Bolsonaro confundia interesse público privacidade

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Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

O ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, foi um dos primeiros a receber uma missão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no novo governo: revisar em até 30 dias os sigilos de até cem anos impostos a informações relacionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, seus familiares e ministros.

Dentre eles, o mais controverso é o caso do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, eleito deputado federal pelo PL. Na época em que ainda era general da ativa, ele compareceu a um ato político ao lado de Bolsonaro, no Rio. Apesar de o regulamento proibir a participação em manifestações do tipo, o Exército não viu transgressão disciplinar, arquivou o processo e impôs um sigilo de cem anos aos autos, sob a alegação que “não haveria interesse público”.

Em entrevista ao GLOBO, Carvalho afirmou que o governo Bolsonaro confundiu “privacidade com dado pessoal” e que os casos de sigilo de cem anos são o “exemplo maior” da “interpretação inadequada da Lei de Acesso à Informação”.

Qual é a sua missão no governo?

Resgatar a capacidade de tornar a transparência como um valor do governo federal, um valor democrático. No fundo, somos responsáveis por resgatar e complementar os princípios constitucionais da administração pública — transparência, eficiência e integridade.

Lula falou em acabar com os sigilos de cem anos em 30 dias. É possível estabelecer uma linha entre o que é informação de interesse público e o que é privada?

A questão do sigilo de cem anos talvez tenha sido o exemplo maior de interpretação inadequada da Lei de Acesso à Informação. Essa questão aparece na lei do seguinte modo: se tiver informações relativas a dados pessoais e o documento não está classificado, dados pessoais relativos a honra, intimidade e privacidade, você pode determinar que eles possam ser protegidos por cem anos. Isso não significa que se deve proteger todo um documento com esse argumento. Se quer proteger todo um documento, você classifica, se não você fornece os documentos e tarja informações (pessoais). Era assim que a CGU vinha atuando (até o governo Bolsonaro) e o que penso.

E como lidar com o dilema se a informação pedida é um dado pessoal?

Tem que se fazer uma avaliação da dimensão da privacidade. Por exemplo: o meu salário é um dado pessoal. Mas eu sou servidor público. Então, o meu salário está no Portal da Transparência. É um dado pessoal no qual o interesse público se sobrepõe. Qual é a confusão que foi feita? Se confundiu privacidade com dado pessoal. É uma questão de interpretação de dois valores constitucionais: a transparência e o direito à privacidade.

Na sua opinião, quando um fato relevante deve se sobrepor à privacidade?

Tem que fazer uma análise caso a caso. Por exemplo, sobre porte de armas. Um cidadão tem o direito de ter uma arma e ter a privacidade de que ninguém saiba que ele a tenha. Do outro lado, alguém pode dizer que a sociedade precisa saber se a pessoa tem uma arma. Não estou aqui defendendo uma posição A ou B. Essa é uma decisão que demanda um diálogo com a área de segurança pública, por exemplo. Muitas vezes a discussão não é só da CGU.

A CGU dava pareceres favoráveis a divulgar procedimentos disciplinares que foram arquivados. No governo Bolsonaro, isso mudou. Qual é a posição hoje?

Procedimentos disciplinares são sigilosos enquanto não há julgamento. Depois, eles se tornam públicos. Não impede que dentro dessa publicidade você tenha informações que possam ser tarjadas. Por isso, eu estou falando: eles (o governo Bolsonaro) fizeram essa confusão.

No caso do Pazuello, que respondeu a um processo administrativo, a sociedade tem o direito de saber o motivo de o procedimento ter sido arquivado?

É isso que estamos avaliando neste momento. Foi dado o sigilo num primeiro momento que se referia a dados pessoais ao longo do processo. Quando isso chegou à CGU, o órgão manteve o sigilo com base no argumento de que, para servidores militares, os processos disciplinares tinham que ser sigilosos, ainda que não classificados, porque isso poderia afetar a hierarquia militar.

Tinha uma diferenciação por ele ser militar?

Sim.

Qual é o plano agora para a área de combate à corrupção?

A gente está num momento em que a Lei 12.846, que chamam de Lei Anticorrupção, completa dez anos. É o momento de refinar isso, fazer um balanço, dialogar com Ministério Público, Tribunal de Contas, Congresso, para ver o que a gente pode fazer para melhorá-la.

O senhor acha, então, que a Lei Anticorrupção tem que ser revista?

Não tenho uma avaliação do que precisa ser revisto. Isso vai ser fruto de um diálogo que nós vamos estabelecer. Só acho que dez anos da lei é um momento interessante para fazer um balanço.

O Globo