Ruralistas não querem conversa com Lula

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Foto: Reprodução

O encontro de recepção dos novos parlamentares eleitos promovido pela bancada ruralista em Brasília ontem mostrou que o afastamento desses congressistas e de boa parte das entidades do agronegócio do governo eleito ainda persiste.

“Estamos muito preocupados com cenário atual do nosso país. A eleição terminou, mas boa parte da sociedade brasileira não quer crer e acha que ainda tem algo por acontecer”, resumiu o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Sérgio Souza (MDB-PR) ao discursar. Ele minimizou as posições ideológicas e disse que o grupo tem pauta própria, ligada ao setor, independentemente do resultado da eleição.

A FPA apoiou oficialmente a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado no segundo turno. A maioria dos parlamentares é ligada ao atual presidente e tem sido pressionada pelas bases eleitorais para apoiar o discurso de que houve fraude – não há provas de que isso tenha ocorrido – na votação. Essa pressão ainda é um impeditivo para boa parte do setor “seguir em frente” e iniciar o diálogo com o governo eleito.

Embora alguns dos parlamentares reeleitos que estavam presentes pretendam aderir ao governo do PT, os novatos que circularam pelo evento eram todos bolsonaristas, como Zé Trovão (PL-SC) e Marcos Pollon (PL-MS).

O único integrante da equipe de transição presente no encontro ontem foi Evandro Gussi, ex-deputado e presidente da União da Indústria da Cana (Unica), que não discursou. Nem mesmo membros da FPA que já fazem a interlocução com Lula, como o deputado Neri Geller (PP-MT), estavam no evento.

Um parlamentar confidenciou que a ausência do deputado Neri Geller (PP-MT) e do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) no palco e no evento, dois postulantes ao cargo de ministro, foi estratégica para não parecer que a bancada está apoiando publicamente qualquer um dos nomes nessa briga – decisão que ainda não foi tomada pelo grupo. Executivos de entidades de produtores criticaram a falta de projeções sobre devido à ausência desses interlocutores ou de outros nomes com voz no futuro Ministério da Agricultura.

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) chegou a figurar em um dos primeiros convites que circularam, mas também não apareceu no encontro, bem como presidentes de partidos e membros do Supremo Tribunal Federal (STF). A ausência de Bolsonaro, recluso desde a derrota na eleição, não chegou a ser surpresa, apesar de ser figurinha carimbada nos eventos anteriores do agronegócio.

O presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, fez um discurso mais duro e afirmou que o setor agropecuário vive “constantes riscos político e ideológico” e que os parlamentares da bancada ruralista devem “continuar resistindo diante dos novos tempos que se avizinham”.

Em agosto, João Martins defendeu a reeleição de Bolsonaro e atacou Lula. Na ocasião, o dirigente disse que o setor não aceitava mais como presidente da República alguém que foi condenado e preso como ladrão. Sem baixar o tom, ele falou ontem para uma plateia amigável e criticou ideias em debate pelo governo eleito, como a de dividir o Ministério da Agricultura, supostos incentivos à invasão de terras e iniciativas legislativas que tentam taxar produtos do campo.

Martins disse que a produção rural já enfrenta riscos naturais e de mercado e que não merece ser sobrecarregada por riscos institucionais “inventados pela ação política”. “O fantasma das invasões de terra, tratados com benevolência pelas autoridades públicas, parece insinuar-se novamente no horizonte. Onde a propriedade privada não é respeitada, não há produção rural”, afirmou. “O próximo Congresso vai transformar-se num campo de batalha em que o próprio destino da agricultura e da pecuária estará sendo decidido”, disse.

A posição mais dura de Martins já é vista por alguns como barreira para a continuidade dele na presidência da CNA. A ideia de colocar “sangue novo” no comando da entidade não estaria descartada, mas não é confirmada pelas lideranças do setor. Candidato à presidente da confederação na próxima eleição, em 2025, José Mário Schreiner (MDB) poderia antecipar a chegada ao cargo. Atualmente, ele é presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), vice-presidente da CNA e deputado federal (mas decidiu não concorrer à reeleição justamente para se dedicar à disputa pelo comando da instituição).

Valor Econômico