Boulos quer enquadrar bolsonarismo na lei

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Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi vencido nas urnas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o bolsonarismo ainda está articulado — e essa será uma das lutas do próximo governo nos próximos quatro anos. A análise é do deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSol-SP), integrante do governo de transição no setorial para as Cidades. Segundo o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a bancada radical de apoiadores do atual governo se manteve praticamente a mesma no Congresso para a próxima legislatura, mas será preciso um enorme esforço de informação e cultural junto à sociedade para desfazer a herança deixada pelo atual presidente.

“Derrotamos Bolsonaro, mas a tarefa de derrotar o bolsonarismo, o caldo da extrema-direita na sociedade, segue vivo. O bolsonarismo trouxe para o centro da agenda pautas de intolerância, de ódio, do cada um por si, de indiferença. O combate ao bolsonarismo vai se dar, também, no campo cultural”, avalia.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

O que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode esperar de um Congresso mais conservador?
Nossa eleição com mais de um milhão de votos, em São Paulo, foi simbólica por ficar à frente do filho do Bolsonaro (Eduardo, PL-SP) e ao mostrar um espaço de renovação e de fortalecimento da esquerda brasileira. Várias lideranças da esquerda conseguiram esse espaço. Quem corroeu no Parlamento o centro democrático não foi o bolsonarismo, foi o Centrão. Se você pegar a bancada do PL, com 99 deputados, menos de 1/3 é de bolsonaristas ideológicos. Me refiro àqueles que são contra a vacina, os que defendem ditadura, os que defendem torturador, aqueles que acreditam na terra plana. Essa bancada se manteve, não saiu maior. A maior parte da bancada do PL é do Centrão.

O bolsonarismo ficou maior que o Bolsonaro?
Bolsonaro teve o mérito de organizar um grupo de extrema-direita enraizado na sociedade. Não foi por acaso a votação expressiva, a ida ao segundo turno, a disputa palmo a palmo. Mas Bolsonaro nunca governou o Brasil, não atuou como presidente. Ele mobiliza os seus para fazer essa guerra ideológica, uma guerra cultural que organizou esse caldo de extrema-direita na sociedade. E continuará existindo como força de oposição ao Lula.

E as manifestações contrárias ao resultado da eleição?
Quem exalta e pretende uma saída golpista para o Brasil não reconhece o resultado das eleições e estimula golpe militar, está cometendo crime contra a democracia. É fundamental que o Ministério Público e o Judiciário saibam quem financia isso. Essas pessoas e seus financiadores têm que responder no banco dos réus.

Em 2003, Lula buscava uma frente de apoio ampla. Nessa época, petistas divergiram disso e fundaram o PSol. Há esse risco agora?
Com todos os problemas que representava o governo Fernando Henrique Cardoso, não tinha uma ameaça de uma extrema-direita pairando no Brasil. Lula vai ter que fazer um governo de reconstrução. Precisamos relembrar algumas coisas: tivemos um golpe em 2016, vivemos quatro anos de um governo Bolsonaro, que ameaçou diariamente o básico das liberdades democráticas. Esse é o cenário do Brasil agora, de reconstruir um país devastado. Não é o mesmo de 2003.

O bolsonarismo não foi derrotado?
Vencemos nas urnas e é sempre importante valorizar isso. A vitória de Lula significou uma vitória contra o uso abusivo da máquina, contra uma máquina de fake news, contra o abuso do poder econômico. Derrotamos Bolsonaro, mas a tarefa de derrotar o bolsonarismo, o caldo da extrema-direita na sociedade, segue vivo. (O enfrentamento) vai ser feito no Parlamento, no governo, nas ruas, na organização da sociedade, na disputa cultural e ideológica. O bolsonarismo trouxe para o centro da agenda pautas de intolerância, de ódio, do cada um por si, de indiferença. O combate ao bolsonarismo vai se dar, também, no campo cultural.

Os setores mais liberais serão convencidos da pauta social?
Nossa briga são as pautas que consideramos essenciais: combate à desigualdade; retomada do investimento público no Brasil; revogação do teto de gastos; reforma trabalhista; reforma tributária que envolva não só a isenção de imposto de renda de quem ganha menos de R$ 5 mil, mas, também, de forma compensatória a taxação de grandes fortunas de lucros e dividendos; alterar o perfil do sistema tributário, que taxa muito o consumo e pouco as altas rendas e patrimônios — isso é uma excrescência, precisa ser modificado.

O que esperar da sua atuação na Câmara?
O foco que quero ter é o combate às desigualdades. O Brasil é um país rico, mas que carrega uma das maiores desigualdades do planeta. Assim, um dos focos é ajudar a construir um novo programa de moradia para o país e é claro que o combate à fome é emergencial. Fizemos por meio do movimento social dezenas de cozinhas solidárias pelo país, articuladas com a agricultura familiar, que serviram mais de um milhão de refeições para pessoas com fome. No parlamento, quero ajudar a construir uma política nacional de cozinhas solidárias, de combate à fome, como parte de um esforço nacional de diminuição das desigualdades. Política de combate à fome, política de moradia popular e perspectiva de geração de emprego e renda — esses são os carros-chefes no combate à desigualdade.

Correio Braziliense