Lula mantém promessa de governo “de centro”
Foto: Ricardo Stuckert/PT
Mal acabou de vencer as eleições mais disputadas da história, o PT não perdeu tempo e já começou a movimentar suas principais peças de olho nos preparativos necessários para assumir o Palácio do Planalto e fazer a acomodação de políticos importantes da ampla rede de apoios na campanha. O primeiro grande passo do novo presidente contempla essas duas prioridades com a escolha do nome do vice, Geraldo Alckmin, para comandar o gabinete de transição. A decisão que confirmou o nome dele como coordenador da comissão de transição foi anunciada na terça 1º, pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Aliados afirmam que o papel ativo do vice de Lula ao longo da campanha junto a setores diversos e estratégicos, incluindo o empresariado e o agronegócio, somado à confiança que o ex-governador conquistou entre a cúpula petista, foi a chave para a batida de martelo.
Gestor experiente, Alckmin tem também traquejo político e, como ex-tucano, sinaliza uma disposição do PT em governar em conjunto com aliados e, de quebra, de fazer gestos concretos em direção ao centro. “A escolha indica que Lula vai buscar se legitimar mais ainda, abrindo-se a mais segmentos”, diz o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da FGV. O grupo que fará a interlocução com o atual governo é integrado ainda por Gleisi e pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, que acompanham de perto as tratativas desde as primeiras horas após a confirmação da vitória de Lula. A primeira reunião dos líderes aconteceu na quinta-feira 3. Do lado oposto, o representante designado para a negociação foi o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Outra frente de trabalho já iniciada envolve as peças encarregadas de fazer a interlocução petista com o novo Congresso — a Legislatura com início em 2023 tem um perfil majoritariamente de parlamentares de direita e que tendem a ser oposição. A configuração, portanto, é vista como um dos entraves ao principal desafio do novo governo, que é negociar o Orçamento. A tarefa ganha um peso significativamente maior diante da necessidade de se firmar um início de governo forte junto ao Legislativo, bem como o de cumprir promessas e bandeiras de campanha de Lula — como Auxílio Brasil e aumento do salário mínimo. No Senado, Wellington Dias (PT-PI) comanda as tratativas e, dando o primeiro passo na missão, reuniu-se, na quinta 3, com o relator-geral do Orçamento de 2023, o senador Marcelo Castro (MDB-PI). Também participam desta frente Aloizio Mercadante, os senadores Jean Paul Prates (RN), Fabiano Contarato (ES) e os deputados federais petistas Reginaldo Lopes (MG), Enio Verri (PR), Rui Falcão (SP) e Paulo Pimenta (RS). “Estamos começando as conversas e temos uma preocupação central, que é a de manter o Auxílio Brasil em 600 reais e o adicional de 150 reais por filho, bem como garantir o aumento real do salário mínimo”, diz Reginaldo Lopes. O deputado afirma ainda que é intenção da base aliada de Lula dar vazão a propostas como o Desenrola, programa de renegociação de dívidas apresentado durante a campanha.
Em paralelo a esse esforço de Wellington Dias no Senado, o deputado José Guimarães (PT-CE) recebeu a incumbência de dialogar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre as principais pautas a serem tratadas no Congresso. Embora ainda seja considerado cedo, líderes petistas afirmam que Lula já está de olho nas articulações para as eleições que definirão as presidências da Câmara e do Senado, que acontecem no início de 2023. Ao que tudo indica, o PT deverá apoiar tanto a reeleição de Lira, na Câmara, quanto a de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado.
A preocupação com o Congresso não é por acaso. Os partidos coligados na chapa de Lula elegeram 122 deputados, longe das 257 cadeiras necessárias para aprovar projetos de lei — emendas constitucionais dependem de 308 votos em dois turnos. Assim, o grupo de Lula mira partidos de centro, como MDB e PSD, com 42 deputados cada, e dissidentes do Centrão. Nem o PSDB está totalmente descartado. Entre os potenciais aliados no Congresso, o MDB é o que larga mais perto de ter um integrante na foto de posse do presidente com seus ministros. Terceira colocada na eleição presidencial e cabo eleitoral de Lula no segundo turno, a senadora Simone Tebet (MS) é vista entre petistas e emedebistas como nome a compor o primeiro escalão. “Simone se agigantou e foi muito importante para a vitória”, diz o senador Renan Calheiros (AL), um dos emedebistas mais próximos a Lula.
A adesão da senadora à campanha petista, um facilitador na reaproximação entre as siglas, foi um dos principais assuntos de uma conversa entre Gleisi e o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), no começo da semana. Rossi, no entanto, tem dito a interlocutores que espera não haver um alinhamento “automático” do partido ao governo, mas uma posição “colaborativa” em torno de pautas no Congresso — o MDB, entende ele, já sofreu demais com a pecha de adesista (merecidamente, aliás). Por outro lado, lideranças do MDB lulista, como Renan e o deputado eleito Eunício Oliveira (CE), esperam que a sigla componha a base aliada. “A lógica e a tendência é apoio ao governo. Acho mais do que natural, pela grande maioria do partido, que participe da base”, diz Eunício, defensor de uma federação entre MDB, Podemos, Cidadania e PSDB que encorpe as siglas no Legislativo.
Políticas como a senadora do Cidadania Eliziane Gama (MA), aliada de Lula no segundo turno e articuladora do petista entre o segmento evangélico, avaliam que há uma “margem grande” de ampliação da base do petista no Congresso. “Vamos conversar com aqueles partidos que não se manifestaram no segundo turno, ou mesmo aqueles que o fizeram, mas que têm entendimento de que há no que se contribuir. Mostrar que é hora de desarmar palanque e evitar radicalização da oposição”, diz. Aliados de Lula contam, ainda, até com o diálogo com importantes lideranças que já foram da base de Bolsonaro, como o Republicanos. De acordo com petistas, há uma conversa marcada entre Gleisi Hoffmann e o presidente do partido, Marcos Pereira, já para novembro.
Ainda no centro, aliados do presidente do PSD, Gilberto Kassab, veem como questão de tempo um ajuste entre ele e Lula. Uma das prioridades da sigla é manter a cadeira de presidente do Senado, atualmente ocupada por Rodrigo Pacheco (MG). “Kassab tem uma ótima relação com Lula. Nada que ele fez em São Paulo não foi conversado com o presidente”, afirma o senador Omar Aziz (AM), lembrando a aliança entre Kassab e o governador de São Paulo eleito, o ex-ministro bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Outro que tem piscado a Lula é o deputado Luciano Bivar, presidente do União Brasil, cujos líderes têm conversado com interlocutores do petista. “Por que vamos ser oposição? Não vejo porquê. Temos de ser independentes, podemos contribuir para uma governabilidade sadia”, avalia Bivar.
Diante do isolacionismo praticado pelo governo Bolsonaro, que chegou a dirigir hostilidades a líderes europeus, como o presidente da França, Emmanuel Macron, o campo da política internacional é outra área em que Lula pretende marcar grandes diferenças. O petista já aceitou um convite para participar da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, a partir da próxima semana — na edição anterior, em Glasgow, na Escócia, Bolsonaro não compareceu alegando “motivos de agenda”, enquanto cumpria compromissos menos importantes na Itália, e dedicou à conferência climática um vídeo de apenas três minutos.
Dentro das preocupações de países estrangeiros com o meio ambiente e as mudanças climáticas — Noruega e Alemanha já sinalizam com a retomada do financiamento do Fundo da Amazônia — é quase certo que Lula contará com a ex-senadora, ex-ministra e deputada eleita Marina Silva (Rede-SP) como um símbolo da mudança de rumos na política ambiental. Marina, que também deve ir à COP27, tem o nome fortemente cotado para voltar à pasta do Meio Ambiente no novo governo. A própria líder da Rede já deu declarações afirmando que deve participar, direta ou indiretamente, da terceira gestão do petista.
Além de Marina Silva, outros nomes são tidos como quase certos na formação do futuro governo. Fernando Haddad, a quem Lula credita uma importância fundamental na sua vitória ao levar adiante a candidatura ao governo de São Paulo, terá sem dúvidas um papel importante. Inicialmente, coordenará a equipe de transição no setor de Educação — mas não parece muito interessado em voltar a comandar a pasta, que tem como virtuais postulantes Simone Tebet e o ex-governador do Ceará e senador eleito Camilo Santana (PT). Este último faz parte da geração de novas caras da esquerda que aos poucos vão ocupando o espaço das velhas lideranças petistas. Wellington Dias também faz parte desse time, ao lado do ex-governador baiano Rui Costa e do ex-governador maranhense Flávio Dino.
Com a dança das cadeiras ainda indefinida na disposição de cargos no futuro governo, incluindo a definição de quem será o nome forte na economia, uma coisa é certa — a Esplanada dos Ministérios será ampliada de 23 para ao menos 26 pastas, de forma a atender aliados e promessas de campanha. As pastas inéditas ventiladas por Lula são a da Igualdade Social, a das Pequenas e Médias Empresas e a dos Povos Originários. Por enquanto, a equipe de transição evita falar de atribuição de ministérios — recentemente, Gleisi frisou, inclusive, que ser integrante da transição não é garantia de que o nome será ministro. Apesar disso, o esboço do novo governo mostra uma disposição de seguir rumo ao centro, estabelecer novo relacionamento com o Congresso e escalar peças com credibilidade e conhecimento técnico para cuidar de áreas vitais da terceira presidência Lula. Enquanto ensaio geral, parece promissor.