Garimpo atingiu mais duas etnias além de ianomâmis
Foto: Weibe Tapeba/Sesai/Divulgação
A crise humanitária que atinge a comunidade Yanomami, em Roraima, veio à tona com mortes, desnutrição, malária e envenenamento por mercúrio, devido às atividades de garimpo ilegal na região. A situação alarmante, no entanto, está presente em, pelo menos, outros quatro territórios indígenas, que pereceram da falta de fiscalização e do descaso governamental nos últimos quatro anos e agora veem seus recursos naturais em risco.
Estudo do MapBiomas, divulgado em setembro de 2022, aponta crescimento contínuo da mineração, tendo o garimpo um ritmo mais acentuado que a mineração industrial nos últimos 10 anos. Segundo o documento, a maioria da área garimpada no Brasil está no bioma amazônico. Os estados do Pará e do Mato Grosso concentram 91,6% da área atingida pela atividade.
No país, cinco terras indígenas são apontadas pelo MapBiomas como as que têm maior área atingida. Em primeiro lugar, está a população Kayapó; em segundo, estão os Munduruku; em terceiro, os Yanomamis. Em quarto lugar, os Tenharim do Igarapé Preto, e, por fim, os Apyterewa. Sendo que, nos três primeiros, a situação, em 2021, governo de Jair Bolsonaro (PL), era crítica.
A evolução de 2010 a 2021 da área garimpada na região, em terras indígenas, aumentou 625%. A Polícia Federal, em tempo, já instaurou inquérito policial para apurar suspeita de genocídio, além dos crimes de omissão ao socorro e danos ambientais. A medida acontece após determinação do Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Flávio Dino (PSB).
Em entrevista ao Metrópoles, o diretor de Mineração do MapBiomas, Cesar Diniz, explicou que, assim como ocorre com a comunidade Yanomami, os indígenas que vivem em terras onde há atuação dos garimpeiros sofrem com problemas ambientais e de saúde.
“O garimpo, especialmente o amazônico, seja legal ou ilegal, tem problemas do ponto de vista da degradação ambiental. O garimpo causa desmatamento, deposita mercúrio nos recursos hídricos e no solo”, ressaltou.
Segundo ele, em relação à contaminação dos peixes e da água, isso vira um problema pelo uso do mercúrio na atividade. Conforme mostrou o Metrópoles, a Fiocruz conduziu um estudo que indica risco de contaminação pelo consumo de pescados oriundos da Bacia do Rio Branco. A ingestão da substância pode chegar a 32 vezes o limite seguro para crianças, como indica a nota técnica, ignorada pelo governo de Bolsonaro.
“Os indígenas vão sofrer pela atividade em si e pela invasão de suas terras. O primeiro grande problema é que a contaminação por mercúrio gera problemas neurológicos graves. Metal pesado, o mercúrio é um problema muito grande do ponto de vista humano. Mais do que isso, a privação de água e a provação de uma das principais fontes de comida levam a problemas de desnutrição, pela diminuição da quantidade de alimento”, avaliou o coordenador do MapBiomas.
O diretor-executivo da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá, declara que a atividade de garimpo ilegal é um problema “sistémico” que se intensificou durante o último governo, com a tentativa de legalização da atividade predatória nos territórios indígenas.
“A questão do garimpo ilegal ele é um problema sistêmico que há anos nós temos denunciado que se intensifica no governo Bolsonaro, com a criação de medidas que tentaram flexibilizar a garimpagem dentro das terras indígenas de forma ilegal”, afirma Tuxá.
Uma das medidas apontadas por Tuxá como incentivo a entrada do garimpo ilegal nas terras indígenas foi a apresentação do Projeto de Lei (PL) 191 de 2020, que tem como intuito regulamentar a atividade dentro dos territórios que são protegidos pela Constituição de 1988.
Os especialistas ouvidos pelo Metrópoles destacam que os órgãos do governo federal, como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Polícia Federal devem realizar ações de combate contra a entrada de garimpeiros mais efetivas.
“Responsabilizando aqueles que praticaram esse crime [garimpo], criminalmente e economicamente, para que eles arquem com as despesas de regeneração dessas áreas. Precisamos de fiscalização, precisamos da retirada imediata dos garimpeiros e de um plano emergencial de recuperação dessas áreas degradadas pelo garimpo”, declara o diretor-executivo da Apib.
Para o coordenador de Mineração do MapBiomas é necessário que o governo retire principalmente os garimpeiros que se encontram nas terras dos Kayapó, Munduruku, Yanomamis, Tenharim do Igarapé Preto e Apyterewa.
“Precisamos retirar de dentro de pelo menos essas cinco terras indígenas e depois avançar nas outras, os garimpeiros e suas estruturas garimpeiras. Os garimpeiros permanecem lá pela garantia da impunidade”, destaca Cesar Diniz.
Até o momento, o Ministério da Saúde resgatou mais de mil indígenas em estado grave de saúde da comunidade Yanomami em Roraima. O número foi anunciado pelo secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Ricardo Weibe Tapeba, nesta terça-feira (24/1), cinco dias após o governo decretar emergência humanitária no local.
De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, a desnutrição e as doenças em terras Yanomamis deixou 99 crianças de até 4 anos mortas, em 2022. Nos últimos quatro anos, foram 570 crianças mortas.
Entre as causas dos problemas de saúde, estsão os impactos do garimpo na região devido ao uso do mercúrio para separar o ouro de outros sedimentos. Esse metal acabou por contaminar a água e os peixes da região.
Procurado pela reportagem do Metrópoles, o Ministério dos Povos Indígenas afirma que o plano de ação usado no caso dos Yanomamis se estenderá a mais sete terras indígenas.
“O mesmo plano de ação de retirada de invasores e desintrusão, em andamento na TI Yanomami, foi encaminhado ao governo federal pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em relação aos territórios Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia, território Araribóia no Maranhão e nas TIs Munduruku, Trincheira Bacajá e Kayapó no Pará. No entanto, devido à grave crise humanitária e sanitária enfrentada na TIY, esta é a prioridade no momento”, comentou o Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara (PSol).
Questionado pelo Metrópoles se o plano também incluirá os Tenharim e Apyterewa, a pasta afirmou que as ações vão começar pelas sete terras citadas, respeitando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).