Cotado para Agricultura flerta com bolsonarismo

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Foto: Reprodução

Uma reunião do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), cotado para ser ministro da Agricultura no futuro governo, com o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, e indígenas simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro irritou integrantes da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Três membros do grupo que discute temas relacionados a povos originários admitiram ao GLOBO, reservadamente, o incômodo com o encontro, ocorrido na última quarta-feira no gabinete do parlamentar.

Fávaro coordena o núcleo da agricultura na transição. Além do presidente da Funai, ele recebeu indígenas parecis, uma das poucas etnias cujos representantes se declaram apoiadores do atual chefe do Executivo. Na ocasião, eles discutiram a produção agrícola em áreas indígenas, pauta identificada com o bolsonarismo, entre outras questões.

Há duas semanas, alguns dos indígenas presentes à reunião participaram de um ato antidemocrático em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília. Um deles chegou a discursar sobre um caminhão de som. O encontro da semana passada não foi divulgado nas redes sociais do senador tampouco na agenda oficial de Xavier. A Funai não respondeu aos questionamentos enviados pelo GLOBO.

Procurado, Fávaro disse que tratou sobre o plantio de soja no território dos parecis, que soma 1,3 milhão de hectares, quase dez vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

— Nada demais. Como estou coordenando a transição do Ministério da Agricultura, eles vieram trazer a preocupação de que isso (plantações de soja em terras indígenas) possa vir a ser inviabilizado com novas políticas públicas (do futuro governo) — disse Fávaro.

Outros membros do governo de transição deixaram claro o incômodo com a agenda de Fávaro, como Kleber Karipuna, coordenador do núcleo de povos originários e integrante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

— Fávaro, infelizmente, está trazendo pautas polêmicas. É algo que vamos ter de enfrentar internamente, seja agora no projeto da transição, seja no próprio governo, a partir do ano que vem — queixou-se Karipuna.

Diferentemente do colega de transição, Karipuna rechaça qualquer possibilidade de abrir diálogo com o presidente da Funai, embora Marcelo Xavier comande o órgão do governo responsável por políticas públicas voltadas aos indígenas.

— Não queremos nem conversa com esse homem. A gente está num processo de reconstrução da política indigenista que Xavier ajuda diariamente a destruir — disse.

As lavouras de soja ficam em cinco terras indígenas — Paresí, Rio Formoso, Utiariti, Irantxe e Tirecatinga — que abrigam 3 mil indígenas espalhados por cerca de 60 aldeias. O cultivo da soja e outros grãos, como feijão e milho, gera um faturamento anual de cerca de R$ 120 milhões.

Essa modalidade de cultivo está permitida no Brasil. Ela é garantida por um termo de ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público Federal e a Funai, já que a legislação prevê limites para a exploração econômica de monoculturas em terras indígenas.

— Vamos respeitar as etnias que não querem produzir, mas a regra em vigor dá direito ao indígena discutir e tomar a iniciativa que ele achar melhor para a sua comunidade — argumenta Fávaro.

Kleber Karipuna, do núcleo de povos originários, sustenta que tal tipo de cultivo é prejudicial às aldeias:

— Essas propostas que o governo Bolsonaro trazia de abrir terras indígenas para grandes produções descaracterizam o modo tradicional de vida indígena. Somos contra.

Ex-presidente da Funai, o antropólogo Márcio Meira, que também integra o grupo técnico dos povos originários na transição, também não vê com bons olhos a discussão sobre a plantação de soja nas reservas.

— Pode configurar arrendamento da terra indígena, porque a soja colhida nas terras indígenas entra no mercado e é exportada por não-indígenas — diz Meira.

O tema da exploração econômica por indígenas dentro de territórios demarcados já suscitou conflitos entre povos da mesma etnia. Em maio, por exemplo, indígenas Kayapó detiveram e fizeram de reféns garimpeiros que exploram uma área protegida no sul do Pará, incentivados pelos próprios indígenas da etnia.

Ligados a uma cooperativa de produtores de soja, a Copihanama, que reúne membros das etnias Paresí, Manoki e Nambikwara em Mato Grosso, os parecis apoiam Bolsonaro desde 2019.

O Globo