PT pode criar secretaria para dialogar com evangélicos
Foto: O Globo
Aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendem que o futuro governo construa canais próprios de diálogo com lideranças evangélicas, segmento que apoiou majoritariamente a tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e no qual se disseminaram ataques e notícias falsas contra o candidato petista. Uma ideia gestada por representantes do PT e pastores que colaboraram com a campanha de Lula é criar uma secretaria de assuntos religiosos, sob o guarda-chuva de um ministério voltado para assistência social ou direitos humanos, além de fomentar uma espécie de federação de igrejas independentes para driblar a dependência de pastores das maiores denominações. Outra proposta é reativar o extinto “Conselhão” com presença de representantes de religiões.
Um dos principais nomes da interlocução da campanha de Lula com religiosos e articulador da carta aos evangélicos, o ex-ministro Gilberto Carvalho tem colocado a reestruturação da relação com igrejas como um dos principais temas do futuro governo. No dia seguinte à vitória de Lula, Carvalho declarou ao podcast Três por Quatro, do site Brasil de Fato, que será preciso “sinalizar com clareza” e ter uma “ação abrangente” com os evangélicos, e considerou o segmento crucial para “reconstruir uma ampla base popular de governo” e chegar à população mais pobre, “que está sendo cuidada pelas igrejas”. Para Carvalho, o foco deve estar “nas pequenas igrejas, que são as que mais crescem”.
Na série Salto Evangélico, em setembro, O GLOBO revelou que há pelo menos 78,5 mil igrejas evangélicas “diversas”, que não pertencem a nenhuma grande denominação, por vezes compostas por uma dezena de templos ou menos. O número é quase o dobro dos 43 mil templos da Assembleia de Deus, maior rede de igrejas do país.
Na entrevista, Carvalho criticou a postura de grandes lideranças, como o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, a quem chamou de “useiro e vezeiro em enviar seus representantes ao Planalto” para negociar apoio nos governos Lula e Dilma. “Erramos em atendê-lo e esquecer a base”, disse o ex-ministro. Ontem, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido “dispensa” os acenos feitos por Macedo após a eleição e afirmou que o líder da Universal “é quem precisa pedir perdão pelas barbaridades (ditas) sobre Lula”. Em novo vídeo, após a fala de Gleisi, Macedo afirmou que Lula “em oito anos que esteve no governo não fez nenhum favor” à sua igreja, enquanto ele teria ajudado o petista a se curar de um câncer na garganta com orações.
Dois pastores dissidentes de igrejas que apoiaram Bolsonaro, e que se aproximaram da campanha de Lula, endossam a ideia de uma secretaria de assuntos religiosos: o bispo Romualdo Panceiro, ex-integrante da Universal e que rompeu com Macedo em 2020, e o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, que é amigo do deputado federal Marco Feliciano (PL-SP) e foi escanteado pela Assembleia de Deus do Belém (SP) por apoiar Lula.
— Quando houve o chute em Nossa Senhora Aparecida por um ex-bispo da Universal (em 1995), eu representava a igreja no México, onde havia uma secretaria desse tipo, e fui chamado ao governo porque queriam entender o que tinha ocorrido. Um secretário de assuntos religiosos seria um porta-voz do presidente para todas as religiões, e alguém que poderia assegurar a liberdade religiosa de acordo com o que prevê a lei — afirma Panceiro.
Schallenberger defende uma extensão ministerial para “dialogar com líderes simples e anônimos”. O pastor também pretende incentivar, numa iniciativa à parte do governo, a criação de uma “escola de pastores” e uma federação de “igrejas independentes”, que dê peso representativo a denominações menores:
— Essas igrejas já estão ajudando o Estado a ressocializar presos, a livrar pessoas das drogas, e podem receber melhores condições e recursos para isso. E a secretaria poderia ter interlocução direta com essa federação, sem precisar passar pelos “grandões”.
O modelo já foi testado em gestões petistas municipais. Em entrevista ao GLOBO, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), um dos coordenadores da campanha de Lula, disse que é “plenamente possível” fazer parcerias com igrejas, por exemplo, no atendimento à população em vulnerabilidade. Em Maricá (RJ), a gestão do ex-prefeito e deputado eleito Washington Quaquá (PT) teve um pastor da Assembleia de Deus como secretário de assuntos religiosos.
— Quem comandar a área social do governo precisa trazer as igrejas para participar do projeto de país — diz Quaquá.
Nos governos Lula e Dilma, os evangélicos ficaram à frente de pastas como a Pesca e do Esporte, sem relação direta com agendas caras às igrejas. Na gestão Bolsonaro, pastores ascenderam a ministérios como da Educação, com o presbiteriano Milton Ribeiro, e dos Direitos Humanos, com Damares Alves.
Coordenadora dos Núcleos de Evangélicos do PT, a deputada federal Benedita da Silva avalia que “nenhuma escolha para ministério deverá se pautar por religião”, mas diz que a articulação política tampouco deve tomar os líderes evangélicos num papel de oposição. Benedita vê uma “oportunidade” na Câmara para evitar uma “disputa política pautada em religião”, e defende que o próximo presidente da Frente Parlamentar Evangélica — o mandato do atual, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), termina no início de 2023 — “não deve ser uma pessoa que tenha preferência por ser oposição”.
— Lula nunca deixou de conversar com lideranças de igrejas quando era presidente, é natural que isso se restabeleça. Me parece que o Conselhão é a forma mais consciente de participação de diversos setores da sociedade na discussão das políticas públicas. As igrejas têm compromissos com as causas sociais — afirma Benedita.
Secretaria de assuntos religiosos – Com modelo em gestões do PT em municípios, órgão ficaria responsável pela interface entre governo federal e igrejas e por assegurar liberdade religiosa. A ideia vem sendo gestada por lideranças do partido e pastores que apoiaram Lula.
Presença de religiões em “Conselhão” – Outra forma de garantir representatividade religiosa, defendida pela deputada Benedita da Silva, que é evangélica, seria uma reativação do “Conselhão” criado no primeiro governo Lula com participação de pessoas ligadas a igrejas.
Aproximação cautelosa com pastores – Embora petistas defendam diálogo com grandes igrejas que apoiaram Bolsonaro, como Universal e Assembleia de Deus, outros conselheiros de Lula veem retomada de apoio com ceticismo. Ontem, presidente do PT criticou Edir Macedo.
Foco na pulverização de templos – Projeto de dar “identidade” e coesão a uma miríade de pequenas igrejas, que têm pouco peso individual mas estão capilarizadas pelo país, busca evitar dependência de grandes denominações para dialogar com a maioria dos fiéis, além de atrair novas lideranças.