Especialistas veem oportunidade de “matar” a nazidireita brasileira
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
“Há uma oportunidade sem igual para o sistema político, especialmente para o governo Lula, enfrentar e isolar essa extrema direita que quer o golpe já. É possível partir para uma defesa da democracia muito mais robusta do que a que foi feita até agora.”
A indicação de um dos caminhos que se abrem depois dos ataques golpistas promovidos por bolsonaristas no domingo (8) em Brasília é de Marcos Nobre, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor de filosofia da Unicamp.
“O governo não pode ficar dependente de um ministro do STF [Supremo Tribunal Federal], não tem cabimento”, diz ele em referência a Alexandre de Moraes, relator na corte de inquéritos que miram os núcleos golpistas do bolsonarismo.
Existe, porém, o outro lado da moeda, pondera Nobre, autor de livros de análise sobre a turbulenta vida política recente do país, como “Limites da Democracia” (2022) e “Ponto-final: a Guerra de Bolsonaro contra a Democracia” (2020). Caso esse enfrentamento não seja feito de maneira rigorosa, há chance de o governo federal “perder totalmente a sua autoridade logo no começo da gestão. Esse é o dilema em que estamos agora”.
Para Nobre, assistimos a “um processo de escárnio contra as instituições. [Os bolsonaristas radicais] estão contando que não serão responsabilizados. Se não forem mesmo, eles saem desse episódio como os ganhadores”.
Não é por acaso que o autor fala em uma ala específica, “a extrema direita que quer o golpe já”, como indicado no primeiro parágrafo. Segundo ele, há um racha dentro desse espectro político, a direita mais radical, que se fortaleceu consideravelmente sob o governo de Jair Bolsonaro (PL).
“Em 2018, com a vitória de Bolsonaro, a extrema direita ganhou hegemonia sobre o campo mais amplo da direita. E agora existe uma disputa dentro dessa direita mais radical”, afirma.
Em linhas gerais, ela está fatiada em três correntes: “Há uma extrema direita que diz ‘espera, a gente dá o troco em 2026 ou, ao longo do mandato, a gente faz o impeachment do Lula’ [sob esse ângulo, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, é um representante desse subgrupo]; tem uma parte que defende golpe já [aqui estão os vândalos que atacaram a Praça dos Três Poderes]; e existe a versão Bolsonaro, que estimula os outros dois lados”.
De acordo com o professor, é fundamental para o ex-presidente preservar a unidade dessa direita mais radical em torno dele, o que o leva a manter um pé em cada canoa: um na do “golpe já” e outro naquela que Nobre chama de “golpe institucional”, que visaria o impeachment de Lula ou a disputa em 2026.
Miguel Lago, cientista político e professor da Universidade Columbia, em Nova York, concorda que surge uma “oportunidade histórica” (palavras de Marcos Nobre) de isolar essa direita mais radical. Para ele, há uma “chance única de união da classe política e da sociedade civil não bolsonarista em torno de Lula”.
O vandalismo do grupo bolsonarista no domingo “foi também um ataque à classe política, que, como todas as classes, é corporativista. Ainda que seja por pouco tempo, ela vai se unir em torno do atual presidente”, diz Lago, diretor-executivo do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e um dos autores do livro “Linguagem da Destruição – A Democracia Brasileira em Crise”.
Ele observa, porém, que o radicalismo à direita também está presente em áreas da administração pública de menor visibilidade —e aí mora o problema. “Isolar a extrema direita é possível dentro da classe política, mas não sei se é viável dentro do governo, nas carreiras de Estado. Existe um bolsonarismo muito arraigado entre os funcionários concursados”, afirma.
Lago dá como exemplo a inação de órgãos como o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e o departamento de inteligência da Polícia Militar do Distrito Federal em meio às invasões em Brasília. “É impossível que não soubessem o que estava acontecendo. Isso é grave. Esses setores estão ligados ao bolsonarismo, é preciso que sejam desideologizados.”
Uma das perguntas que têm acompanhado os desdobramentos do 8 de janeiro é: Bolsonaro está mais fraco do ponto vista político? Por enquanto, não, responde Miguel Lago.
“Pode haver um enfraquecimento, mas isso só vai acontecer se as pessoas que o seguem se sentirem traídas por ele”, diz o cientista político.
“Temos uma tendência, que é perigosa, de olhar certos números e fazer perguntas que não convém. Li que mais de 90% dos brasileiros condenam os atos de domingo. Não há dúvida, todos condenam, mas não é essa a pergunta importante a ser feita. Deveria ser: ‘O que aconteceu no domingo faz com que você nunca mais vote no Bolsonaro?’. Há muita gente que reprova o que ocorreu, mas vai continuar apoiando o Bolsonaro.”
Marcos Nobre faz avaliação semelhante. “A família Bolsonaro tem uma posição institucional muito boa. Contam com muitos recursos e mecanismos para ir para cima do governo Lula como poucas forças de oposição tiveram no país desde a redemocratização”.