Igrejas evangélicas já falam em apoiar Lula
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A derrota do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que tinha o apoio declarado das principais lideranças evangélicas brasileiras, e o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência alimentam divisões na Assembleia de Deus, maior rede de igrejas do país. Após a confirmação do resultado do segundo turno presidencial, pastores e bispos que encabeçam os quatro ramos de maior influência da denominação adotaram posições distintas ou optaram pelo silêncio. Um dos líderes do Ministério de Madureira, o bispo Abner Ferreira minimizou o revés de Bolsonaro em um culto no domingo, embora tenha reiterado seu apoio ao presidente derrotado. Já o pastor Silas Malafaia, um dos aliados mais próximos a Bolsonaro, criticou Lula e a falta de manifestações de outros pastores.
Abner, que encabeça a chamada “igreja-mãe” de Madureira no Rio, se dirigiu aos fiéis no fim do culto, logo após a confirmação da vitória e Lula, e ressaltou que a diferença de votos para Bolsonaro havia sido “menos de um ponto” — a distância, na verdade, foi de 1,8%. Em seguida, orientou o público da igreja a “não cair em provocação”, referindo-se a eventuais discussões por conta do resultado.
— Não adianta ficar discutindo, brigando, fazendo confusão em internet. Isso não leva a nada. O Ministério de Madureira se manteve em sua posição: apoiamos o presidente Jair Bolsonaro, mas você não vai achar um vídeo meu, uma palavra (de conflito), e olha que fui tentado a fazer muitas vezes – disse Abner, antes de descrever sua relação com o candidato do PT. – Porque esse filme eu já vi lá na década de 1990: fiz uma campanha (dizendo) “olha o Satanás, o filho do Diabo, o sapo barbudo, o anticristo”. E depois ele ganhou e eu tive que ficar orando: “Irmãos vamos orar pelo anticristo, orar pelo Satanás, orar pelo diabo”. Eu já vi isso, você acha que vou entrar nisso de novo? Burrice demais é má-fé.
Na história contada aos fiéis, com certa dose de ironia, Abner buscava exemplificar um dos raros discursos que uniram praticamente todas as lideranças evangélicas, das mais vinculadas a Bolsonaro às menos próximas: o ensinamento bíblico de que os cristãos devem sempre “orar pelos governantes”. O lema, quando interpretado ao pé da letra, já foi uma espécie de senha para aproximação entre pastores e o governante da vez em diferentes momentos da história recente, independentemente de clivagens ideológicas ou partidárias.
Hoje, no entanto, lideranças que caminharam mais alinhadas a Bolsonaro ao longo da campanha repetem o ensinamento sem deixar de fazer ataques contundentes a Lula. Malafaia publicou um vídeo, nesta segunda-feira, no qual enumera acusações de corrupção envolvendo gestões petistas e fecha as portas a qualquer aproximação com Lula. Na véspera, o pastor já havia comentado a vitória de Lula com uma citação atribuída ao teólogo João Calvino, um dos responsáveis pela reforma protestante no século XVI, que afirma que os “governantes ímpios” são uma forma de punição divina às nações.
— Você não terá o meu apoio, nem da maioria dos evangélicos. A minha consciência não permite te apoiar. Agora, você pode contar com as minhas orações, porque a Bíblia nos manda interceder pelas autoridades. A minha oração é para que Deus livre o Brasil do caos político, econômico e social – disse Malafaia no vídeo.
Líder do Ministério Vitória em Cristo, Malafaia também fez críticas a líderes evangélicos que, em sua avaliação, estariam “omissos”:
— Não fui covarde, nem omisso. Parabenizo muitos líderes que fizeram a mesma coisa que eu, mas não vou esconder aqui a verdade: lamento que muitos líderes evangélicos tenham sido covardes e omissos. É só você entrar na rede (social) deles para você ver o silêncio – alfinetou.
No momento em que Malafaia publicou sua mensagem, dois dos principais líderes de ramos da Assembleia de Deus ainda não haviam se manifestado sobre a derrota de Bolsonaro: o pastor José Wellington Costa Jr., líder da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), guarda-chuva que reúne diversos ministérios e templos; e o pastor Samuel Câmara, da Assembleia de Deus de Belém do Pará, influente na região Norte do país.
Abner, normalmente mais discreto do que os colegas nas redes sociais, também não tratou do resultado presidencial em seus perfis na internet, mas buscou tranquilizar os fiéis durante o culto de domingo.
— “Meu Deus, o que vai acontecer com a igreja?”. Bom, se a igreja fosse do Bolsonaro ou do Lula eu estava com medo, mas como a igreja é de Jesus… para com isso, irmão! Que conversa é essa? – declarou o bispo. – “Pastor, vai vir perseguição”. Irmão, isso para nós é alguma novidade? Isso é assim mesmo. Vamos continuar pregando o Evangelho, ganhando almas, clamando o batismo do Espírito Santo e a cura divina. Vamos seguir em frente. Quem vai continuar cuidando de mim e de você é Deus, não confie em homem, não. Que fique a lição para a igreja evangélica em nosso país, para não perdermos nosso foco, a nossa missão.
Outras lideranças de igrejas de grande alcance nacional também se manifestaram sobre o resultado eleitoral nesta segunda-feira. O bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, que usou jornais distribuídos gratuitamente a fiéis na campanha para atacar Lula e cristãos que se consideravam de esquerda, pediu a seus seguidores nas redes sociais que não “percam a sua paz por causa de política”. No segundo turno, Macedo chegou a declarar que as urnas mostrariam “quem é o Deus vivo, se é o da esquerda ou o da direita”.
— Veja o que Deus falou para aqueles que creem e para aqueles que zombam ou tentam colocar sua fé para baixo: “o Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis”. Você que me odeia, me inveja, quer minha morte e destruição, espere só um pouquinho e os dias vão dizer para você o que Deus vai falar e vai atender. Você vai ver com quantos paus se faz uma canoa — afirmou Macedo, nesta segunda-feira.