Fala golpista de Braga Netto gera preocupação

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo

A declaração de Braga Netto, que foi gravada, foi imediatamente recebida nas redes pró-Bolsonaro como um recado implícito aos apelos por uma virada de mesa eleitoral ecoados em protestos golpistas na porta de quarteis Brasil afora.

“Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”, disse Braga Netto aos militantes que permaneciam na entrada da Alvorada com adereços alusivos à bandeira do Brasil.

“A gente está na chuva, no sufoco”, interpelou uma bolsonarista com a voz embargada, tentando segurar o choro. “Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”, completou o ex-vice de Bolsonaro.

Foi o suficiente para que Braga Netto figurasse entre os tópicos mais discutidos no Twitter nesta sexta-feira, em que as instabilidades na rede social em função de demissões em massa nos Estados Unidos dominaram a rede.

No canal mantido pelo site bolsonarista Jornal da Cidade Online no Telegram, que conta com 34 mil seguidores, o padrão se repete. “A mensagem foi dada”, afirma a mensagem acompanhada do link para o vídeo da fala de Braga Netto.

A lista reproduziu mensagens no mesmo tom.

“General faz sua declaração mais impactante e estremece as bases de Brasília. O clima de tensão domina Brasília”, diz uma mensagem disparada na noite desta sexta-feira na lista, em referência a uma publicação do deputado federal General Girão (PL-RN) nas redes atacando o Supremo Tribunal Federal.

Pela manhã, o destaque foi uma reunião interna do Exército que, na verdade, ocorreu nos dias 8 e 9 discutiu assuntos burocráticos da instituição, segundo o site da corporação. “Exército realiza nova reunião em Brasília, desta vez com os adjuntos de comando. Forças se organizam e se preparam”, diz o trecho destacado no Telegram.

A fala do general é mais uma da longa lista de demonstrações de atores importantes do bolsonarismo feitas desde o segundo turno que, embora pareçam despretensiosas, funcionam como “dog whistle” (apito de cachorro) – expressão popularizada nos Estados Unidos que define mensagens cifradas e interpretadas devidamente apenas pelo seu grupo alvo.

A estratégia é manter pairando no ar a ideia de que uma reviravolta iminente no resultado eleitoral está no horizonte – em outras palavras, que algo imponderável ainda vai impedir Luiz Inácio Lula da Silva de tomar posse em janeiro.

As teses para sustentar esses boatos sem qualquer fundamento vão desde a anulação das eleições até a possibilidade de uma intervenção inconstitucional das Forças Armadas, como têm clamado bolsonaristas nas ruas.

São vários os exemplos nas redes sociais, de deputados aliados a ministros, além do próprio presidente.

No último dia 8, véspera da divulgação do relatório das Forças Armadas sobre a segurança das urnas eletrônicas, Jair Bolsonaro publicou sem qualquer legenda uma foto em que aparece diante de apoiadores na convenção que o consagrou candidato à reeleição no Rio, em agosto.

O ângulo do registro mostra o presidente em postura obediente diante de militantes com os braços erguidos e punhos cerrados. Mais de 400 mil usuários curtiram a publicação que, até a publicação desta reportagem, era a mais recente em seu perfil.

No mesmo dia, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) reproduziu parte do controverso relatório técnico sobre as urnas contratado pelo PL e já desmentido pela Justiça Eleitoral. Na sequência, sem citar o Brasil, publicou uma notícia sobre o cancelamento de um pleito municipal na Alemanha.

“Eleição de 2021 anulada na Alemanha. Nova eleição com os mesmos candidatos deve ocorrer em 90 dias”, escreveu o filho do presidente. O tweet teve mais de 35 mil curtidas.

Também no dia 8, o candidato derrotado ao governo do Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL), publicou um versículo bíblico que também foi encarado como um aceno tácito aos protestos, que evocam a tese de fraude eleitoral sem qualquer prova.

“Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia”, escreveu o ex-ministro de Bolsonaro.

Uma nota divulgada pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas no feriado da Proclamação da República, na última terça-feira, também veio carregada de “dog whistles”.

“A História ensina que pessoas que lutam pela liberdade jamais serão vencidas”, escreveu o general da reserva em referência aos protestos bolsonaristas na porta de quarteis. O trecho também foi reproduzido por Braga Netto.

A mensagem, curtida mais de 150 mil vezes no Twitter, foi festejada. “Traduzindo: sinal verde liberado”, escreveu um apoiador de Bolsonaro na rede social em resposta a Villas Bôas. Outros reproduziram a hashtag #BrazilianSpring, ou primavera brasileira, em referência aos movimentos da Primavera Árabe no início da década passada.

Na mesma data, a deputada federal Bia Kicis (PL-DF) publicou nas suas redes sociais que o PL pediria a anulação das eleições presidenciais, o que não se concretizou. “Não acabou!”, sentenciou a parlamentar bolsonarista.

No dia seguinte, Kicis admitiu que seu partido não entrou com qualquer pedido de cancelamento da disputa eleitoral, mas não deu o braço a torcer. “O prazo vai até dezembro e a versão do relatório ainda não é definitiva. Vamos aguardar um pouco mais. Um relatório que aponte inconsistências graves não poderá fugir a seu destino”, escreveu.

O mecanismo lembra o roteiro adotado por Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos e próximo da família Bolsonaro, após ser derrotado por Joe Biden. Para criar o ambiente necessário para uma contestação e reversão dos resultados, o que levou à invasão do Capitólio, Trump passou a fomentar uma teoria conspiratória conhecida como QAnon, surgida em fóruns no submundo da internet.

Mesmo após a certificação da vitória de Biden pelo Congresso, trumpistas radicais se mantiveram mobilizados aguardando pela “tempestade”, um episódio pivotal no qual Trump insurgiria contra o sistema, mandaria os oponentes para a cadeia e tomaria a presidência de volta – o que, claro, não ocorreu.

Embora o QAnon não tenha sido um produto trumpista, a estratégia do ex-presidente seguiu as diretrizes planejadas por seu ex-estrategista Steve Bannon, com quem Eduardo Bolsonaro mantém vínculos fortes desde a eleição de seu pai, em 2018.

Se por um lado os “dog whistles” não garantiram sucesso à empreitada de Trump nos Estados Unidos, a estratégia elaborada conseguiu macular a confiança no sistema eleitoral entre os apoiadores do republicano e manter a base radical pujante.

Dois anos após o processo, 65% dos eleitores do partido de Trump ainda acreditam que Biden é um presidente ilegítimo, segundo uma pesquisa encomendada pela NBC News e divulgada há menos de um mês.

Em meio a este contexto, Trump se lançou nesta semana candidato à presidência nas eleições de 2024. Em terras brasileiras, Valdemar Costa Neto, o chefão do PL, já lançou Bolsonaro como candidato em 2026.

O Globo