Haddad ganha força para comandar economia

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Foto: Yuri Murakami/TheNews2/Agência O Globo

Quem acompanha os sinais e gestos de Luiz Inácio Lula da Silva nos bastidores é capaz de apostar que o ex-prefeito de São Paulo e ex-candidato a presidente Fernando Haddad (PT) será o próximo ministro da Fazenda.

O problema é que, cada vez que a cotação de Haddad sobe no mundo político, o mercado financeiro se abala. Só na última semana, os juros futuros vencendo em 2024 chegaram a um pico de 15% — a taxa atual é de 13,75% — , num movimento que a Faria Lima atribuiu ao “fator Haddad”.

Isso porque, no mercado, ele é tido como alguém dogmático, arrogante e avesso à disciplina fiscal – uma espécie de “professor de Deus”, imagem com a qual o potencial ministro da Fazenda sempre se incomodou.

A seus interlocutores mais frequentes no mundo financeiro, não foram poucas as vezes que ele reclamou de não ser compreendido e de não ser “nada disso que falam”.

Para pelo menos três gestores com quem conversei nos últimos dias, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP), que durante toda a campanha funcionou como emissário de Lula nas discussões com integrantes do mercado, seria alguém de diálogo mais fácil, igualmente de esquerda, mas “que sabe ouvir”.

Padilha se elegeu deputado federal em outubro e também sempre figura nas listas de possíveis ministros.

Justamente para tentar diminuir as chances de uma eventual confirmação no ministério ser mal recebida e provocar ainda mais alteração no mercado, nos últimos dias, pelo menos três aliados de Haddad no setor financeiro – investidores e gestores de recursos influentes – desencadearam uma “campanha de esclarecimento” a respeito dele

Em uma série de ligações a alguns dos principais formadores de opinião da Faria Lima, esses gestores recorreram a argumentos que o próprio Haddad costuma usar para tentar demonstrar que, se for ele o escolhido, “não será ruim”.

Um desses argumentos é o de que, embora se considere de centro esquerda e seja a favor do ensino público e gratuito, Haddad não se furtou a conceder subsídios às instituições privadas, por meio do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), para ampliar a quantidade de brasileiros no ensino superior de 2,6 milhões de alunos em 2005 para 7 milhões no final de sua gestão, em 2012.

“As pessoas estão presas a noções superficiais, sem analisar como as coisas se deram quando ele exerceu funções públicas”, me disse um dos aliados de Haddad que se empenhou pessoalmente no boca a boca dos últimos dias a favor do petista.

Nas conversas, esses amigos procuraram combater a imagem de arrogância e demonstrar que o preferido de Lula pode ser de esquerda, mas é pragmático – “um cara de metas”, como ele mesmo diz.

Outro aspecto que sempre é ressaltado é que Haddad não pensa como Dilma Rousseff e que, em economia, ele não é da mesma turma de Gleisi Hoffmann ou Aloizio Mercadante – duas figuras que provocam arrepios nos gestores da Faria Lima.

“Ele não se dá bem com Gleisi e tem uma relação difícil com Mercadante”, tem afirmado reservadamente esse gestor.

Outro grande investidor que esteve com Haddad em reuniões fechadas durante a campanha – e que afirma gostar dele – diz que, nos encontros com o mercado, o ex-prefeito e ex-ministro da Educação demonstra interesse pela opinião das pessoas e faz muitas perguntas. Mas reconhece que muitos de seus pares ainda se apavoram com a perspectiva de ter Haddad no comando da economia.

Apesar de toda a resistência, porém, os aliados mais próximos de Lula hoje não têm grandes dúvidas de que Haddad é o favorito para a Fazenda.

Até por isso, nos últimos dias passou a ser muito comentada no petismo a possibilidade de que o economista liberal Persio Arida, ex-presidente do Banco Central e do BNDES no governo Fernando Henrique, seja nomeado para o ministério do Planejamento, como forma de contrabalançar o mau humor do mercado com Haddad.

O sinal mais recente do favoritismo é o fato de que Lula o indicou Haddad para representá-lo no almoço de fim de ano da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, que ocorre nesta sexta-feira em São Paulo.

Lula foi convidado, mas está em repouso por ordens médicas, recuperando-se de uma cirurgia na garganta. Outros petistas, como Alexandre Padilha, também estarão lá. Mas é Haddad quem falará para os 350 convidados da entidade, incluindo os mais importantes banqueiros do Brasil.

Entre os aliados do ex-prefeito paulistano, o evento está sendo considerado uma espécie de teste para ver se ele consegue diminuir as resistências.

Justamente por isso, não se espera que o petista faça declarações muito detalhadas de seus planos para a economia – como por exemplo sobre o tamanho do superávit ou qual seria, para ele, a âncora fiscal ideal.

A ideia é que ele faça um discurso genérico sobre a necessidade de aliar o combate à pobreza e à desigualdade com o respeito à disciplina fiscal, dizendo-se disposto a ouvir e a aceitar a colaboração dos agentes econômicos.

Foi esse o tom adotado pelo próprio Lula ao falar em Lisboa, no final da semana passada, depois de várias falas que assustaram o mercado. “Eu sou um cara muito humilde e gosto de conselho.

Se o conselho for bom, pode ter certeza que eu sigo”, afirmou Lula, em referência a uma carta escrita por economistas liberais que recomendaram a ele seguir regras de responsabilidade fiscal. Haddad acompanhou Lula tanto em Lisboa quanto na etapa anterior, no Egito.

Talvez por isso os petistas digam que o presidente eleito não fez nenhuma recomendação especial sobre o que Haddad deve falar. “Acho que não teve nenhuma orientação explicita”, afirmou um interlocutor muito próximo de ambos. “Lula confia no que ele fala.”

O Globo