General demitido por Lula é único afastado com alta patente

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Foto: Estadão

A série de exonerações promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República atingiu, por enquanto, principalmente militares de baixa patente, sem posição na cadeia de comando da segurança institucional. Dos 155 militares exonerados ou dispensados pelo Palácio do Planalto, somente 31, o equivalente a 20% deles, são oficiais. Os praças somam 124, ou 80%. Não há nenhum general na lista, mas essa situação vai mudar nos próximos dias.

Após a queda do general Julio Cesar de Arruda do Comando do Exército, demitido por Lula por perda de confiança, o governo quer agora trocar, entre outros, o Comando do Batalhão de Guarda Presidencial (BGP). A unidade também foi criticada pelo presidente, que cobrou onde estavam os soldados que defendem o palácio como missão principal. O comandante será trocado nos próximos dias, conforme ministros palacianos. A escolha passa pelo novo comandante do Exército, general Tomás Paiva, porque o batalhão não é subordinado diretamente ao palácio, mas sim ao Comando Militar do Planalto.

O atual comandante da unidade, coronel Paulo Fernandes, trabalhou na reação à invasão de 8 de janeiro, mas há insatisfação generalizada no governo Lula quanto ao desempenho dele e de seus comandados. Em vídeo, o coronel aparece discutindo exasperado com a Polícia Militar. As imagens sugerem que ele trabalhava para desocupar o Planalto, enquanto policiais insistiam até que ele cedesse, para só então deter os extremistas, como ocorreu. O episódio está sob investigação.

O Estadão mapeou 155 dispensas e exonerações de praças e oficiais das Forças Armadas, a maioria da ativa, nos primeiros 20 dias de governo. Elas se intensificaram na semana passada, justamente depois dos ataques aos três poderes e enquanto a Presidência reforma o Palácio da Alvorada. Todos os militares dispensados e exonerados desempenhavam funções no GSI e na Secretaria-Geral da Presidência. A substituição será ainda mais ampla nos próximos dias.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, teve papel decisivo na ordem para trocas na residência oficial, conforme assessores presidenciais. Teria partido dela o pedido ao ministro Gonçalves Dias, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, para substituir, como medida de precaução, a equipe de militares que servia ao clã Bolsonaro na parte interna do Alvorada, em serviços domésticos e de apoio. A assessoria de Janja não respondeu a pergunta sobre esse pedido.

“É a casa dele”, disse um ministro, referindo-se a Lula. Sentinelas e vigilantes não foram atingidos pelo veto, mas quem conviveria com a intimidade do casal, sim. Segundo um integrante da cúpula da segurança presidencial, Janja não admite conviver com quem atendia a família Bolsonaro e pediu a exoneração de todos. Ela tem receio até dos militares que preparam a comida no Alvorada, os taifeiros. Bolsonaro costumava pedir que eles provassem a comida antes de comer.

Os militares que trabalhavam dentro do Alvorada são ligados à Secretaria de Administração da Presidência e respondem ao ministro Márcio Macedo. Eram 45 na Diretoria de Apoio às Residências Oficiais. O último diretor era o coronel da reserva do Exército Anderson do Nascimento Demutti. Durante seu mandato, segundo integrantes do GSI, Bolsonaro foi aos poucos substituindo os civis que prestavam apoio e serviam no Alvorada, como secretários, cozinheiros e garçons, por militares. Agora, Lula quer reverter por civis. Há precedentes na substituição da equipe com acesso a locais reservados destinados ao trabalho do presidente. O ex-presidente Michel Temer trocou garçons que atendiam os antecessores petistas no Planalto. Ele nem sequer se mudou para o Alvorada e permaneceu residindo no Palácio do Jaburu, destinado aos vice-presidentes.

Integrantes do GSI dizem que parte das trocas, dos cargos de patente mais baixa, faz parte de um rodízio de rotina. O procedimento comum costuma ocorrer de tempos em tempos porque os servidores militares de baixa patente, como cabos e soldados, são temporários. Eles não passam dos oito anos na força. O contrato é renovado anualmente. Eles são selecionados com análise de antecedentes para compor o GSI.

Estavam em posições de quarto e quinto escalão, embora de confiança, na ponta da linha. Nas proximidades das residências, atuam como segurança patrimonial, controle de cancela, sentinelas e nas entradas do Alvorada. A ampla maioria é de praças (sargentos, cabos e soldados) das três forças.

Já os de patente mais alta saíram por decisão política, por terem acesso à cúpula decisória do órgão. Desempenhavam funções de coordenação. Além do chefe do BGP, dois cargos exercidos por generais do Exército, diretamente ligados ao comando da segurança presidencial, serão trocados nos próximos dias. Os novos generais substitutos já foram selecionados pelo ministro G. Dias. Eles já estão trabalhando, embora as nomeações ainda estejam pendentes.

Embora tenha exposto críticas e cobranças ao ministro do GSI, Lula não havia trocado ainda o secretário de Segurança e Coordenação Presidencial, general Carlos Feitosa, nem o secretário-executivo, general Carlos Penteado. Ambos são da ativa e assumiram suas posições no governo Jair Bolsonaro. A próxima reunião do Alto Comando do Exército vai tratar das substituições.

O Estadão apurou que, assim como o comandante do BGP, os dois generais foram mantidos inicialmente por causa da sensibilidade política e dos riscos envolvidos na posse de Lula. Segundo oficiais que já exerceram essas funções no passado, a praxe é que esses cargos sejam trocados com a mudança de governo. Mas a permanência deles tinha sido vista como positiva para garantir um comando já acostumado com as tarefas da tropa e as rotinas de defesa palacianas, como o Plano Escudo, em 1º de janeiro.

Agora, diante da guerra de versões sobre como agiram policiais militares, soldados do Exército e os homens do GSI diante dos invasores extremistas, a principal tese é que demissões sumárias poderiam se voltar contra G. Dias. O relato dos generais e do coronel é crucial para desvendar a reação à horda bolsonarista e o fracasso do Plano Escudo.

O secretário-executivo do GSI, general Carlos Penteado, será substituído pelo general Ricardo José Nigri. Ele será o número dois do ministro G. Dias. O general Marcius Cardoso Netto assumirá o lugar do general Feitosa na Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial.

Lula havia excluído os militares do círculo mais próximo de sua segurança, o que reduziu o poder do GSI. A decisão esvaziou justamente a secretaria de Feitosa. A função agora é desempenhada por policiais federais, ao menos até o fim de junho, lotados na Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente. O petista deixou o GSI nos cuidados apenas os escritórios, residências e palácios vinculados à Presidência da República.

De forma inédita, rechaçou ter uma equipe de ajudantes de ordens formada por militares da ativa, como é praxe, por suspeita de atuação partidária e ideologização, além de ameaças. “Eu perdi a confiança, simplesmente”, afirmou Lula ao Estadão, ao justificar a decisão de excluir os “cordinhas” das Forças Armadas de seu gabinete.

O governo intensificou as trocas no GSI, como era cobrado por ministros petistas e pelo próprio Lula, depois das evidências de falhas na proteção do Planalto durante a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Lula já afirmou em entrevistas que houve “conivência” e “negligência” de militares do Exército, a reclamou da inoperância da inteligência federal. O Sistema Brasileiro de Inteligência é coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência, vinculada ao GSI.

Como o Estadão mostrou, o processo de “desbolsonarização” da máquina federal, com ordem expressa por Lula de promover uma “triagem profunda” sobre os comissionados, começou no primeiro dia de governo e atingiu militares em cargos de chefia, de perfil civil.O presidente determinou que nenhum suspeito de ser “bolsonarista raiz” deve permanecer empregado e que militares devem ser, preferencialmente, substituídos por civis.

Estadão