Ruralistas agora cobram promessas de Lula que rejeitaram

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Foto: Agência Brasil

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrentará resistência de ruralistas abrigados em partidos que devem compor o novo governo, como o MDB. Embora a equipe do PT avalie que o pragmatismo pautará esse relacionamento, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Sérgio Souza (MDB-PR), disse não acreditar na disposição de Lula de atender às demandas do setor.

“Ele vai ter de demonstrar que é verdade o que falou na campanha, que vai cuidar do agro. Não acreditamos”, afirmou Souza. “Temos um Parlamento muito focado. Ele vai ter de sentar com a bancada para ajustar. Não vamos permitir abusos por parte de nenhum governo”, completou o presidente da FPA.

Souza não é uma voz isolada. As bancadas do MDB no Rio Grande do Sul, no Paraná e no Centro-Oeste podem ser as mais refratárias ao diálogo com Lula num primeiro momento. Os ruralistas ainda lamentam a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato de quase todo o segmento. Observam, porém, que as urnas consolidaram um “bolsão eleitoral” conservador, justamente numa ampla faixa da economia dos grãos e da pecuária, que chega ao interior de São Paulo e Minas Gerais.

O setor conseguiu reeleger 66,3% dos 241 deputados que compõem a atual bancada do agronegócio na Câmara, índice superior ao total geral de renovação dos mandatos, que ficou em 44,2%. Nas estimativas da FPA, os representantes do agronegócio não terão menos do que 158 deputados na próxima legislatura.

Ele (Lula) vai ter de demonstrar que é verdade o que falou na campanha, que vai cuidar do agro. Não acreditamos. Temos um Parlamento muito focado. Ele vai ter de sentar com a bancada para ajustar. Não vamos permitir abusos por parte de nenhum governo”
Sérgio Souza (MDB-PR), deputado e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)

Aliados de Lula na área consideram que os primeiros passos em direção à reconciliação foram dados pelo então candidato do PT ainda na reta final da campanha. Às vésperas do segundo turno, o petista dedicou um capítulo ao agronegócio na “Carta para o Brasil do Amanhã”. Prometeu forte investimento na Embrapa, financiamento e juro baixo a pequenos e médios produtores.

A equipe de Lula causou mal-estar entre ruralistas, porém, ao prever uma “regulação” da produção agrícola no texto das diretrizes de governo. Ainda antes do primeiro turno, uma nova versão do documento foi apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sem o termo. Para conseguir retomar pontes, Lula foi aconselhado a reduzir acenos ao Movimento dos Sem Terra (MST), a promover a segurança no campo e a pacificar a interlocução com a China e a União Europeia, grandes mercados de grãos e carne.

As exportações do agronegócio brasileiro alcançaram cerca de US$ 14 bilhões em setembro, o maior valor para esse mês. Na comparação com setembro do ano passado, por exemplo, o crescimento foi de 38,4%. Na produção de grãos, um novo recorde é esperado para a safra 2022/23.

“O Brasil é um dos mais importantes produtores e exportadores de alimentos do mundo. Para garantir e ampliar essa vantagem competitiva do País, vamos compatibilizar a produção com a preservação de recursos naturais, porque isso é necessário num mundo que enfrenta a crise climática e exige cada vez mais o consumo de alimentos saudáveis”, diz um trecho da carta divulgada pela campanha de Lula a dois dias do segundo turno.

Além desse documento, o petista escalou ruralistas próximos para tentar reduzir a rejeição no segmento após dizer, em entrevista ao Jornal Nacional, no dia 25 de agosto, que o agronegócio é “fascista e direitista”. Em outras entrevistas, procurou consertar a declaração ao dizer que “jamais” se referiu a todo setor. “Tem gente que tem discurso fascista e tem gente que tem discurso altamente democrático. Tem empresário que quer desmatar de qualquer jeito, tem empresário que sabe a responsabilidade”, afirmou Lula ao Canal Rural, em setembro.

Na equipe do petista, a avaliação foi a de que a conversa no canal especializado anulou a narrativa de que ele seria contrário aos agropecuaristas. “Tem uma maioria do agro pró-Bolsonaro, mas não é unanimidade. É uma maioria barulhenta e baseada na retórica dos anos 1980, quando Lula tinha um discurso mais à esquerda. Lula virou presidente em 2002 e se mostrou um gestor comprometido com o agro”, afirmou o senador Carlos Fávaro (PSD-MT). “Foi no período dele que tivemos grandes regulamentações, o programa de biodiesel, taxas baixas para comprar equipamentos. Ele fez uma revolução no campo.”

Ministra da Agricultura no governo de Dilma Rousseff (PT), a senadora licenciada Kátia Abreu (PP-TO) elogiou as gestões petistas em relação à oferta de recursos para custeio e investimentos das produções. Kátia destacou ser possível reconstruir a relação com a maior parte do segmento e disse que a preocupação ambiental deve fazer parte da pauta de negociações.

Para a ex-ministra, além do foco na segurança no campo, caberá a Lula “ampliar mercados e manter os espaços no mercado chinês que Bolsonaro estremeceu”, bem como “negociar com a União Europeia questões ambientais para que nossos produtos agropecuários não sejam vetados”.

Estadão