Retomar Eletrobras é difícil, mas não impossível

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Foto: Reprodução

A reestatização da Eletrobras é vista como improvável por juristas e especialistas no setor elétrico dada a dificuldade para se desfazer a operação. A ex-estatal foi privatizada em junho em transação que movimentou R$ 33,7 bilhões e incluiu instrumentos que buscam proteger a empresa contra aquisições hostis. Existe certo consenso de que uma eventual mudança na Lei das Estatais – aprovada na Câmara na terça, mas que ainda depende de tramitação no Senado – não teria efeitos diretos na Eletrobras uma vez que a empresa tem agora governança mais fortalecida. O problema, dizem os especialistas, é que as alterações na lei reforçam a visão de um governo mais intervencionista e adepto das indicações políticas.

Após o período eleitoral, corretoras como o BTG Pactual e o Credit Suisse disseram não ver riscos de uma reestatização da Eletrobras. Semana passada, o coordenador de grupo de trabalho de energia da equipe de transição, Mauricio Tolmasquim, afirmou que a decisão de reestatizar a empresa partiria do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do futuro ministro de Minas e Energia. Na terça-feira, Lula disse que “as privatizações vão acabar”, mas não mencionou em nenhum momento que reverteria a capitalização da Eletrobras.

Em relatório divulgado na quarta-feira, o Itaú BBA afirmou que devido à “pílula de veneno”, o governo teria que fazer uma oferta pública para comprar os papéis de todos os acionistas minoritários, pagando prêmio de 200% sobre o valor mais alto da ação da Eletrobras verificado nos 504 pregões anteriores. Essa “pílula” é o mecanismo inserido no estatuto de empresas para se proteger de ofertas hostis. “Seria muito caro para a União. O valor seria maior do que a [despesa com a] PEC da Transição”, acrescentou o consultor David Zylberstajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Na noite de quarta-feira, horas depois de Lula confirmar Aloizio Mercadante no BNDES, a Câmara aprovou emendas “jabutis” em um projeto de lei que alteram dispositivos da Lei da Estatais e das Agências Reguladoras (9.986/2000), em especial o prazo de quarentena de pessoas indicadas para comandar empresas públicas. A iniciativa abre espaço para Mercadante assumir o BNDES, mesmo tendo participado da campanha presidencial, e para que o senador Jean Paul Prates possa, eventualmente, ser aprovado para presidir a Petrobras, entre outras indicações para atender a uma frente ampla que se engajou na campanha de Lula.

Zylberstajn avalia que as mudanças na Lei das Estatais não são boas porque foram aprovadas “na calada da noite”, num fim de governo, sem a transparência necessária. Para ele, pode-se rediscutir qualquer regra ou lei, mas dentro dos critérios de governança. A mudança na Lei das Estatais “não tem nada a ver com o nome do Mercadante, que pode ser uma pessoa competente para ocupar o cargo”, segundo Zylberstajn, mas com a falta de transparência, um sinal ruim que é emitido para o mercado.

As mudanças na lei não afetam a Eletrobras, mesmo com o governo tendo participação relevante. A União possui 33,05%; o BNDES e seu braço de participações (BNDESPar), 7,25%; e fundos do governo, 2,31%. No total, 42,61% de participação estatal. Mas o Itaú BBA disse que o poder de voto de qualquer acionista, inclusive o do governo, é limitado a 10% de participação.

Marçal Justen Filho, jurista especializado em direito público, recordou que o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a acenar com a tese, sem sucesso, de que não se aplica o conceito de empresa privada quando há participação acionária relevante do Estado. O problema, segundo ele, é que as mudanças na lei não atendem exclusivamente ao governo Lula, mas a projetos pessoais de parlamentares. Justen salientou que essas mudanças afetam todas as estatais, de capital aberto e não listadas em bolsa, e as agências reguladoras. Para o jurista, os “jabutis” compensariam um eventual fim do orçamento secreto, atendendo às demandas dos políticos e a uma busca de apoio no Congresso.

Valor Econômico