Deputados LGBTs só se elegem em regiões ricas

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Foto: Adriana Toffetti/Ato Press/Agência

O eleitorado dos cinco deputados federais da comunidade LGBTQIAP+ escolhidos pelos brasileiros em outubro nas urnas se concentra nas regiões mais ricas dos estados. Mapeamento feito pelo GLOBO com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que as dez zonas eleitorais onde eles conquistaram votação mais expressiva têm alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Os candidatos analisados são Erika Hilton (PSOL-SP), Duda Salabert (PDT-MG), Natalia Bonavides (PT-RN), Dandara (PT-MG) e Clodoaldo Magalhães (PV-PE).

Uma das explicações para esse cenário, de acordo com especialistas, seria a maior conscientização a respeito da agenda identitária nas áreas mais ricas.

— É preciso que seja um voto tolerante e há uma tendência que isso ocorra nos locais em que há mais universidades, paradas LGBT e uma maior mobilização social — afirma Evorah Cardoso, doutora em Sociologia Jurídica pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Organização Não Governamental #VoteLGBT.

Mapa dos votos — Foto: Infoglobo

Isso explicaria a segmentação do voto dado a Érika Hilton, segunda parlamentar da esquerda com mais votos de São Paulo e a primeira mulher trans e negra a integrar o Congresso Nacional. Érika Hilton colheu seus maiores frutos em bairros nobres da capital paulista, tais como Bela Vista, Água Branca, Pinheiros, Itaim Bibi e Saúde.

Esse cenário se repetiu a mais de 580 quilômetros de distância, em Belo Horizonte. Na capital mineira, a também futura deputada federal trans Duda Salabert teve seu melhor desempenho em zonas eleitorais localizadas no bairro de Lourdes, conhecido por ser o distrito com o maior IDH da cidade: 0,955, apenas um pouco menor do que o de países nórdicos, como a Noruega.

Também em Minas, Dandara concentrou ao menos 40,6% dos votos em Osvaldo Rezende no município de Uberlândia. As demais zonas eleitorais em que teve bom desempenho estão localizadas em áreas centrais desenvolvidas, como no caso de Itajubá, que tem o melhor IDH do Sul de Minas.

Já no Rio Grande do Norte, Natália Bonavides foi reeleita com ao menos 22,3% dos eleitores originários do bairro nobre de Tirol, em Natal, distrito conhecido por ter o maior IDH capital — 0,948.

Dos eleitos, o que obteve o desempenho mais popular foi Clodoaldo Magalhães, que conquistou suas maiores votações em centros de municípios pobres como Água Preta e Rio Formoso. No entanto, proporcionalmente, Pernambuco possui um menor IDH em comparação com os estados do Sudeste. Magalhães é autor da lei aprovada na Assembleia Legislativa que assegura a doação de sangue aos homossexuais.

De acordo com dados da #VoteLGBT, 34 candidaturas LGBTQIAP+ — 10,7% dos 319 postulantes — tiveram um desempenho competitivo e receberam votos o suficiente para serem eleitas, mas não entraram devido ao quociente eleitoral. Em dez casos, os LGBTQIAP+ não eleitos receberam mais votos que o último colocado a garantir uma vaga.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO alertam para a desigualdade de recursos recebidos por essas candidaturas.

— Os obstáculos são, principalmente os partidos políticos que perpassam pela LGBTfobia institucional. Precisamos de critérios públicos para que os recursos sejam direcionados. Mas, para isso, precisamos provar que existimos, pois não temos dados oficiais. A Justiça Eleitoral precisa perguntar aos candidatos sobre sua orientação sexual — diz Evorah.

Ela também destaca que a forma mais barata de realizar campanha atualmente é pela internet, e que os candidatos nem sempre conseguem entrar nas áreas dominadas pelo tráfico ou pela milícia.

Cientista política e mestre pela PUC-SP, Juliana Fratinia também ressalta a dificuldade no cenário atual:

— Precisamos lembrar como a sociedade brasileira foi constituída, por homens brancos de alto poder aquisitivo. Todo o resto não participou do processo político, o que torna mais difícil de quebrar a barreira.

O Globo