COP-27: Lula falará sobre fome
Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert
Em seu aguardado discurso nesta quarta-feira, na conferência ambiental da ONU (COP 27) em Sharm El Sheik, no litoral do Egito, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deve dizer que segurança alimentar e segurança climática estão conectadas – e que é preciso enfrentar a crise do clima de modo a combater a pobreza e a fome. Cobrará também liderança, mais ambição e solidariedade real dos países mais responsáveis pela emergência climática aos mais vulneráveis e sem recursos.
“Minha vinda aqui [no Egito] é para mostrar ao povo brasileiro, ao mundo, que o Brasil está de volta ao cenário mundial para discutir clima, economia, desigualdade, desemprego, porque vamos melhorar a vida das pessoas. E nessa questão do clima, com muita humildade, o Brasil pode ser um país muito importante nas decisões que o mundo vai tomar daqui pra frente”, afirmou nesta terça-feira o presidente a jornalistas.
“Não abriremos mão da soberania da Amazônia, mas queremos compartilhar uma saída para que o mundo viva melhor a partir daquilo que a Amazônia tem a oferecer para o mundo”, disse.
Em sua fala nesta quarta, o presidente eleito deve lembrar os eventos extremos que atingiram o Brasil, como a seca prolongada e as chuvas violentas que castigaram Belo Horizonte, Petrópolis e o Recife. Mencionará que o país, terceiro maior produtor de alimentos do mundo, precisa adotar medidas urgentes de adaptação.
Segundo interlocutores do presidente eleito ouvidos pelo Valor, Lula pode citar sua própria experiência de vida, de ter passado fome e vivido impactado pela seca. “Esses elementos é que o identificam com muita gente no mundo”, diz uma fonte.
Lula mencionará estudos da ONU divulgados recentemente mostrando que o mundo não está no caminho de garantir os compromissos do Acordo de Paris e que é preciso liberar financiamento para os mais vulneráveis. Deve dizer ainda que o debate de perdas e danos não pode mais ser adiado. O tópico é um dos mais importantes da COP africana, continente que emite apenas 4% das emissões globais e sofre severamente com os impactos da crise climática.
Espera-se que Lula reafirme compromissos já expressos no discurso em que celebrou sua vitória nas eleições presidenciais, como o combate às ilegalidades, o objetivo de zerar o desmatamento e a recuperação de áreas degradadas. Em sua meta climática divulgada em 2015, o Brasil indicou o objetivo de restaurar 12 milhões de hectares de florestas. Ele também deve mencionar que abrirá espaço para a fala – e irá escutar – de povos indígenas, cientistas, empresários, jovens – sob as lentes da justiça climática e de combate ao racismo ambiental.
Lula deve repetir em Sharm el-Sheikh o que falou na Avenida Paulista, em 31 de outubro – que quer tirar o Brasil do mapa da fome. Na COP 27 ele dirá que fará isso colocando o país e a economia no trilho do baixo carbono.
O Brasil viveu durante o governo Bolsonaro um isolamento diplomático provocado sobretudo pela política ambiental de sua gestão, marcada pelo avanço do desmatamento. O país inclusive abriu mão de sediar a COP 25, em 2019, que teve que ser deslocada para o Chile. Lula deve usar a visita à COP27 para reposicionar o Brasil na diplomacia climática e sinalizar uma retomada do compromisso ambiental.
Lula chegou a Sharm El Sheik, na madrugada da terça-feira e deve permanecer no Egito até dia 18. Ele teve encontros bilaterais a portas fechadas com o enviado do governo americano, John Kerry, e com o representante do governo da China, Xie Zhen Hua. De acordo com a assessoria de Lula, nos encontros com Kerry e Xie o presidente eleito reiterou sua intenção de levar o Brasil de volta às conversas sobre meio ambiente e questões globais sem negacionismo sobre o aquecimento do planeta provocado pela ação humana. O enviado climático do presidente Joe Biden foi o primeiro funcionário do alto escalão do governo americano a se encontrar oficialmente com o petista desde a vitória no segundo turno em 30 de outubro.
O encontro de Lula com Kerry foi preparado por uma série de aliados desde que a conferência começou no dia 6. A ex-ministra do Meio Ambiente (2003-2008) e deputada federal eleita (Rede-SP) Marina Silva havia se reunido com Kerry. Marina é uma das mais cotadas para assumir a pasta, junto com outra de suas ex-ocupantes, Izabella Teixeira (2010-2016), que está na COP27 como conselheira da presidência egípcia e co-presidente do Painel de Recursos Naturais da ONU. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), outro nome de peso, desembarcou no fim de semana.
Lula também conversou por telefone com o presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi, que o convidou oficialmente para a conferência no balneário às margens do Mar Vermelho, e cedeu hospedagem para o petista em uma residência oficial. Hoje ele se encontra com Frans Timmermans, comissário climático da União Europeia.
Na comitiva do presidente eleito, que viajou no avião do empresário José Seripieri Júnior, da área da saúde privada, estão o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a futura primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. A locomoção do presidente eleito provocou polêmica. Advogados especialistas em ética pública manifestaram estranheza por Lula aceitar um favor de um empresário em seu primeiro grande compromisso internacional. Segundo Flavio Pansieri, fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional, “não existe ilícito civil ou penal na conduta do presidente eleito, mas seria importante nesse momento de formação de governo agir com prudência e cautela. Na expectativa de uma nova gestão é fundamental evitar quaisquer conflitos de interesse em especial no período de transição”, diz. Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, “trata-se de um ato totalmente ilógico e incoerente de um futuro presidente da República”. A especialista em Direito Público diz que o uso de jato privado para compromisso de um futuro chefe de Estado implica em “descaso” com a ética.
O presidente eleito terá uma agenda com os governadores da região amazônica na quarta, quando receberá do grupo uma carta de agenda comum para a transição climática. Estão no Egito Helder Barbalho (MDB-PA), Gladson Cameli (PP-AC), Marcos Rocha (União Brasil-RO), Mauro Mendes (União Brasil-MT) e Wanderlei Barbosa (Republicanos).
Na quinta, o petista participará de um evento no Brazil Climate Action Hub e terá um encontro com povos indígenas e originários. Uma das promessas do presidente eleito é criar pela primeira vez um Ministério dos Povos Originários, e o nome da deputada eleita Sônia Guajajara (Psol-SP) para comandar a pasta teria sido o primeiro sobre o qual houve acordo no governo de transição.