Transição de Lula foca na Educação

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Foto: Jarbas Oliveira/Folhapress/

Uma postura recorrente dos governos que assumem o Palácio do Planalto é a queixa sobre a herança podre deixada pelo antecessor. No processo de transição, o time do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já começou a fazer o mesmo em relação à gestão Jair Bolsonaro e, faça-se justiça, tem razão nas queixas sobre algumas áreas, em especial a educação. Os últimos anos foram marcados por trocas constantes de ministros (cinco) e um escândalo de corrupção envolvendo o conluio do ex-titular Milton Ribeiro com pastores evangélicos para a distribuição irregular de verbas da pasta. Soma-se a isso um grande déficit educacional deixado pela pandemia e a interrupção de programas importantes. Como resultado dessa equação problemática, a despeito do investimento de 6% do PIB em educação — próximo dos aportes feitos por países desenvolvidos como Noruega e Suécia —, o Brasil segue com um padrão educacional baixo. No último Pisa, a principal avaliação internacional de desempenho escolar, de 2018, o país ocupa a 66ª posição, atrás de Azerbaijão e Peru.

O problema não é orçamentário, concordam especialistas, mas sim operacional, com defasagem no sistema de ensino e altos índices de evasão escolar — questões potencializadas por dois anos de crise sanitária. É verdade que vários países tiveram perda de aprendizado nesse período. Só que, no caso brasileiro, em boa parte do tempo, como aponta Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV, o MEC não fez nada para coordenar um país em que muitos municípios são pobres. “A maior tragédia na educação é a inexistência de uma resposta educacional coordenada à Covid-19”, explica ela. “Não houve garantia à conectividade e nem reabertura adequada das escolas.”

No primeiro passo mais importante para começar a organizar essa área no novo governo, a equipe de transição de Lula concluiu, na última semana, a definição dos profissionais encarregados da educação. A excelente lista inclui nomes como Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo; Neca Setubal, herdeira do Itaú e presidente do conselho consultivo da Fundação Tide Setubal; Priscila Cruz, presidente do movimento Todos pela Educação; e a professora e senadora eleita Teresa Leitão (PT-­PE). Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tem repetido que ser um integrante do grupo de trabalho não é indicativo, necessariamente, de que sairá dali o nome para a posição de ministro.

A envergadura do time, no entanto, demonstra a importância que Lula e aliados deverão dar à área. Para as próximas semanas, a equipe já tem construído um cronograma de encontros a ser realizados, bem como desenhado um diagnóstico inicial sobre o tamanho do problema. “Primeiro é preciso arrumar a casa, já que a gestão vive uma situação muito aquém da necessidade. Precisamos diagnosticar qual é a estrutura ideal”, diz Priscila Cruz. Entre os pontos primordiais estão, por exemplo, o restabelecimento da estrutura federativa, com diálogo com governadores e prefeitos, e a recomposição do orçamento do MEC.

A reorganização dos recursos disponíveis para a área é outro dos principais desafios e já merece atenção prioritária. Coordenador da transição, o futuro vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e o senador eleito Wellington Dias (PT-PI) têm feito malabarismos para acomodar as necessidades financeiras da futura gestão na PEC da Transição, que ainda precisará, obviamente, do apoio do Congresso. Um dos pontos é a necessidade de recomposição do gasto com merenda escolar, que está sem correção real há cinco anos. “Temos uma questão emergencial, que é o reajuste per capita da merenda, que hoje é de 32 centavos. Houve um projeto de lei aprovado para reajustar o valor, mas Bolsonaro vetou”, afirma Teresa Leitão.

Apesar de ter se reunido com integrantes do grupo de trabalho da educação no início de novembro e de ter subsidiado a equipe nos primeiros dias da transição, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad não participa diretamente das discussões do time, tampouco deverá assumir a pasta — ele é cotado para chefiar o Ministério da Fazenda. Uma das favoritas para comandar o MEC é Izolda Cela (PDT), governadora do Ceará até o fim de dezembro. Além de, segundo aliados de Lula, ter a simpatia do presidente eleito, ela traz em seu currículo o fortíssimo legado deixado na educação de Sobral (CE), cidade que virou modelo pelos bons índices de alfabetização infantil.

Em 2001, Izolda passou a auxiliar Ivo Gomes, irmão mais novo de Ciro, que então chefiava a Secretaria de Educação de Sobral. À época, cerca de 50% das crianças do 3º ano do ensino fundamental terminavam o ano sem saber ler ou escrever. Após o diagnóstico, Izolda desenhou um plano de alfabetização. No ano seguinte, assumiu a secretaria quando Ivo saiu do cargo para disputar uma vaga como deputado estadual. Nesse período, ela pôs em prática o que seriam os principais pilares do projeto: crianças em séries avançadas e com defasagem no aprendizado tinham atenção especial, enquanto educadores cujas turmas atingissem as metas de alfabetização estabelecidas pela prefeitura recebiam bonificações. O resultado em quatro anos foi expressivo: o índice de alfabetização cresceu 140% e, ao final de sua gestão, mais de 90% dos alunos da 1ª do ano sabiam ler e escrever. Em 2007, quando Cid Gomes tomou posse como governador, levou Izolda e sua equipe para a Secretaria Estadual de Educação. Na pasta, foi responsável pela implementação do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) e continuou à frente da secretaria até o final do segundo mandato de Cid, em 2014. Em 2015, os resultados na alfabetização no Ceará alçaram Cid ao posto de ministro da Educação de Dilma Rousseff.

Apesar de declarar não ter recebido, ainda, nenhum convite, Izolda diz ficar “muito honrada” com o fato de ser cotada. Ela acredita que os índices ruins da educação no país podem, progressivamente, ser revertidos desde que aplicadas algumas ações. O desafio não é pequeno. Apenas no âmbito da alfabetização, a Pesquisa Todos pela Educação 2022, do IBGE, mostra que 2,4 milhões de crianças entre 6 e 7 anos não foram alfabetizadas. O índice representa quase 41% dos brasileiros nessa idade, que, por sua vez, é 66% maior do que o registrado antes da pandemia. “Precisamos ter uma agenda relacionada às questões que desafiam estados e municípios no tocante à melhoria da educação e ao aprendizado das crianças, que ficaram totalmente desprezadas. Recolocar na agenda do Ministério da Educação essas questões essenciais já é um primeiro passo para começar a reverter as situações de muita dificuldade que tivemos ao longo desses anos”, diz a governadora.

Ao lado de Izolda, aparece com boas chances no páreo, de acordo com a coluna Radar, o ex-deputado federal Gabriel Chalita, que acumula no currículo os cargos de secretário de Educação do governo de São Paulo na gestão de Alckmin (2002 a 2006) e do município de São Paulo, na gestão Had­dad (2015 a 2016). Atualmente sem partido ( já foi do MDB, PSDB e PDT), Chalita tem como padrinhos políticos o próprio Alckmin e Gilberto Kassab, presidente do PSD, que já anunciou que vai participar do futuro governo. Chalita foi um dos patrocinadores da chapa vitoriosa Lula-Alckmin, quando a empreitada ainda era vista com ceticismo no meio político.

A exemplo do que aconteceu com outros temas importantes na campanha, Lula pouco se aprofundou sobre suas propostas para a educação. Nos debates, limitou-se a falar que, assim que assumisse a Presidência, faria reuniões com governadores para tratar do déficit decorrente da pandemia. Em várias oportunidades, jactou-se de ter sido o presidente que mais levou jovens carentes às universidades. Embora tenha inflado números nos debates presidenciais, seu governo, de fato, elevou a quantidade de alunos ingressantes no ensino superior: de 3,5 milhões para 6,3 milhões. O balanço dos governos petistas nessa área reúne também graves erros. O maior exemplo foi o Fies, programa de financiamento que criou uma geração de universitários e enriqueceu faculdades particulares, mas deixou um prejuízo bilionário — 1,2 milhão de estudantes estão inadimplentes, o que já motivou o lançamento de programa de renegociação de dívidas pelo governo Bolsonaro com até 99% de desconto. O valor anistiado pode chegar a 38 bilhões de reais. O novo governo terá de fazer, agora, muito melhor que isso para passar na prova diante dos imensos desafios na educação.

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