Protestos golpistas estão falindo comerciantes em SP

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Foto: Reinaldo Canato/UOL

Quem passa à noite pela rua Alfredo Pujol, no coração de Santana, bairro da zona norte de São Paulo, está acostumado a ver uma esquina movimentada cheia de cactos na calçada. O restaurante Nuevo Mexico tem uma clientela fiel que gosta de fajitas e guacamole.

Nos últimos meses, no entanto, a paisagem mudou. No meio da faixa de ônibus, tapando parte da fachada, estão quatro barracas de manifestantes contrários ao resultado da eleição presidencial. Há quase 50 dias, eles se revezam em frente ao quartel, do outro lado da rua, pedindo intervenção militar.

A situação não mudou só o visual do restaurante. A queda no faturamento previsto para dezembro já é de 70%.

A proposta de Diego Diamantino, proprietário do Nuevo Mexico, é oferecer uma experiência mexicana completa. No caixa do bar, acima de uma pintura dos personagens Seu Madruga e Seu Barriga, do seriado mexicano Chaves, vem a frase “aqui as leis são outras”. A máxima, segundo Diego, se refere à alegria e tranquilidade oferecidas aos clientes. O que ele não imaginava era ver, no entorno do estabelecimento, as leis mudando tanto. Buzinas e o Hino Nacional viraram trilha sonora contínua, sete dias por semana.

Xingamentos e ofensas são ouvidos o dia todo. “O clima ficou hostil”, conta o empresário, que viu as consequências no salão: a cada dia, mais mesas permanecem vazias.

Nascido em Guanambi, na Bahia, Diego tem 36 anos e viveu no Nordeste até os 10 anos, quando seus pais migraram para São Paulo buscando melhores condições de vida. Costuma dizer que não escolheu um trabalho; foi o trabalho que o escolheu sempre. “Quem já viveu dificuldades financeiras faz o que aparecer”, ele conta.

Trabalhou em outro restaurante por 9 anos, juntou dinheiro e conseguiu abrir as portas do Nuevo Mexico em agosto de 2016. Começou devagar, com amigos e parentes. No período de fim de ano, viu empresas marcarem as confraternizações de equipe e grupos fazerem happy hour. Com o lucro, aumentou o caixa e reinvestiu, sentindo que era possível se manter. Seguiram assim por mais três anos, até que a pandemia mudaria os planos de Diego – e de todo mundo.

Em fevereiro de 2020, a esposa de Diego descobriu que estava grávida. Logo depois, o comércio fechou e o empresário ficou apavorado. Inventou um menu degustação para delivery e, nas redes sociais, lives das preparações dos pratos davam um gostinho a mais.

No período, viu pessoas conhecidas morrerem e amigos perderem entes queridos. “Morria de medo de pegar e de que algo acontecesse a elas. Dormia 3 ou 4 horas por dia, quando conseguia, sem ter certeza de como seria o futuro. Olho para trás e penso que fomos muito fortes”.

Quando houve a reabertura, as pessoas entravam no restaurante dizendo que queriam conhecer o que haviam visto nas lives. A pandemia foi ficando para trás e 2022 começou sem muito lucro, mas com a promessa de ser o ano da virada, para acertar tudo e reinvestir em 2023.

Tudo correu bem até o período eleitoral.

Outubro foi fraco. Mesmo assim, havia a expectativa para o Día de Los Muertos mexicano, no nosso Finados, logo depois da eleição. O 1º de novembro foi de casa lotada. No dia 2, porém, a rua foi fechada para um protesto grande que contestava o resultado das eleições.

Os manifestantes entraram no Nuevo Mexico apenas para usar o banheiro e o clima ficou pesado. Diego achou melhor fechar. “Cancelei três reservas que totalizariam 90 pessoas, mas achei melhor perder o dia de trabalho do que colocar a segurança de clientes em risco.” A Copa começaria em breve e o plano era sair do zero a zero que durava semanas.

Desde então, pessoas vestidas com as cores da seleção brasileira não saíram mais da calçada em frente. E começaram os problemas. “Os clientes começaram a dar feedback: não se sentiam confortáveis. Eu gosto do Hino Nacional, mas não é legal ficar ouvindo isso o dia inteiro. Qualquer som repetido irrita.” Resultado: reservas canceladas e mais prejuízo.

Um dos assíduos do local afirmou que, apesar de ser bolsonarista, não se sentia bem ali. Tinha medo de rolar uma briga. Outros clientes disseram que não comeriam num local em que, se tirassem uma foto, pareceria que estavam em uma manifestação.

Comerciantes próximos e moradores iam ficando indignados. “Quando começaram as discussões e xingamentos, percebi que havia saído do controle. As palavras de baixo calão duram horas.”

Diego não diz qual é sua opção política.

A vizinhança já fez até abaixo-assinado pedindo que os órgãos competentes desmontem a manifestação, que atrapalha o sono dos moradores e o trânsito local. O TAB tentou contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo diversas vezes. Em nota, a assessoria de imprensa afirmou que todas as vias da cidade estavam desobstruídas. A faixa de ônibus da rua Alfredo Pujol, no entanto, continuava travada por barracas até o dia da publicação desta reportagem.

“Tentei ficar tranquilo. Acredito que esse foi o meu erro. Fui, de certa forma, conivente nas primeiras semanas. Agora tenho dúvida se isso vai acabar um dia”, diz, desolado. Da calçada, os golpistas passam o dia apontando laser para queimar as câmeras de segurança que flagram agressões físicas e ameaças.

No domingo (11), Diego estava com a esposa, a filha de 2 anos e um amigo almoçando no local, quando entrou um senhor para tirar satisfações. “Ele queria saber por que meu restaurante não apoiava a manifestação e perguntava se eu era petista ou patriota. Falei que o restaurante era um lugar neutro. Ele então tentou me agredir. Não conseguiu, mas verbalmente, sim.”

Diego chamou a polícia e o homem foi embora antes que a viatura chegasse. O policial enviado disse que não poderia fazer nada, conforme gravação em vídeo ao qual a reportagem teve acesso. “Questionei o policial sobre o fato de ser ilegal, já que são atos antidemocráticos, mas ele não disse nada”, contou.

Para tentar sobreviver, Diego faz promoções, oferece open bar. A margem de lucro é mínima, mas a ideia é lotar a casa para quem passa na rua não ver mesas vazias. “A PM, a CET e o governo do estado são coniventes. Não tenho esperança de que eles vão sair após 1º de janeiro. Se nenhum desses órgãos tomar uma atitude, eles ficarão aí pelo tempo que bem desejarem.”

A esperança do proprietário e dos funcionários do Nuevo Mexico é de que as leis de fato sejam outras, como prega a frase estampada no caixa. A ver.

Uol