Governador do Rio se diz bolsonarista

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Foto: Luciana Whitaker/Valor

Apesar de ter sido o único governador do Sudeste presente à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de buscar interlocução com o Planalto, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), demonstra fidelidade ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em entrevista ao Valor nessa quinta-feira (5), no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense, afirma que ainda é apoiador do ex-presidente. Rechaça, no entanto, o rótulo de bolsonarista: “Sou castrista.”

Da relação com a nova administração federal, o governador espera desatar nós de projetos importantes para o Estado, como a situação do aeroporto do Galeão. Castro é aliado da ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil). E faz defesa enfática da política acusada de envolvimento com milicianos da Baixada Fluminense.

Daniela é uma mãe de família, deputada mais votada do Rio, uma ministra de Estado. É uma pessoa super séria

“É uma mãe de família, uma deputada federal, a mais votada do Rio de Janeiro, uma ministra de Estado. A Daniela que eu conheço é uma pessoa super séria”, diz Castro. “O compliance [da ministra] foi feito na urna.” O governador falou sobre Carneiro com base no primeiro caso que surgiu, no qual ela aparece em fotos ao lado de um miliciano. Ontem ao longo do dia surgiram dois outros supostos envolvimento da aliada com criminosos. Procurado no início da noite para adicionar comentários, Castro optou por manter as falas originais da entrevista.

Na área econômica, o governador detalha o processo de abertura do capital da Cedae, empresa de água e esgoto do Estado. Afirma que conversou com o presidente do conselho do BTG Pactual, André Esteves, e está agendado para encontrar o fundador da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, a fim de estudar possíveis modelos. Também coloca no horizonte uma nova renegociação do Regime de Recuperação Fiscal, dada a previsão de renúncia de R$ 10 bilhões de arrecadação para este ano, motivada pela redução de ICMS.

Federalização não é necessária. Quem não quer resolver o Caso Marielle? É um caso mundial, todo mundo quer solucionar

Reeleito em primeiro turno na última eleição, Castro traça como uma das prioridades do novo mandato a segurança pública. E enfrenta, logo no começo, o debate sobre federalizar o Caso Marielle, ideia à qual se opõe: “Quem não quer resolver um caso desse?”, questiona. Veja a seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: O governo fará mesmo a abertura do capital da Cedae?

Cláudio Castro: Já conversei com dois ou três players [financeiros], não vamos ficar só pensando em BNDES. A ideia é abrir concorrência. Estou ouvindo players grandes para estruturar e entender qual seria uma operação boa, ter uma luz do que seriam, na perspectiva do que se faz hoje de melhores práticas, alternativas mais rentáveis, melhores modelos. E a ideia não é pegar alguém que depois vai ganhar aquilo. É ouvir pensamentos diferentes e entender qual é o melhor para o Estado. O modelo do Rio Grande do Sul, que o [governador] Eduardo Leite fez, tem coisas bem interessantes. Eu bati um papo com ele, bati um papo com o [presidente do conselho de administração do BTG Pactual] André Esteves. Estou marcado para conversar com o [fundador da XP Investimentos] Guilherme Benchimol. Eu quero ouvir.

Valor: Quanto a abertura poderia render?

Castro: De R$ 8 bilhões a R$ 12 bilhões. A empresa [inteira] poderia valer R$ 20 bilhões hoje. Há um modelo bem interessante em que você coloca um investidor dentro, ele te ajuda na gestão e depois tem a possibilidade de compra. O sujeito pode virar um sócio minoritário com opção de compra. Ele participa da gestão, mas a gestão continua sua. Tem outros que acham que devo entregar a gestão e manter uma “golden share”. Não é uma operação rápida. Até porque é um grande ativo e não se tem um modelo certo ainda. E o Estado, de fato, não tem pressa. O Estado hoje pode ter a tranquilidade de escolher o melhor modelo, dialogar. Não tenho problema para pagar a folha nos próximos quatro anos. Tenho R$ 12 bilhões disponíveis, temos uma tranquilidade.

Valor: A proposta orçamentária para 2023 prevê R$ 27 bilhões em receitas de royalties e participação especial do petróleo. Como reduzir essa dependência?

Castro: Fazendo os investimentos que estamos fazendo, abrindo novas matrizes. A lei do polo metal-mecânico, que nós conseguimos destravar na Justiça, vem exatamente para fazermos do Rio um grande polo metal-mecânico. Os portos que eu consegui destravar na Justiça, o de Macaé, o de Maricá, agora o porto seco de Angra, vêm colocar o Rio na logística. A ferrovia EF-118, vinda do Espírito Santo. O Rio tem um grande potencial logístico. Agora, com a Nísia Trindade indo para o Ministério da Saúde, acreditamos que tem uma questão de medicina industrial que vai ser fundamental para o Rio. O turismo é outro setor importante. No Porto do Açu cabem duas plantas de fertilizantes. Tem ainda a rota 4b do gás [escoamento do gás da Bacia de Santos via Itaguaí], a finalização da rota 3, que não começou a operar ainda. E tem o Polo GasLub [antigo Comperj].

Valor: Para o Ministério de Portos e Aeroportos foi escolhido um político paulista, o ex-governador Márcio França. Atrapalha o Rio?

Castro: Não vejo isso. Tem muita gente ali que defende o Rio. Já tinha o compromisso do governo Bolsonaro de 100% da outorga da licitação do Galeão e do Santos Dumont ficar em obras para o Rio. Vou cobrar a manutenção porque acho que esse é um compromisso institucional e não de governo A, B ou C. Como Minas, que teve o metrô financiado pelo governo federal. Vamos cobrar a promessa.

Valor: O senhor pretende dialogar com a União agora, já no início do governo, sobre o Galeão?

Castro: Parece que o Lula marcou para o dia 27 a reunião com os governadores. Já é uma das minhas pautas. Na única fala rápida que eu tive com o presidente Lula, falei dessas pautas.

Valor: Quais outras pautas?

Castro: A rota 4b do gás, finalização de Angra 3 e Angra 4, licitação dos aeroportos, federalização da subida da serra, a EF-118, a conclusão do Arco Metropolitano. Na verdade, isso tudo está previsto, é só efetivar. Não tenho de pedir nenhum dinheiro novo, é a conclusão daquilo que estava programado. É mais política.

Valor: Nas conversas com o governo federal, o Plano de Recuperação Fiscal também é um dos temas?

Castro: Será. Estive na posse, rapidamente, com [o ministro da Fazenda] Fernando Haddad. Eu disse: “Temos algumas pautas para conversar.” Ele respondeu: “Eu sei, eu sei. Vamos nos reunir.” Mas vou estar antes com o presidente. Nós negociamos um regime baseado numa perspectiva legal. Essa perspectiva legal é alterada no âmbito federal. Quando a perspectiva gera uma renúncia substantiva, que no ano de 2022 foi na casa de R$ 4,5 bilhões e a perspectiva para 2023 é na casa de R$ 10 bilhões, tem que rever as bases do plano.

Valor: Como vai ser esse contato com o governo federal? O que tem sentido da postura deles, já que o senhor foi aliado de Bolsonaro?

Castro: Totalmente abertos para que tenhamos uma relação boa. E eu sou aliado do presidente Bolsonaro, continuo sendo.

Valor: Considera-se um político bolsonarista?

Castro: Sou castrista, mas sou aliado do presidente Bolsonaro.

Valor: Como o senhor avalia a decisão de Bolsonaro de deixar o país antes da posse de Lula?

Castro: Não sou comentarista das ações do Bolsonaro. Acho que ele deve ter as razões dele. Só me cabe respeitar. Não entrei e não vou entrar nessa questão, que acho muito pessoal.

Valor: No primeiro governo Lula, houve um ciclo de investimento muito forte no Rio. No cenário atual, quais parcerias o senhor acha que o governo pode estabelecer com o Rio e outros Estados?

Castro: Foram situações muito diferentes. Havia ali a situação de um Brasil muito potencializado financeiramente, com capacidade de investimento, enquanto nos últimos quatro anos, com pandemia, guerra, tivemos um Brasil com capacidade minorada. Ainda vivemos hoje quase que a ressaca desse tempo de baixa capacidade. Conforme o Brasil crescer, vamos tendo capacidade de o governo federal investir aqui. Não tenho dúvida de que, assim como Bolsonaro queria, Lula vai querer investir aqui, esse tambor do país, quase que uma ‘namoradinha’ do Brasil. Não entendo um presidente que queira fazer o Brasil crescer que não queira ajudar o Rio. Bolsonaro teve a intenção de ajudar, Lula terá.

Valor: Reconhece então que Bolsonaro não conseguiu?

Castro: Não conseguiu investir em nada. Com pandemia, um ano de guerra e o país destruído, vindo da maior crise da História, foram quatro anos muito difíceis. Ninguém passou uma situação adversa como o Bolsonaro passou, isso está posto.

Valor: O ministro Flávio Dino sugeriu federalizar o caso Marielle. Vai ter parceria do do Rio com o Ministério da Justiça para esse caso? Como está o diálogo?

Castro: Eu e o Dino temos relação boa de quando éramos governadores juntos. A questão da federalização é uma decisão judicial já tomada. Se ele entrar com uma nova ação, a gente rediscute. Mas se ele quiser colaborar, é super bem-vindo. Mesmo lá atrás, federalização não era necessária. Sinceramente, quem não quer resolver um caso desse? É um caso mundial. Todo mundo quer ser a pessoa que solucionou e eu também quero. Não há desídia nenhuma na investigação. Marielle foi minha colega [na Câmara dos Vereadores].

Valor: Por que não se chegou a uma solução do caso até hoje?

Castro: Porque não tem material probatório para garantir que X, Y ou Z são mandantes.

Valor: Então o caso parece fadado a não ter um fim?

Castro: Não. As investigações continuam, uso de tecnologia cada dia melhora, mas não há provas para garantir que foi A, B ou C. Não vou jogar para a galera. Pensem razoavelmente comigo. É muito mais fácil falar: ‘Indicia aí quem vocês acham.’ Eu faria uma coletiva linda, um powerpoint bonito, que é fácil fazer. Imagina na campanha eleitoral eu dizer que fui o governador que solucionou tudo? Mas não vou botar alguém na cadeia se não tenho certeza se foi a pessoa.

Valor: Conversou com o ministro Dino sobre a questão da segurança pública e o combate às milícias?

Castro: Conversamos sobre isso e o convidei para que a primeira grande agenda dele de segurança seja no Rio. Ficou de definir a data, mas fiz o convite. Não há partidarismo nisso. Todos queremos trabalhar pela segurança pública.

Valor: A ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi cotada para ser sua vice e está sendo acusada de elo com milicianos.

Castro: Tem que investigar, mas nunca vi a Daniela ligada a nada. Isso surge agora que virou ministra. Ter apoio de alguém é uma situação. Em campanha eleitoral, não se controla muito quem apoia a gente; ela ter envolvimento é outra situação. Só acho que a gente precisa de tranquilidade para fazer essa análise e não pegar uma pessoa com uma carreira política, que é a mais votada do Estado, e achar que ela tem a ver com milícia. Tem que ter uma calma grande. É uma mãe de família, a deputada federal mais votada do Rio, uma ministra de Estado, e a gente não pode apressar e fazer pré-julgamento. A Daniela que eu conheço é uma pessoa super séria. Investigações de milícias nunca tiveram o nome da Daniela em absolutamente nada. Deus queira que eu não tenha tirado uma foto aí com alguém, porque cada evento meu eram cem, duzentas fotos e eu não sei quem eram todas as pessoas.

Valor: Mas o senhor não acha que é preciso fazer uma averiguação melhor de compliance sobre secretários ou ministros nomeados?

Castro: Ela é a mais votada do Estado, não é qualquer pessoa. O compliance foi feito na urna.

Valor: Mas isso perdoa eventuais relações promíscuas?

Castro: Não, mas se a população não sabia, como quem nomeia vai saber? E quem disse que tem relação promíscua? Não sou advogado da Daniela, mas pegar uma foto e dizer [isso]… Eu não vi divulgado nenhum ato dela.

Valor: O que o senhor acha dos bolsonaristas que até hoje contestam a eleição?

Castro: A eleição acabou. Eu fui à posse do presidente Lula. A maior prova de que eu não apoio terceiro turno é que eu fui à posse do cara que me derrotou [na eleição nacional].

Valor: Quais foram as impressões da cerimônia de posse?

Castro: É óbvio que eu não faço parte da festa, quem faz parte é quem ganhou a eleição – e eu perdi [a nacional]. Mas todos me trataram muito bem, inclusive os ministros. É uma relação institucional e super positiva. Eleição é eleição. Ninguém tem que ser inimigo do outro, a gente é adversário na hora da eleição. Temos que ter essa maturidade política para entender que eleição acaba e temos que trabalhar colaborativamente.

Valor: O senhor nomeou secretários aliados de ex-governadores que se envolveram em escândalos de corrupção. Isso não era evitável?

Castro: Você tem que se relacionar com quem está aqui. Quando se tem um partido com uma representação grande, e o nosso governo foi de coalizão, é importante que se mantenha a ideia de coalizão. Mas nas áreas mais estratégicas do governo, todas praticamente se mantiveram. Temos hoje uma professora na Educação, um médico na Saúde, toda questão de Fazenda, Planejamento e Procuradoria mantidas, assim como a segurança pública. Foi um governo aprovado na urna, não tinha por que dar cambalhota agora e mudar.

Valor: É um governo com menos influência de nomeações da família Bolsonaro, já que ele perdeu e o senhor foi reeleito?

Castro: Não posso dizer que é menos ou mais porque eles nunca tiveram influência aqui. O Flávio Bolsonaro não me indicou absolutamente ninguém. Nunca me pediu um secretário sequer, uma nomeação, nada. Um dos caras mais republicanos comigo se chama Flávio Nantes Bolsonaro. Você vê que não tem ninguém que saiu do gabinete dele e tenha vindo para cá, saído do governo federal. Aconteceram, sim, nomeações que eu quis fazer para que o governo federal fosse mais próximo em pautas. Mas dele ter me pedido, nunca aconteceu.

Valor: Muitas metas do governo Witzel-Castro não foram cumpridas. Por quê?

Castro: O primeiro mandato foi uma coisa totalmente ‘sui generis’. Pandemia, governador afastado e impichado, o primeiro da História. Se tivesse corrido tudo bem, não teria acontecido o que aconteceu. É um governo que a própria crise financeira abateu muito. Quando eu assumi, eram R$ 6,2 bilhões de déficit para fechar o ano. Eu tinha a iminência de atrasar salário. É implanejável qualquer coisa quando se tem um cenário quase que de guerra. Foi uma primeira etapa em que a gente vendia o café da manhã, o almoço e a janta para tentar lanchar no dia seguinte. É um governo que foi melhorando a duras penas, foi avançando. A perspectiva agora é de um governo com planejamento, metas claras. O primeiro mandato foi quase ingovernável.

Valor: Teremos a terceira versão do Regime de Recuperação Fiscal?

Castro: Quando negociei o plano, a legislação era uma. Quando a legislação muda e tira R$ 10 bilhões do caixa, a capacidade de pagamento passa a ser outra. Não é o devedor que escolhe o modelo, é o credor. A União vai ter que definir se vai fazer uma readequação ou um regime novo. Não acho necessário [criar um novo]. Precisamos rever as bases, porque é uma lei federal que muda apoiada pelo governo à época e que foi aprovada por quase unanimidade no Congresso. A lei mudou sensivelmente a arrecadação, tirou quase 10% da receita líquida.

Valor: Na segurança, o senhor manterá a política de enfrentamento das polícias nas favelas?

Castro: A informação que chega até mim via Corregedoria é de que a polícia entra e é atacada. A política de confronto é do criminoso com a polícia. Não é a polícia que entra atirando; a polícia entra para fazer o trabalho dela e o criminoso atira. E a polícia tem que repelir o mal. É óbvio que se tiverem erros eles serão corrigidos e quem errou será punido. Também tem uma questão, que não é só da polícia: aqui não se produz arma, não se produz droga. Se tem um criminoso com fuzil de armamento internacional, é porque está chegando de alguma forma.

Valor: Hoje [quinta-feira], na Cidade de Deus, a polícia matou um catador de lixo depois de confundir um pedaço de madeira com fuzil.

Castro: Quantas operações tiveram em quatro anos e quantos casos como esse aconteceram?

Valor: As maiores chacinas do Estado foram no seu governo.

Castro: Chacina, não. Chacina é opinião pessoal. O Ministério Público falou que não foi chacina.

Valor: Mas não causa um desconforto ter operações tão letais?

Castro: Claro que causa. Por isso comprei câmera, comprei drone. Só sou contra [câmera] nos batalhões especiais. Vou dar um exemplo pessoal: o meu caso [sobre suposto recebimento de propina] está em segredo de Justiça, mas quem aqui não viu o vídeo da pessoa falando? Se uma coisa que o Supremo Tribunal Federal colocou como sigiloso, todo mundo divulgou, imagina a câmera de uma operação? São funcionários públicos que fazem isso.

Valor: O senhor vai a Nova York assinar acordo com a Nasdaq para implantar a plataforma de comercialização de crédito de carbono?

Castro: Vou agora em janeiro, dia 13. É uma plataforma de negociação de créditos voluntários de carbono até que vire bolsa física.

Valor Econômico