Bolsonaro incita fanáticos mesmo fora do país

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Foto: Divulgação/Urihi Associação Yanomami

A tragédia humanitária que assola indígenas nos territórios ianomâmis em Roraima, que levou o presidente Lula a declarar emergência de saúde pública na região, tem sido desprezada em boa parte dos grupos bolsonaristas após o ex-presidente Jair Bolsonaro classificar a crise como uma “farsa” da esquerda.

Se por um lado imagens de indígenas em situação de desnutrição e fome chocaram o país, chats no WhatsApp, Telegram e Signal apelaram para narrativas delirantes na tentativa de explicar a crise sanitária e, ao mesmo tempo, blindar Jair Bolsonaro da responsabilidade sobre a crise sanitária na região.

A rapidez na tentativa de encontrar um bode expiatório parece sinalizar que a gravidade da situação em Roraima preocupou o bolsonarismo.

“Não é possível que isso tudo ocorreu só nesses quatro anos”, argumentou um apoiador em referência ao período em que Bolsonaro presidiu o Brasil.

“Por que estão mostrando esse negócio dos ianomâmis agora? O que estão tentando esconder? O que fizeram com o Serere?”, indagou outra apoiadora de Bolsonaro em referência a José Acacio Serere Xavante, cacique e pastor bolsonarista sem relação com os ianomâmis e que foi preso em dezembro por determinação do STF após incitar o uso de armas para impedir a posse de Lula.

Entre as teorias estão a de que Lula almeja comover a comunidade internacional para atrair doações para a “máfia das ONGs”, um velho recurso conspiracionista do bolsonarismo no que diz respeito à Amazônia.

“Acho que essas doenças são (criações) dos próprios que estão ‘protegendo’ os índios, como na África, que tem ONGs multimilionárias que investem em vacinas e remédios mas usam os habitantes como cobaias”, escreveu uma bolsonarista antivacina no Signal ao comentar a morte de indígenas por doenças negligenciadas.

“O Ministério da Saúde deveria declarar emergência na Venezuela e na Argentina. Vão contar história para outro. Manda o exército venezuelano entregar comida para os índios”, disparou um bolsonarista no WhatsApp em resposta a uma matéria ilustrada com crianças desnutridas.

O termo “índio”, por sinal, é considerado inapropriado por grande parte do movimento indígena por remeter a seres selvagens, além de igualar diferentes povos originários. Por esse motivo, o governo Lula decidiu alterar o nome da Funai para Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Outro expediente utilizado foi o de que indígenas em situação de fome eram oriundos da Venezuela – o que não corresponde à realidade, como mostrou O GLOBO. A pecha de “vítimas do comunismo”, em referência ao regime de Nicolás Maduro, colou entre bolsonaristas.

Uma nota pública divulgada pelo Ministério Público Federal (MPF) na noite de segunda-feira, no entanto, reforça que a situação encontrada nas terras ianomâmis são resultado da “omissão” do Estado brasileiro durante o governo de Jair Bolsonaro.

Mesmo sem amparo na realidade, as teorias conspiratórias ganharam força depois que o deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) publicou nas suas redes um vídeo atribuindo a viagem de Lula a Roraima no último sábado a uma tentativa de acobertar a origem venezuelana dos indígenas e de atrair dinheiro do exterior.

“Denúncia grave: ONG pode estar por trás da fome dos índios (sic) yanomami”, diz o título de um vídeo publicado pelo futuro parlamentar, que se notabilizou nos últimos quatro anos pela disseminação de fake news.

A tese de que organizações não governamentais se apropriam de recursos escusos na Amazônia foi largamente fomentada por Bolsonaro ao longo de seu mandato para criar uma cortina de fumaça em torno do desmatamento galopante e das denúncias de tribos indígenas sobre o avanço do garimpo ilegal e das ameaças a lideranças de diferentes povos.

Na mesma toada conspiratória, Bolsonaro chegou a acusar o ator hollywoodiano e ativista climático Leonardo DiCaprio de promover incêndios criminosos no principal bioma brasileiro. Diante da pilha de evidências do descaso com os povos originários no seu período à frente da presidência, será difícil eleger um espantalho convincente.

O Globo