Leite promete ressuscitar PSDB

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Foto: Jefferson Bernardes/Agência Preview

Foi apostando na neutralidade entre o petismo e o bolsonarismo, as principais correntes políticas nas últimas eleições nacionais, que Eduardo Leite (PSDB) conseguiu o inédito feito de se eleger duas vezes seguidas ao governo do Rio Grande do Sul. Apesar de ter trilhado um caminho errático, que incluiu a renúncia ao comando do estado para tentar viabilizar a sua candidatura presidencial, o gaúcho chegou ao segundo turno após superar por poucos milhares de votos o terceiro colocado na corrida estadual e bateu na votação final o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL), o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro em um dos estados mais bolsonaristas do Brasil. Com a vitória, tornou-se o tucano que irá governar o maior número de eleitores no país — a legenda também venceu em Pernambuco e Mato Grosso do Sul. A condição dá a ele um papel de liderança na legenda — tanto que, na última quarta-feira, 30, foi anunciado como novo presidente nacional do PSDB, com a missão de liderar a Executiva Nacional a partir de fevereiro de 2023 para não só voltar a ser relevante no cenário nacional, como promover o reagrupamento do centrismo político, combalido pela dura derrota nas urnas neste ano. A VEJA, diretamente do Centro Administrativo do seu estado, de onde coordena a transição gaúcha, Leite falou sobre os aprendizados da campanha eleitoral, as expectativas em relação ao governo Lula e a dura missão de devolver protagonismo à moderação política em meio à radicalização do eleitorado.

Desde que foi eleito governador, o senhor se reuniu com lideranças do PSDB em Brasília e São Paulo. O que conversaram? Viajei para fazer essas reuniões porque, assim que terminei de estruturar a transição no meu estado, o PSDB me demandou mais participação nas discussões nacionais. Conversei com a bancada federal, a Executiva Nacional e outros membros importantes de diferentes estados para entender onde estará a minha contribuição nesse novo período.

E qual será essa contribuição? A minha maior preocupação, mais do que pensar no PSDB, é fortalecer o campo político que se convencionou chamar de centro democrático. Entendo que é necessário aumentar a representatividade de uma posição que não é neutra, mas que defende olhar para a economia com equilíbrio fiscal e modernização a partir de concessões, privatizações e desburocratização, ao mesmo tempo que também se preocupa com o social e com programas de transferência de renda em um país de imensas desigualdades como o Brasil. Esse centro ficou com um caminho estreito e precisa ocupar mais espaço.

Como o PSDB se encaixará nesse contexto? É preciso olhar para o PSDB a partir da força que tem — ou que já teve —, associando-se a outras forças políticas para dar mais consistência e capacidade para enfrentar a polarização. Já temos a federação com o Cidadania, além de conversas incipientes com Podemos (que incorporou o PSC) e setores do MDB. Meu desejo é, feita uma discussão de fundo programático, avançar no caminho de fusão ou federação com essas siglas.

“Não manifestamos nossa posição no segundo turno porque seria um suicídio político. Não é neutralidade, é defender o que acreditamos, que não é representado nem por Lula nem por Bolsonaro”

Como será liderar o PSDB nesse processo na função de presidente? Aceitei esse posto com a condição de que a estrutura montada não deverá prejudicar o meu desempenho como governador, que é minha prioridade. A crise do partido também é uma oportunidade para a melhor distribuição de forças, com quadros aparecendo em Pernambuco (com a governadora eleita Raquel Lyra) e Mato Grosso do Sul (que será comandado por Eduardo Riedel). O Bruno Araújo, que é o atual presidente, tem o nosso respeito, se esforçou para conduzir o partido em um período difícil. Não acho que o seu desempenho à frente da Executiva Nacional tenha sido negativo, mas todos entendemos que é preciso uma renovação.

Seu objetivo é se candidatar à Presidência em 2026? Ainda não estou olhando para 2026. Vou contribuir nacionalmente defendendo a ideia de que o candidato daqui a quatro anos possa mostrar à população um caminho de moderação e responsabilidade fiscal e social. O segredo da mudança está em focar a energia em construir o novo, e não em destruir o velho. Se entenderem que eu deva liderar esse processo, vou assumir esse papel.

Qual sua análise sobre o desempenho ruim do PSDB em 2022? Sabíamos que a eleição seria muito difícil nacionalmente, porque a polarização radical complicou o nosso caminho. Nas prévias presidenciais, houve priorização do projeto para São Paulo — que foi alavanca e âncora do PSDB, deu importância e relevância ao partido, mas fez o olhar sobre o estado se sobrepor ao projeto nacional. Foi escolhida a candidatura que melhor atenderia à eleição paulista. Foi legítimo, ainda mais sabendo que a eleição nacional seria difícil. Isso não é uma mágoa, é uma análise.

Não foi um erro a falta de apoio a João Doria, o vencedor das prévias? Após as prévias, o projeto nacional aconteceu atendendo a interesses e alianças locais, que são muitos em um país continental como o nosso. Nessas circunstâncias, acho que se fez o possível apoiando Simone Tebet. Só acho que teria sido uma campanha de maior sucesso se o nome dela tivesse sido resolvido de forma mais antecipada. Mas é fácil falar depois que o jogo terminou. Disso se extrai um aprendizado, inclusive para repetirmos as prévias sem os mesmos erros.

O PSDB teve quadros como FHC e José Serra apoiando Lula, enquanto outros como Rodrigo Garcia ficaram do lado de Bolsonaro no segundo turno. Como explicar tamanha divisão? O fortalecimento do PSDB se deu em contraposição ao PT, com diferenças fortes do ponto de vista econômico. Isso fez com que, para muitos tucanos, a distância para os petistas fosse maior do que qualquer outra coisa. Ao mesmo tempo, nosso jeito de fazer política é absolutamente oposto ao de Bolsonaro. Essa radicalização gerou confusão dentro do partido. É importante, portanto, sobretudo em um processo de federação, fazer congressos e reuniões para alinhamento de posicionamento. Precisamos ter uma maior unidade, ainda que com algumas divergências, e esclarecer qual é a nossa espinha dorsal.

Como recuperar o eleitor de centro capturado pela polarização? O primeiro passo é não nos render à radicalização e ter coragem para propor algo diferente, como eu e Raquel Lyra fizemos com sucesso. Não manifestamos nossa posição no segundo turno presidencial porque seria um suicídio político, e assumimos essa posição de forma indignada. Não é simplesmente neutralidade, é defender o que acreditamos, que não é representado nem por Lula nem por Bolsonaro.

Uma das maiores vitrines do seu mandato foi a responsabilidade fiscal. Como deve ser a relação com o governo Lula, sobretudo frente aos recentes desatinos do presidente eleito ao se referir ao mercado? O PSDB deve fazer uma oposição responsável. Não existe um abismo entre os partidos. Só que responsabilidade fiscal é fundamental. Vejo pouca compreensão do governo eleito de que é preciso cuidar das contas para cuidar das pessoas. Talvez sejam até necessários alguns relaxamentos no teto de gastos para atender a emergências, mas é fundamental apontar caminhos responsáveis no médio e longo prazo. O novo presidente está sendo incapaz de mostrar isso, o que já seria suficiente para acalmar o mercado.

A presença de Geraldo Alckmin como vice não deveria sinalizar um movimento em direção ao centro? Ele é um amigo e com quem também me reuni. Alckmin facilita a interlocução e nos gera a expectativa de que a visão mais próxima do que pensamos seja defendida no governo.

A prioridade de Lula deveria ser o ajuste fiscal? A prioridade deve ser cuidar das pessoas mais pobres. Ajuste fiscal é meio para atingir esse objetivo, mas não prioridade. As prioridades devem ser retomar uma agenda para a educação nacional, combater a fome e resgatar projetos de habitação digna. Para isso é preciso apresentar um horizonte de equilíbrio fiscal.

“Vejo pouca compreensão do governo eleito de que é preciso cuidar das contas para cuidar das pessoas. É fundamental apontar caminhos responsáveis no médio e longo prazo”

Na eleição, o senhor sofreu ataques baixos, inclusive homofóbicos, do bolsonarismo. Ao mesmo tempo, teve apoio da esquerda no segundo turno e tem as portas abertas com Lula. Não teme que a neutralidade seja mal interpretada pelo eleitor? Não fiquei em cima do muro e não caio nessa divisão entre o bem e o mal. Não considero que 56,3% dos gaúchos que votaram em Bolsonaro no segundo turno compartilhem as ideias de desrespeito com quem pensa diferente. As pessoas me conhecem e eu não preciso ser medido por essa régua estreita entre Lula e Bolsonaro. Posso ser avaliado pela minha forma de fazer política, e não pelo voto que dou a um ou a outro. O que precisa estar em debate é o meu desempenho como governador. Já o meu respeito às instituições, à democracia, às diferenças e a abertura ao diálogo com todos os campos são valores muito claros. Defendo essas bandeiras sem precisar levantar a de outro candidato.

Quais são os maiores desafios do seu mandato? O mais importante será mostrar que a ponderação e o respeito a quem pensa diferente produzem mais resultados. O nosso papel é apontar soluções, e não culpados. Ultimamente, tenho notado um país muito radicalizado, onde a preocupação é apontar a culpa para nós mesmos, sobretudo para as minorias que foram ocupando mais espaço, como mulheres marginalizadas, negros, gays e indígenas. Aqui no Rio Grande do Sul nós viramos o jogo. Havia um processo de deterioração das contas públicas e tivemos superávit depois de doze anos, o que nos possibilitou investir em grandes obras e formatar novas políticas públicas. Agora temos de melhorar a performance nas outras frentes, principalmente a educação, que é a nossa maior prioridade e onde vamos colocar toda a nossa energia.

O momento pós-eleição presidencial foi marcado por manifestações que contestam o resultado e pedem até golpe militar. Como o senhor vê esses episódios? Manifestações que pedem intervenção militar ou são de cunho neonazista e neofascista são inaceitáveis. É preciso que se tenha consequências, no maior rigor da lei, a quem defenda essas ideias. A democracia não pode servir de escudo para aqueles que atacam a democracia. A liberdade não é autofágica. Nesse regime, quem perde a eleição sabe que poderá exercer a oposição através do Parlamento, da imprensa livre e até de questionamentos judiciais, se for o caso. E ainda terá a oportunidade de concorrer novamente daqui a quatro anos. Essa é a regra.

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