Caminhoneiros bolsonaristas falaram em “guerra civil”

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Os grupos de extrema-direita no Telegram intensificaram as convocações a caminhoneiros na reta final das eleições. As mensagens se intensificaram desde derrota de Jair Bolsonaro (PL), com o discurso de que a categoria precisa se mobilizar para deixar clara a insatisfação com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência.

As convocações, por escrito ou em vídeos, a que a Folha teve acesso, dizem que o Brasil não pode ser “entregue ao comunismo” e pedem uma mobilização dos caminhoneiros, “amigos do agronegócio” e até da população para parar as estradas, especialmente em São Paulo.

Um dos vídeos compartilhados no Telegram mostra o empresário Emilio Dalçoquio, de Santa Catarina, fazendo um discurso dentro de um bar em praia Brava, no município de Itajaí (SC). Apoiador de Bolsonaro, Dalçoquio é conhecido no setor de transporte e participou da greve dos caminhoneiros em 2018.

“Não é eu, são vocês, o brasileiro. Pela primeira, o brasileiro está expondo: eu não aceito o comunismo. Vamos aguardar as próximas horas, e já vê quem tem caminhoneiro amigo, do agronegócio. Por enquanto, pacificamente. Agora vai ficar no coração de cada aceitar o Brasil ser comunista ou não. Eu não aceito.”

O recinto está tomado por famílias, inclusive mulheres com crianças, e em coro os presentes respondem “eu também não.”

A reportagem da Folha identificou o mesmo vídeo em postagem no Instagram.

Em outra filmagem, o candidato a deputado pelo PTB de São Paulo Jurandyr Alencar fala em “inevitável guerra civil” e pede a colaboração da pessoas para fechar as principais rodovias do estado de São Paulo.

“Os caminhoneiros no Paraná, em Mato Grosso, em outras regiões já começaram a parar. A guerra civil, ela é inevitável. Que nós teremos perdas e mortes isto daí é lógico, é óbvio, até que o Exército entre para tomar conta disso. Existem coisas para acontecer amanhã no movimento, só que nós temos que ir para rua”, afirma na postagem.

“Uma das ideias. Parar, em primeiro, lugar Anchieta e Imigrantes. Não desce nada, não sobe nada. Isso já vai causar um caos em toda zona sul de São Paulo, e aí vai começar a fazer a diferença. Fechar a saída de Dutra e Ayrton Senna para Rio de janeiro e interior de São Paulo. Não entra nada e não sai nada. No caso da Raposo Tavares e Régis Bittencourt. É outras paradas que a gente tem de fazer.”

Alencar ainda alerta que não bastam caminhoneiros, e pede apoio da população.

“Falta gente, falta pessoas para fazer volume. Não adianta colocar só caminhões, tem que haver pessoas fazendo volume. Então, procurem se deslocar para perto das regiões das casas de vocês.”

O monitoramento de grupos de extrema direita faz parte da pesquisa “Democracia digital —análise dos ecossistemas de desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022”. Neste momento, os pesquisadores acompanham 569 canais e 212 grupos no Telegram.

A rede social tem sido ferramenta frequente de grupos extremistas. No ano passado, integrantes do grupo bolsonarista B38 afirmavam planejar carreatas em diversas cidades pelo país, para os atos de raiz golpista do 7 de Setembro, mobilizados pelo presidente, como mostrou reportagem da Folha.

A troca de mensagens foi intensa na reta final do pleito. Em outubro, foram trocadas mais de 2 milhões de mensagens nos canais e grupos que fazem parte da amostra, o dobro do registrado em setembro, mês em que as atividades já tinha ganhando impulso por causa do 7 de Setembro.

Na sexta-feira (29), convocações a caminhoneiros já estavam entre as mensagens mais compartilhadas no grupos que são monitorados. Nas horas que se seguiram ao resultado da eleição, novos grupos começaram a compartilhar mensagens instigando mobilizações contra Lula.

“O tempo todo, aparecem vídeos e imagens incitando o golpismo”, afirma Leonardo Nascimento, um dos coordenadores da pesquisa, da UFBA (Universidade Federal da Bahia), “E muito provável que grupos organizados, ainda que minoritários, tentem alguma coisa.”

Na avaliação de Nascimento, a postura dúbia do presidente faz parte do contexto de instabilidade desse tipo de manifestação.

“Bolsonaro opera sobre uma dupla política, no jogo de idas e vindas”, explica o pesquisador. “O tempo todo, ele oscila entre a moderação, que é a obediência às regras, e o golpismo, que é a meta política contestatória do jogo eleitoral.”

De acordo com o pesquisador, a duplicidade é uma estratégia. “Ele precisa satisfazer diferentes interesses, que incluem desde atender segmentos institucionais que acreditam na vitória pelo voto, a interesses de uma margem de eleitores mais radicalizados que acreditam em golpe”, diz Nascimento.

A reportagem tentou falar com Dalçóquio na empresa de transportes da família e em uma ONG que ele comanda em Santa Catarina, mas não obteve retorno.

Folha