STF dificultou barganhas políticas no Orçamento

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Foto: Nelson Jr/SCO/STF

Com um placar apertado de 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu ontem o modelo de emendas de relator que vinha sendo praticado pelo Congresso Nacional – e que, devido à falta de transparência, ficou conhecido como “orçamento secreto”. Com essa decisão, o poder Executivo ganha mais controle sobre o Orçamento.

No domingo à noite, em outra decisão judicial que favorece o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para deixar fora do teto de gastos o valor necessário para garantir os R$ 600 aos beneficiários do Bolsa Família em 2023. Isso diminui a dependência do futuro governo em relação à aprovação da PEC da Transição, que está na Câmara e flexibiliza o limite constitucional de despesas.

A derrubada do “orçamento secreto” sepulta o principal instrumento de barganha política do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que buscam sua recondução ao cargo. Nos últimos anos, Lira, Pacheco e o presidente Jair Bolsonaro usaram o mecanismo como “moeda de troca” para tentar ampliar a base aliada do governo no Legislativo.

A liminar de Gilmar garantiu que o novo governo banque a manutenção dos R$ 600 de auxílio Brasil, promessa de campanha, mesmo que a PEC de Transição não seja aprovada na Câmara. A decisão também permite que Lula pague, também fora do teto, R$ 150 por criança de até seis anos, desde que haja espaço fiscal aberto decorrente de precatórios não pagos pela União.

O julgamento do orçamento secreto no STF ocupou quatro sessões. Ao fim, prevaleceu o voto da relatora, ministra Rosa Weber, presidente do tribunal. Segundo ela, as emendas de relator só podem ser utilizada para corrigir erros técnicos do orçamento ou recompor dotações canceladas, mas não para criar novas despesas.

Seguiram a presidente do tribunal os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Com a decisão da Corte, as emendas de relator não poderão mais se destinar às solicitações de deputados, senadores ou “usuários externos”. Quanto aos recursos que já foram recebidos pelos órgãos públicos em exercícios anteriores, caberá aos ministros de Estado orientarem sua execução, conforme os projetos prioritários de cada pasta.

Rosa levou uma sessão inteira para proferir seu voto. Segundo ela, o destino das emendas RP-9 estava “recoberto por um manto de névoas”, fazendo com que o Orçamento se tornasse um “instrumento de legitimação do abuso e do arbítrio com dinheiro público”, e não um meio de planejar e controlar as ações estatais.

“O condicionamento da liberação dos recursos à adesão de parlamentares aos interesses do governo em votações evidencia verdadeiro desvio de finalidade”, observou Rosa. Ela afirmou, ainda, que os preceitos constitucionais “opõem-se ao sigilo, à caixa preta, a siglas inacessíveis ou a práticas que ocultem segredos inconfessáveis”.

Na sessão seguinte, quinta-feira, outros oito ministros votaram. O primeiro a se manifestar foi Mendonça, que abriu divergência. Para ele, as emendas de relator podem ser destinadas à ampliação de programações orçamentárias, desde que seja garantida a observância ao princípio da transparência, o que não ocorre atualmente. Com discordâncias pontuais sobre a melhor forma de o poder público proceder com esses ajustes, Marques, Moraes e Toffoli o acompanharam nesse sentido. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, sugeriu que as emendas de relator fossem distribuídas de acordo com os blocos da maioria e da minoria e, dentro desse critério, proporcionalmente a cada uma das bancadas – uma medida “para evitar que haja privilégio de um parlamentar em detrimento de outro”. Outros quatro ministros seguiram integralmente a relatora na semana passada: Barroso, Fachin, Cármen Lúcia e Fux.

O julgamento estava a um voto de formar maioria. Nos bastidores, o posicionamento de Lewandowski pela nulidade das emendas de relator era considerado certo. Por isso, ele surpreendeu os colegas ao pedir para votar apenas na sessão seguinte. Ele disse precisar de mais tempo para refletir e indicou que levaria em conta as medidas tomadas pelo Congresso para tentar solucionar a falta de transparência.

Gilmar endossou o pedido de adiamento – os dois magistrados costumam ter uma maior interlocução com o mundo político. O decano lembrou que, nos 35 anos de democracia no país, dois presidente sofreram impeachment em razão da perda de apoio parlamentar.

Na sexta-feira, o Congresso Nacional aprovou um projeto de resolução tornando menos opaca a distribuição de emendas de relator e Lewandowski acenou com uma solução intermediária, ao comparecer a uma solenidade no Senado. “Nós, segunda-feira, com toda certeza, nos debruçaremos sobre essa resolução que agora foi aprovada, sempre dentro desse sentido importante de diálogo entre os Poderes”, disse.

Na noite de domingo, em meio às negociações políticas do governo eleito para aprovar a PEC da Transição, Gilmar decidiu que o Bolsa Família pode extrapolar o teto, permitindo também a abertura de crédito extraordinário. A decisão fortaleceu Lula e esvaziou o poder de barganha de Lira, que busca apoio para ser reconduzido à presidência da Câmara.

“Os recursos financeiros existem para fazer frente às inúmeras despesas que decorrem dos direitos fundamentais preconizados pela Constituição”, escreveu ele, na decisão.

Gilmar atendeu a uma solicitação do Rede Sustentabilidade. O partido acionou o STF alegando que Bolsonaro descumpriu decisão – proferida pela própria Corte em 2021- que tornou obrigatória a implementação de um programa de renda básica a pessoas em situação de pobreza.

A interlocutores, Gilmar disse que era preciso equilibrar três preceitos que estavam em conflito, todos aprovados pelo próprio Congresso: o teto de gastos, o direito fundamental à renda mínima e os precatórios “pedalados” pelo atual governo, que abriram o espaço fiscal para a decisão..

Nesta segunda, o plenário do STF voltou a se reunir para discutir o “orçamento secreto”. Lewandowski, que na quinta havia deixado dúvidas sobre como iria votar e na sexta disse que levaria em conta a resolução aprovada no Congresso, aderiu à corrente de Rosa, como era inicialmente esperado, formando maioria para derrubar o mecanismo.

Ele afirmou que, embora o Congresso tenha avançado para dar mais publicidade às emendas de relator, esses esforços não foram suficientes. “Não houve adequação completa às exigências estabelecidas por esta Suprema Corte no que tange aos parâmetros constitucionais que devem enquadrar as iniciativas que dizem respeito ao Orçamento.”

Segundo Lewandowski, “a falta de planejamento adequado para a distribuição de recursos de importante parcela do orçamento federal, apartados dos grandes projetos nacionais e descolados dos objetivos da República, bem como a ausência de transparência, geram impactos sobre o funcionamento do Estado e sobre a vida da população”.

Já Gilmar, último a votar, seguiu a divergência, afirmando que as emendas RP-9 não poderiam ser “demonizadas”, mas regulamentadas de modo a garantir a devida transparência e, ao mesmo tempo, permitir acordos políticos para “conciliar um conjunto de pleitos de diversos grupos de interesses”.

Valor Econômico