Saiba quem é o redator dos discursos de Lula
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
“Bem, então, para ficar parecendo intelectual, eu vou colocar meus óculos e a Janja vai retirando as páginas aqui”, disse Luiz Inácio Lula da Silva, anunciando que iria ler seu discurso de vitória, no último dia 30. Aos prantos, a mulher do recém eleito presidente o ajudava a manusear uma pequena pilha de papéis. Desde que se lançou candidato, Lula recorreu a discursos lidos em momentos cruciais, quando busca passar uma mensagem clara, sem correr o risco de cometer deslizes, ainda que perca parte de sua conhecida conexão com a plateia ao evitar a espontaneidade.
O trabalho de elaboração dos textos é coletivo, mas é um escritor mineiro radicado em Brasília o responsável por colocar em palavras as sugestões variadas que recebe e dar ao pronunciamento “a alma de Lula”, como diz um dos assessores próximos. José Rezende Jr. – ou apenas Rezende – é, segundo quatro pessoas próximas a Lula ouvidas pelo Estadão, a peça crucial na ampla engrenagem de comunicação do presidente eleito.
Quem dita a embocadura do discurso é Lula. Ele também cita, de cabeça, dados e informações que deseja ver contempladas. Para o pronunciamento da vitória, por exemplo, pediu uma mensagem de união, pacificação, não revanchista e com indicativos de que governaria para todos os brasileiros e não apenas para seus eleitores. Atribui-se a Rezende a expressão que condensa a mensagem pretendida por Lula e dita na noite da vitória: “Não existem dois Brasis”.
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O petista tem sempre um discurso previamente preparado, mesmo quando o descarta. Costuma fazer a última leitura do texto no carro ou no avião, no trajeto para o local de pronunciamento, e opta por improvisar na hora. Os momentos em que opta pela leitura de sua fala são momentos solenes, segundo o seu entorno, quando ele acredita que o discurso irá reverberar para outros públicos e, possivelmente, entrar para a história.
No domingo 30 de outubro, durante os primeiros minutos de discurso lido, Lula afirmou “esta não é uma vitória minha ou uma vitória do PT”, em uma toada que o levaria a pregar a união dos brasileiros, rachados politicamente na eleição mais acirrada da história.
Ele já tinha optado pela leitura do discurso em outro momento: o lançamento da chapa com Geraldo Alckmin (PSB), no dia 7 de maio, em São Paulo. Na ocasião, parte da plateia conversava enquanto Lula discursava, o que não é comum quando o petista improvisa no palco. Apesar do burburinho, ele seguiu com os olhos fixos nas folhas de papel à sua frente. A missão de Lula era clara: falar que sua união com Alckmin mirava a construção de uma frente ampla de centro – e ser ouvido para além da militância que o assistia no Expo Center Norte.
Também preferiu ler a improvisar na COP-27, seu primeiro pronunciamento internacional depois de eleito, e já tinha feito isso em dezembro de 2021, diante do Parlamento Europeu.
“Fábula Urbana”, do amigo José Rezende Jr. @joserezendejr é a história de um menino pobre que pede livro em vez de esmola. Nos faz refletir sobre o Brasil que queremos: um país onde a cultura seja tratada com prioridade. Indico a leitura.
📸: @ricardostuckert pic.twitter.com/EluYTKZSw5
— Lula (@LulaOficial) July 18, 2022
Quando estava na Presidência, Lula contava com uma equipe de quase dez pessoas para elaborar seus discursos. Uma delas era Rezende. Segundo pessoas ligadas ao presidente eleito, o escritor se voluntariou para ajudar novamente a redigir comunicações de Lula quando ele foi preso durante a Operação Lava Jato. Uma vez solto, Lula continuou a contar com a ajuda do escritor e jornalista.
Ganhador de um Jabuti em 2010 na categoria de contos e crônicas pelo livro Eu Perguntei pro Velho se ele Queria Morrer, o escritor e jornalista passou por redações de grandes veículos do País até se dedicar à literatura. Seu último livro, “Fábula urbana”, publicado em 2019, recebeu elogio público de Lula. No twitter, o presidente eleito escreveu que a obra, “do amigo José Rezende Jr”, é a história de um menino pobre que pede livro em vez de esmola”. “Nos faz refletir sobre o Brasil que queremos: um país onde a cultura seja tratada com prioridade. Indico a leitura”, disse Lula.
O responsável pela comunicação do presidente, José Chrispiniano, é quem coordena o trabalho de elaboração dos discursos e também trabalha nos textos. Participam ainda da discussão sobre a linha a ser seguida o ex-ministro Franklin Martins, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que foi um dos coordenadores da comunicação de campanha de Lula, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e Luiz Dulci, que por anos foi o responsável pela elaboração dos discursos do petista.
Aliados de outras áreas compartilham uma minuta para subsidiar o pronunciamento. O ex-chanceler Celso Amorim, por exemplo, envia informações que devem ser incluídas sobre política externa. Marina Silva e Izabella Teixeira, dados sobre a questão ambiental. Quando um material chega bem escrito, acaba aproveitado quase na íntegra. Rezende ajuda a montar o quebra-cabeças, sob a batuta de Chrispiniano. Lula lê com atenção e com frequência devolve para reelaboração, várias vezes, até chegar no ponto que deseja.