Gilmar cita constituição para explicar Bolsa Família fora do teto

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Foto: NELSON JR./SCO/STF

O Poder Público segue se omitindo em cumprir o dever constitucional de adotar medidas administrativas e legislativas para custear, por meio de programa permanente de transferência de renda, o mínimo existencial da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Esse foi o entendimento do ministro Gilmar Mendes ao determinar, em despacho assinado na noite deste domingo, 18, que o dinheiro usado em programas sociais de renda básica não está inscrito na regra do teto de gastos.

“Em que pese o fato de que o texto constitucional agora já prevê, de forma expressa e inequívoca, o direito dos cidadãos brasileiros em situação de vulnerabilidade social a uma renda básica familiar a ser garantida por meio de programa permanente de transferência de renda, ainda assim persiste a mora legislativa- ou, mais especificamente, a iminência de considerável esvaziamento do programa Auxílio Brasil (Lei 14.284/2021), que hoje faz as vias do programa permanente de transferência renda, em especial após a extinção possivelmente açodada de todo o plexo de políticas públicas de assistência social que perfaziam o antigo programa Bolsa Família, por ele substituído”, advertiu Gilmar.

LEIA A ÍNTEGRA DO DESPACHO DE GILMAR

O ministro do STF ressaltou que a decisão da Corte máxima sobre a regulamentação da lei da renda básica não foi ‘satisfatoriamente cumprida’. Segundo o decano, passados quase vinte meses do julgamento do STF, pode-se observar que o governo federal ‘reduziu consideravelmente o rol de políticas públicas de assistência social que perfaziam o antigo Bolsa Família, substituindo o pelo Auxílio Brasil, em que a política pública praticamente exclusiva é o benefício de renda mínima concedido pelo programa, e agora se encontra na iminência de reduzir em quase um terço o valor do benefício’.

Segundo o decano da Corte máxima, ‘mera alusão à reserva do financeiramente possível’ não justifica a redução dos valores que devem ser pagos a famílias em vulnerabilidade sociais. A indicação se dá ao fato de que, em razão da falta de cobertura orçamentária para a manutenção do programa, foi previsto a redução do valor do benefício para R$ 405 no Orçamento para 2023. O decano determinou que o valor a ser repassado aos beneficiários do Auxílio Brasil permaneça em R$ 600.

“Reputo juridicamente possível que eventual dispêndio adicional de recursos com o objetivo de custear as despesas referentes à manutenção, no exercício de 2023, do programa Auxílio Brasil (ou eventual programa social que o suceda na qualidade de implemento do disposto no parágrafo único do art. 6º da Constituição), pode ser viabilizado pela via da abertura de crédito extraordinário (Constituição, art. 167, §3º), devendo ser ressaltado que tais despesas, a teor da previsão do inciso II do §6º do art. 107 do ADCT não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos no teto constitucional de gastos”, ressaltou.

Como mostrou o Estadão, ao garantir a legalidade de se pagar a renda mínima através da abertura de crédito extraordinário, Gilmar ofereceu uma saída para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manter o pagamento de R$ 600 no futuro Bolsa Família mesmo sem conseguir aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da transição.

O ministro apontou o uso de créditos extraordinários ‘para a cobertura de eventual necessidade orçamentária remanescente’ como um dos mecanismos previstos na Constituição que acabam solucionando a ‘persistência omissiva inconstitucional’ quanto à implementação da renda básica.

Há ainda outro mecanismo, segundo o decano, que deve ser avaliado antes. Ele está ligado aos precatórios, valores que a União deve pagar no bojo de processos judicias. Segundo Gilmar, ‘o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o respectivo limite para alocação dos mesmos na proposta orçamentária de 2023’. Tal montante deverá ser destinado ao programa permanente de redistribuição de renda previsto na Constituição, determinou o ministro. Ou seja, se houver qualquer sobra do valor reservado no orçamento de 2023 para o pagamento de precatórios, ele deve ser destinado ao custeamento novo Bolsa Família.

Estadão