29 parlamentares do PL apoiaram tentativa de golpe

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Foto: Evaristo Sá/AFP

Prestes a ter as maiores bancadas da Câmara e do Senado, além de ser o partido que mais elegeu deputados estaduais no ano passado, o PL é a legenda que mais viu representantes no Legislativo endossarem manifestações golpistas. Um a cada quatro parlamentares eleitos da sigla, que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, reforçou as invasões às sedes dos Poderes em Brasília por meio das redes sociais ou declarações públicas, seja incitando os atos no dia 8 de janeiro ou disseminando, nos dias seguintes, desinformação e teorias da conspiração para relativizar os crimes.

O levantamento do GLOBO contabilizou ainda um grupo que buscou transferir a culpa dos ataques para o governo Lula, alegando que a nova gestão teria estimulado as invasões para obter ganho político.

Segundo a pesquisa, 41 deputados federais e senadores de nove partidos que estarão na próxima legislatura emitiram posicionamentos falsos ou enganosos sobre as cenas de depredação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). As principais versões alimentadas por esses parlamentares comparavam a detenção de golpistas a campos de concentração; acusavam o ministro da Justiça, Flávio Dino, de ter ignorado intencionalmente medidas de segurança; ou se referiam à presença de supostos “infiltrados de esquerda”.

O PL, que terá 99 deputados federais e 14 senadores a partir deste ano, é o líder absoluto no ranking: 29 parlamentares da legenda repetiram desinformação ou teorias conspiratórias. Nas Assembleias Legislativas de Rio, Minas e São Paulo, a proporção de propagadores de conteúdos enganosos na bancada do PL é similar, com 11 entre 45 parlamentares — o partido elegeu 128 deputados estaduais.

Infográfico mostra distribuição de parlamentares que disseminaram mensagens de apoio a atos golpistas — Foto: Editoria de Arte

Exemplos de postagens de parlamentares com mensagens de apoio ou desinformação sobre atos golpistas — Foto: Editoria de Arte

Exemplos de postagens de parlamentares com mensagens de apoio ou desinformação sobre atos golpistas — Foto: Editoria de Arte

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) foi um dos que recorreram a uma estratégia que, na avaliação de especialistas, alimenta fake news. No dia seguinte à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinando a prisão de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do DF e ex-ministro do governo Bolsonaro, sob acusação de “omissão dolosa” durante os atos, Ferreira apresentou queixa-crime pedindo a prisão de Dino com argumentação similar.

Na véspera dos ataques, o ministro da Justiça do governo Lula alertou o governo do DF sobre a necessidade de impedir o acesso de manifestantes à Praça dos Três Poderes, mencionando um relatório da Polícia Federal sobre possibilidade de “ações hostis e danos”. Dino também colocou a Força Nacional à disposição. Moraes negou o pedido do deputado do PL por “ausência de indícios mínimos de crimes”.

Ferreira teve suas contas retidas no Twitter e no Instagram, assim como o deputado José Medeiros (PL-MT), para quem o vandalismo havia sido “orquestrado por infiltrados com o objetivo de enfraquecer o movimento antipetista”. Procurados, eles não se manifestaram.

— A principal narrativa no subterrâneo extremista foi a de que o quebra-quebra partiu de “infiltrados de esquerda”. Quando um deputado faz esse tipo de denúncia caluniosa, tenta dar a ela aparência de verdade — afirmou o historiador João Cezar de Castro Rocha, professor da Uerj.

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Um dos parlamentares do PL que disseminaram esse tipo de desinformação, o deputado federal Carlos Jordy (RJ) alega que filmagens apontaram pessoas infiltradas:

— Isso não quer dizer que não existiam apoiadores do Bolsonaro envolvidos, só que a maioria estava pacífica, e esses infiltrados os atiçaram.

Não há nas investigações indícios que sustentem as afirmações do deputado. Em alguns casos, conteúdos enganosos disseminados por integrantes do Congresso também foram usados por parlamentares estaduais bolsonaristas em suas redes.

Em São Paulo, cinco dos 19 eleitos pelo PL à Alesp alimentaram versões conspiratórias sobre os atos. O deputado eleito Danilo Balas compartilhou um vídeo no qual o senador Marcos do Val (Podemos-ES) alega que o governo federal “foi avisado, mas não tomou providências”, o que não tem lastro na documentação divulgada.

Os vídeos de Marcos do Val foram replicados por outros três parlamentares do PL. Nas redes, o senador disse que Lula “sabia de tudo” e “deixou acontecer os ataques”. Procurado, ele reforçou que acredita ter havido interesse do governo federal em fazer “uso político” do episódio.

Cinco parlamentares do PL compararam a prisão de mais de 1,2 mil pessoas suspeitas de participação nos atos golpistas aos campos de concentração da Alemanha nazista. Uma dessas postagens foi feita pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente. A analogia foi repudiada por entidades como a Confederação Israelita do Brasil (Conib), que a classificou como “indevida” e disse que comparações do gênero “banalizam o Holocausto”. Procurado, Eduardo Bolsonaro não respondeu.

No Rio, o deputado estadual eleito Alan Lopes (PL) disse haver uma “armadilha preparada pelos comunistas para culpar inocentes”. Ao GLOBO, Lopes alegou que se referia a “profissionais que invadiram o prédio e incentivaram outras pessoas a fazerem o mesmo”.

Quatro deputados estaduais do PL mineiro, metade da bancada eleita pelo partido no estado, usaram informações distorcidas ou enganosas para se referir aos atos. O deputado Bruno Engler destacou o trecho de uma entrevista na qual o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), afirma que houve “vista grossa” do governo petista para as invasões. Colega de partido de Zema, o deputado federal Marcel Van Hattem (RS) também citou a fala do governador e questionou: “Lerdeza gigantesca foi proposital?”.

O STF instaurou inquéritos para investigar três deputados eleitos — André Fernandes (PL-CE), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Clarissa Tércio (PP-PE) — por suposta incitação à “prática de ações criminosas” por causa de publicações nas redes sociais.

Ontem, o ministro Alexandre de Moraes rejeitou pedido para suspender a posse de 11 deputados bolsonaristas por “incentivo” ou “participação” nos atos de 8 de janeiro. Para o ministro, caberá ao Conselho de Ética da Câmara apurar eventuais irregularidades.

A decisão seguiu recomendação da Procuradoria-Geral da República, que havia se manifestado contra o pedido apresentado por um grupo de advogados.

O Globo