não seja irresponsável! Pelo amor de Deus, fale para esse povo sair daqui e respeitar a Justiça!”.

Nós procuramos a assessoria da PRF no fim da noite desta terça-feira (1) para questionar se a cúpula da corporação recebeu informes de inteligência indicando uma mobilização anterior ao segundo turno em caso de derrota de Bolsonaro. O espaço segue aberto em caso de resposta.

O Globo